Sobre a Capital da Esperança

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto: Minha Capital

 

Há tempos em que o vento sopra contra a bússola. Quando a arte de planejar é abandonada, ou substituída por caprichos momentâneos, até o mais sólido dos alicerces começa a ceder. Essa verdade se aplica com ainda mais força ao organismo complexo político. Uma gestão sem planejamento é como um corpo sem esqueleto: sobrevive, mas vergado, adoecido, desfigurado.

Nosso centro administrativo na capital do país — tão meticulosamente desenhado em papel e sonho — foi, um dia, símbolo de uma promessa racional. Com traços modernos e espírito de vanguarda, pretendia-se erguer não apenas uma cidade, mas um novo modo de habitar o poder. Os eixos da capital não brotaram do acaso: vieram da mente de quem ousou imaginar o depois de amanhã.

Hoje, no entanto, a racionalidade daquele gesto inaugural não condiz com a política nacional abrigada na cidade. O improviso se tornou método. A pressa eleitoral substituiu o traçado técnico. As necessidades de poucos se sobrepuseram ao bem de muitos. Por conveniência ou por cálculo, decidiu-se ajustar a Esplanada dos Ministérios à vontade dos passageiros do turno. O resultado? Um amontoado de desculpas que fazem a gestão envelhecer antes da hora, medidas provisórias, soluções improvisadas e interesses que não aparecem nos diários oficiais.

Há setores da cidade onde o solo treme diante de novas informações. Outros são engolidos por estruturas parasitárias que avançam sem freios sobre cidadãos comuns, em nome de uma lógica que muitos fingem não ver. Não faltam elefantes brancos, erguidos a preços de ouro, cujas sombras cobrem o erário e sufocam o contribuinte. E tudo isso sob o silêncio ou a cumplicidade de quem deveria zelar.

Curiosamente, no seio da capital onde deveriam pulsar centros de estudo e reflexão urbana, impera a ausência. Onde estão os levantamentos técnicos? Onde está o diagnóstico dos pontos frágeis? Não se ouve a voz das academias, tampouco se vê sinal da caneta dos planejadores. A cidade parece agora viver à mercê da política mal calculada como se bastasse sempre “dar um jeito”.

Mas há limites para o improviso. Quando tudo é exceção, a regra desaparece. Quando tudo é urgente, o essencial se perde. E assim seguimos, a passos curtos e apressados, na contramão daquilo que um dia poderia ter sido.

A cidade que foi pensada numa política de futuro é quase um ato de resistência. Talvez, ainda haja tempo. Mas esse tempo exige coragem: de voltar à prancheta, de dizer não ao provisório, de confrontar os interesses rotativos e, sobretudo, de devolver, ao povo brasileiro, o direito de ser pensada com os olhos do amanhã.

Não é por acaso que, pelo mundo, o investimento em inteligência é o que predomina. Essa é a diferença. Fazer política não é remendar buracos ou inaugurar estruturas com placas reluzentes. É preciso visão. E, para isso, é necessário permitir que a técnica fale mais alto do que o aplauso fácil.

O que temos visto, porém, é o triunfo do improviso sobre o critério. Em nome de conveniências passageiras, áreas públicas são loteadas, normas são flexibilizadas e o interesse coletivo é empurrado para um futuro sempre adiado. Cada puxadinho interesseiro tolerado, cada invasão das regras ignorada, cada estrutura faraônica, que serve mais à vaidade do que à função pública, representa uma escolha — e não escolher também é uma escolha. A cidade é espelho disso tudo: reflete não só os traços do tempo, mas também as omissões de quem paga a conta.

Ao fim, resta a pergunta incômoda: o que deixaremos para aqueles que ainda não nasceram? Será que estaremos apenas perpetuando um modelo de política que desaprendeu a pensar? E quando uma cidade, um país, para de pensar, o que sobra é a repetição automática do erro. Não é esse o legado que uma capital, ainda chamada patrimônio, deveria desejar carregar.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“É preciso tanta energia para desejar quanto para planejar.”

Eleanor Roosevelt

Portrait of American diplomat and former First Lady Eleanor Roosevelt (1884 – 1962), early to mid 1940s. (Photo by Stock Montage/Getty Images)

 

Terra sem lei

Se existe uma Lei Geral de Proteção de Dados, não faz o menor sentido um cliente de operadora de celular receber mais de 20 telefonemas de robôs por dia. Pior do que isso é a ouvidoria das operadoras deixarem um som irritante para o consumidor ouvir por mais de 40 minutos sem atendimento. E ainda há o pior: a Anatel só aceita a reclamação se houver registro na ouvidoria da operadora.

Anatel. Foto: gov.br

 

História de Brasília

O auditório da Universidade de Brasília se chama 2 Candangos, como homenagem ao Reitor aos 2 anônimos que morreram na construção da instituição. Em homenagem, diremos seus nomes: Gildemar Marques, de Bom Jesus, Piauí, 19 anos e Expedito Xavier Gomes, de Ipu, Ceará, 27 anos.

Brasília e o sonho que persiste no concreto

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Centro de Brasília: Foto: reprodução da internet

 

Há cidades que apenas crescem, e há cidades que carregam consigo a vocação de pensar o mundo. Brasília, com todas as suas contradições, pertence ao segundo grupo. Desde o primeiro risco no papel de Lucio Costa até a última curva branca traçada por Niemeyer, a capital federal jamais foi apenas um conjunto de edifícios — foi ideia, gesto simbólico, tentativa. Agora, mais uma vez, ela se prepara para sediar uma conversa sobre o futuro. Nessa última terça-feira (27), o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-DF) foi palco do lançamento da 4ª edição do Fórum Mundial Niemeyer, um evento que convidou arquitetos, urbanistas, engenheiros, juristas e pensadores a discutirem os rumos da cidade contemporânea.

