Democracia é capturada por poderes

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Charge: Mafalda e a democracia

 

Se, como dizia Thomas Jefferson, a Constituição é para os vivos, e não para os mortos, o que abriria uma oportunidade, para cada geração, adequá-la à realidade de seu tempo, a nossa Carta, seguramente, ainda não pôde ser testada em toda a sua amplitude e profundidade aos novos ventos que em nosso país sopram como tempestades.

Há, ainda, um longo caminho a percorrer sob a égide desse conjunto de leis, embora não se despreze, de todo, algumas emendas necessárias a aperfeiçoá-las conforme avançamos democracia adentro.

Nesses trinta e um anos que nos separam daquele distante 5 de outubro de 1988, quando a Constituição foi finalmente promulgada, com o que de mais avançado havia em termos de ordenamento jurídico, o país, seguramente, viveu momentos de graves crises institucionais e, em todos esses acontecimentos, o escudo propiciado pela Constituição soube conduzir o transatlântico Brasil a águas tranquilas.

Esse, talvez, foi o mais valioso legado herdado pelos brasileiros nas últimas décadas e, sem dúvida, o mais vital. Logicamente, como toda obra humana, a nossa Constituição, vista no presente, tem necessitado de pequenos reparos para continuar atualizada e útil. Talvez um dos pecados que podem ser identificados em sua origem é que a Assembleia Constituinte não tenha sido instalada exclusivamente para a elaboração dessa Carta e logo após dissolvida.

Os políticos que tomaram posse naquele ano de 1987 sabiam que teriam que conciliar os trabalhos normais do Legislativo com a elaboração da Carta e que continuariam no Congresso após o término dessa missão. Com isso, o chamado Centro Democrático, um conjunto de parlamentares da velha política atuaram, como puderam, para a preservação de certos pontos vantajosos e do antigo status quo.

Nessa época, como lembrou o relator da Constituição, deputado Bernardo Cabral, “os corredores do Senado e da Câmara dos Deputados fervilhavam de pessoas”. Eram milhares de brasileiros de todos os setores do país, levando e trazendo propostas e abaixo-assinados para serem incluídos na nova Carta.

Após muita discussão e embates, e depois de tramitar nas Comissões especiais, o projeto final foi submetido a discussões em nada menos do que 119 sessões no plenário. As brigas e desentendimentos acalorados eram contidos pela experiência e serenidade de Ulysses Guimarães.

Para alguns analistas, o fato de a Constituição ser redigida por políticos que seguiam em seus mandatos fez com que a Nova Carta favorecesse, em demasia, os sistemas partidários e sua fragmentação em um número grande de legendas sem lastro popular ou conteúdo programático coerente.

Dessa forma, parte do poder acabou sendo capturado por grupos de pressão, dando origem às atuais bancadas, muitas das quais com atuação totalmente contrária à vontade popular, fechadas em seus nichos de interesse. Essa atuação em causa própria fez com que os constituintes optassem por um modelo que levou a República a se render a um presidencialismo de coalizão em que o Executivo ficaria, doravante, a reboque dos interesses de grupos dentro do Legislativo.

Tal modelo favoreceu a política do toma lá dá cá, que, durante os governos petistas, foram elevados ao paradoxo surreal do mensalão, com a compra, pura e simples, de grande número de parlamentares dentro do Congresso. Alguns outros aspectos, como a vinculação obrigatória de qualquer candidato a um partido político, conferiu um certo monopólio da democracia a apenas essas legendas, impedindo a participação política de brasileiros na vida pública e nos destinos do país.

Passados todos esses anos, alguns reflexos negativos ainda são observados no ordenamento político do país, como provam as recentes minirreformas partidárias conferindo bilhões de reais às legendas nas rubricas fundo partidário e fundo eleitoral, além do corporativismo acentuado, das deformações operadas na Lei de Abuso de Autoridade, nas medidas de combate à corrupção e na manutenção de infindos privilégios de toda a ordem.

De certa forma, a democracia foi capturada pela classe política, criando uma hipertrofia desse poder em relação aos demais. Com isso, abriu brechas para um constante desequilíbrio entre os poderes, ora favorecendo um, ora outro, em contraposição à vontade popular, obrigando milhões de brasileiros a ocupar seguidamente as ruas em manifestações onde ora protestam contra um poder, ora protestam contra outro.

 

 

A frase que não foi pronunciada
“A voz do povo é a voz de Deus. Com Deus e com o povo, venceremos, a serviço da pátria, e o nome político da pátria será uma Constituição que perpetue a unidade de sua geografia, com a substância de sua história, a esperança de seu futuro e que exorcize a maldição da injustiça social.”
Ulysses Guimarães

Foto: agenciabrasil.ebc.com.br


História de Brasília

Abaixo desta coluna, vocês verão uma carta que nos foi endereçada pelo deputado Breno da Silveira, e o discurso pronunciado pelo mesmo parlamentar na Câmara dos Deputados. (Publicado em 01/12/1961)