Eleitor paga promessas… de campanha

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

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Charge: novoeste.com

Em matéria tributária, o paradoxo brasileiro é tão evidente que quase já não causa estranhamento. A recente atualização da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, apresentada como medida de alívio às camadas de menor renda, repete um enredo conhecido: na prática, mantém privilégios para os mais ricos e pouco altera a desigualdade estrutural.

Em 2024, a carga tributária bruta brasileira alcançou 32,32% do Produto Interno Bruto, segundo dados do Tesouro Nacional. O número coloca o país entre os que mais tributam no mundo, em patamar semelhante ao de economias desenvolvidas, mas sem a correspondente qualidade nos serviços públicos. O paradoxo se agrava quando se observa que, apesar da pesada arrecadação, o Brasil ocupa a pior posição no ranking do Estudo IRBES 2023 — que avaliou o retorno social dos tributos entre os 30 países com maior carga tributária. Na prática, cobra-se como país rico e devolve-se como nação pobre.

Cotidianamente a percepção dessa contradição explica a disseminação da chamada cultura do escapismo fiscal. O contribuinte médio, consciente de seu esforço, sabe que não terá acesso a hospitais adequados, escolas dignas ou transporte decente, e a partir daí o problema não se resume apenas à evasão. A maior distorção está no próprio desenho da tributação, que isenta lucros e dividendos e concentra o peso sobre salários. De acordo com estudos oficiais, para cada real pago em imposto pelos mais ricos, outros dois reais permanecem intocados em rendimentos não tributáveis.

Em contrapartida, trabalhadores que recebem entre um e dois salários mínimos veem, para cada real isento, outros R$ 7,60 confiscados na fonte ou na declaração. Nesse contexto, as promessas de campanha que ampliam gastos públicos apenas reforçam a engrenagem do desequilíbrio. A multiplicação de ministérios, a manutenção de programas sem fonte de custeio e a ampliação de benefícios sociais sem a correspondente base arrecadatória aumentam a pressão sobre o orçamento. O Tesouro Nacional informou que a dívida bruta já supera 75% do PIB, percentual elevado para uma economia emergente. Alguém inevitavelmente terá de pagar essa conta, e a história mostra que a fatura recai quase sempre sobre a classe média e os trabalhadores formais.

Há, ademais, o problema da opacidade fiscal. Apesar das normas de transparência, a execução orçamentária continua marcada por manobras, apelidadas de “pedaladas” quando ganharam notoriedade política. O mecanismo de mascarar resultados, embora duramente criticado, ainda resiste sob novas roupagens. Segundo a Confederação Nacional da Indústria, a própria complexidade do sistema custa às empresas cerca de R$ 60 bilhões anuais apenas em horas destinadas ao cumprimento de obrigações acessórias. É um peso que desestimula investimentos e corrói a competitividade.

O Projeto de Lei nº 1.087/2025, atualmente em tramitação no Congresso, tenta alterar esse quadro. A proposta prevê isenção para quem recebe até R$ 5 mil por mês, redução de alíquotas até R$ 7 mil e, sobretudo, a criação de um imposto mínimo sobre super-ricos. Estudo do Ministério da Fazenda indica que a medida poderia elevar em até 45% a tributação sobre o 0,01% mais rico da população, corrigindo uma distorção histórica. Além disso, a desigualdade medida pelo Índice de Gini cairia de 0,6185 para 0,6178, e a progressividade do sistema aumentaria em 30%. Ainda que modestos, são efeitos concretos na busca por maior justiça fiscal.

Na tabela já definida para 2025/2026, a faixa de isenção foi ampliada para R$ 27.110,40 anuais, com alíquotas progressivas que chegam a 27,5% para rendimentos acima de R$ 55.976,16. Embora o avanço represente alívio pontual, não enfrenta a raiz da desigualdade: a ausência de tributação sobre grandes fortunas, lucros e dividendos. Sem essa correção, o discurso de justiça tributária permanece mais retórico do que efetivo.

Imposto, em qualquer tempo histórico, foi percebido como imposição. A diferença está no que o Estado devolve à sociedade. Países que alcançaram equilíbrio social transformaram tributos em serviços públicos de qualidade, entendendo a arrecadação como pacto coletivo. No Brasil, o pacto está rompido. Cidadãos pagam muito, recebem pouco e ainda convivem com o espetáculo de desperdícios e privilégios. O contribuinte comum não se recusa a colaborar, mas cobra transparência, eficiência e retorno, no mínimo.

A cada nova eleição, renova-se a promessa de alívio. Contudo, o que se observa é a repetição de práticas que oneram quem menos pode e preservam quem mais acumula. Sem coragem política para rever isenções, simplificar o sistema e combater o desperdício, o país continuará condenado a viver sob o signo do paradoxo: tributa como nação rica, devolve como sociedade pobre, e perpetua a desigualdade que promete combater.

 

 

A frase que foi pronunciada:
“O desafio da esquerda é maior do que nunca. A gente nunca conviveu com uma situação tão adversa.”
Fernando Haddad

Foto: carlossousa.com.br

 

História de Brasília
O que há é falso sensacionalismo. Pura e simplesmente. O rapaz está há um ano esperando julgamento e já foi adiado duas vêzes. (Publicado em 08.05.1961)

Mazelas nas gôndolas

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Foto: diariocomercial.com

 

Para um país que é classificado, hoje, pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), como a 10ª economia do mundo, não faz sentido que ocupe, ao mesmo tempo, posições antagônicas e medíocres quando os quesitos são o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), onde ocupa a 79ª posição, entre 184 países; o Gini, que mede a distribuição de renda, onde possui um índice de 0,533, que o coloca na 84ª posição; ou mesmo quando é avaliado no quesito educação, onde fica em 63ª posição entre 81 países. A primeira constatação que salta aos olhos de todos, aqui e além das fronteiras, é que o Brasil é um país materialmente rico, com um Produto Interno Bruto (PIB) significativo, mas que é habitado, com poucas exceções, por uma população majoritariamente pobre, com pouca ou nenhuma cobertura de saúde, com baixa escolaridade e baixa renda per capita. Pior ainda, com uma altíssima concentração de renda, que faz de nosso país um campeão da desigualdade social e econômica de todo o mundo.

Uma situação tão surreal como a nossa só pode ser compreendida na prática, quando se vai, por exemplo, ao supermercado. Aí, nesse local, todas as mazelas do povo brasileiro estão expostas nas gôndolas à vista de todos. Então, como entender as razões que fazem com que, sendo o Brasil o atual celeiro do mundo, reconhecido como o maior produtor de grãos do planeta, maior produtor também de carnes bovina, suína e de aves de toda a Terra, pode oferecer, à clientela nacional, os maiores e mais abusivos preços praticados no quesito de alimentos de primeira necessidade?

A situação é tão esdrúxula que, para manter um mínimo de movimentação no comércio de alimentos, é que existem mercados e mercados. Um para os poucos que possuem renda para adquirir produtos de primeira linha. Outro para atender à clientela sem poder aquisitivo, na qual as gôndolas parecem apresentar produtos de terceira linha, quase uma xepa de alimentos, produtos que não servem para o consumo da classe A, mas que o povão compra como última opção e a preços também extorsivos.

Os políticos, que não possuem contato direto com essa realidade e, portanto, não sofrem na pele seus efeitos, não se interessam em buscar melhoras para esses fatos. Do mesmo modo, os governos, que só se interessam em tributar a tudo e a todos, também se mostram incapazes de equilibrar as riquezas materiais do país com as necessidades humanas da população.

Por isso, entra governo, sai governo, e os indicadores mostrando que a população teve melhoria naqueles índices mostrados acima permanecem os mesmos ou pioram a cada ano. Há um descompasso real que é, ao mesmo tempo, desumano e sem sentido. Como é possível passar fome numa casa onde há abundância de alimentos? Para aqueles que nos observam à distância, o Brasil, à mercê de suas conquistas na área econômica, permanece sendo, por séculos, um país com uma população desassistida em todas as áreas. Mesmo para a América do Sul, um continente reconhecido por seu subdesenvolvimento crônico, o Brasil desponta no quarto lugar em Índice de Desenvolvimento Humano, atrás de Chile, Argentina e Uruguai.

Há um claro descompasso entre a riqueza produzida pela nação e a renda per capta. Fatos como esse só podem ser entendidos quando se verifica que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. O que ocorre com nossa realidade mostra bem que o Brasil não é um país pobre, como muitos que existem pelo mundo. O Brasil é um país injusto e desigual. Nesse ponto é preciso entender que não existe combate efetivo à pobreza, que vá até as raízes do problema, montado em ações do tipo puramente ideológicas.

Não se debela a pobreza com discursos e ações do tipo eleitoreiras, nem tampouco com medidas do tipo populistas, mas, e tão somente, com planos de governo bem elaborados e suprapartidários. Planos de longo prazo que sejam continuados por diferentes presidentes. Por outro lado, e as tentativas anteriores provam isso, não se pode falar em combate à pobreza, as desigualdades ao baixo IDH e outros indicadores, sem uma reforma profunda e verdadeira do Estado, que parta do princípio que, de todos os obstáculos a serem vencidos, nenhum é mais importante que o combate a corrupção e má aplicação dos recursos públicos. E não adianta nesse ponto querer inverter as verdades dos fatos históricos. O que tem prejudicado o país é, justamente, corrupção e seus efeitos e não o combate a ela.

Entre nós, o diagnóstico é claro: para melhorar indicadores como o IDH, Gini, Pisa e outros, é preciso, antes de tudo, acabar com a praga secular da corrupção de malversação dos recursos da nação. Qualquer outro caminho passa longe desses problemas e nos faz prisioneiros de índices medíocres e vexaminosos.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“O universo protege as pessoas que se movem por um bom propósito.”

Ministro Roberto Barroso, no programa Roda Viva

Foto: Nelson Jr./STF/Divulgação

 

História de Brasília

Atitudes de homens de bem, que não pactuam com desonestidades. Essa decisão mostra que a cidade foi construída com entusiasmo patriótico, e não para fins de aproveitamento. Agora, quando surgem os desonestos, é preciso que se apure tudo até o fim, para que não se jogue lama em nomes que não merecem, e que valem pelo muito que deram na construção da cidade. (Publicada em 21.04.1962)