A proposta não poderia encontrar cenário mais sugestivo. Brasília é, ao mesmo tempo, modelo e advertência. Seu desenho monumental, pensado para projetar a racionalidade administrativa do país, convive com os desafios reais de uma metrópole desigual e fragmentada. Ela inspira tanto quanto desconcerta. Talvez por isso, a escolha da capital para dar início às reflexões do Fórum carrega mais do que valor simbólico — é um convite a revisitar as promessas do passado à luz das urgências do presente.

Nesta edição, o tema gira em torno das “cidades do futuro e da sociedade”. E se há algo que o Brasil precisa cultivar é a capacidade de imaginar futuros. Falar de urbanismo, hoje, não é apenas tratar de infraestrutura, mas de convivência, bem-estar, pertencimento. É discutir como o espaço molda relações e como as decisões técnicas podem — e devem — dialogar com as demandas humanas. A presença do ministro Gilmar Mendes, por exemplo, empossado como vice-presidente de honra do Instituto Niemeyer, reforça essa interseção entre o urbano e o jurídico, entre forma e norma, entre chão e instituição.

Mas não se trata de um fórum voltado apenas à elite técnica ou acadêmica. O gesto de tornar o evento gratuito e aberto ao público (ainda que com vagas limitadas) sinaliza o desejo de incluir a sociedade nessa conversa. Uma cidade justa começa por uma cidade que escuta. E o Fórum, com seu espírito de encontro e troca, oferece uma rara oportunidade de pensar a cidade como bem comum, como construção coletiva e não apenas obra finalizada.

É fácil esquecer, diante dos impasses da política ou da pressa cotidiana, que a cidade em que vivemos é também uma narrativa. Cada praça, cada viaduto, cada eixo ou sombra projetada conta uma história sobre quem fomos e quem gostaríamos de ser. E Brasília, com sua monumentalidade quase onírica, ainda provoca a imaginação coletiva. Nela, o urbanismo flerta com a utopia, a engenharia conversa com o direito e a arquitetura tenta, às vezes com sucesso, às vezes com descompasso, desenhar uma ideia de país.

Eventos da magnitude e da relevância do Fórum Mundial Niemeyer talvez não possam solucionar magicamente todos os intrincados dilemas que afligem as cidades contemporâneas — as persistentes desigualdades socioespaciais, os desafios ambientais que clamam por soluções urgentes, as complexas questões de mobilidade e acessibilidade, entre tantos outros. Contudo, sua importância reside precisamente em nos recordar, de maneira contundente, da necessidade inadiável de manter acesa a chama da indagação, de continuar formulando as perguntas essenciais que nos impelem a refletir criticamente sobre o espaço que habitamos e que molda nossas vidas. Como conciliar a imperiosa necessidade de preservar a identidade singular de nossos centros urbanos com as inevitáveis dinâmicas da mudança e da inovação? Como promover um crescimento urbano que seja simultaneamente sustentável e inclusivo sem obliterar as marcas significativas do que já existe, da história inscrita em cada rua e em cada edifício?

Em tempos particularmente suscetíveis à prevalência do pragmatismo e à atração pela tecnocracia como solução universal, a capacidade de formular essas perguntas e de manter vivo o debate sobre os rumos do urbanismo representa, em si mesma, uma demonstração de resistência intelectual, uma afirmação da importância da reflexão crítica e da visão de longo prazo na construção de um futuro urbano mais promissor e equitativo.

Talvez seja esse o legado mais importante de Niemeyer: a recusa em ver o espaço como mera função, e o insistente convite a enxergar beleza, simbolismo e política no desenho das coisas. Brasília ainda carrega essa centelha. Que o Fórum a reacenda — com ideias, não apenas homenagens.

 

A frase que foi pronunciada:
“Um cientista que também é um ser humano não deve descansar enquanto o conhecimento que pode reduzir o sofrimento repousa em uma estante”.
Albert Sabin

Albert Einsten. Foto: Arthur Sasse/Nate D Sanders Auctions/Reprodução

 

História de Brasília
Os pais dos alunos residentes nas casas da Caixa Econômica estão apavorados com a série de desastres ocorridos na W3 e pedem um guarda para ajudar as crianças na travessia daquela avenida. (Publicado em 04/05/1962)

Vida e morte da cidade

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Imagem: Esboço do Plano Piloto de Brasília — Foto: Arquivo Público do Distrito Federal/Fundo Novacap

 

Consequências são tudo o que vêm depois. Assim ensina a prudência. No caso do respeito às normas do planejamento urbano, essencial para a existência de uma metrópole dentro dos limites do bom senso, as consequências da má ingerência e da politização no trato das questões urbanas são o que pior pode acontecer para uma cidade. Até mesmo cidades que foram arrasadas por bombardeios, durante as guerras, possuem muito mais capacidade de se reerguerem do que aquelas que foram lentamente deturpadas por intervenções urbanas fora dos limites do planejamento urbano. Vejam o caso, por exemplo, das grandes capitais da Europa, praticamente postas abaixo pela I e II Grandes Guerras. Com o fim dos conflitos, a quase totalidade delas foi sendo reconstruída com o mesmo esplendor do passado. O motivo: o respeito pelo passado e uma estrita observação dos parâmetros do urbanismo.
Ao observar fotos antigas das cidades de São Paulo ou do Rio de Janeiro, das décadas 40 ou anterior, a primeira coisa que chama a atenção nessas imagens é que tudo parece estar no seu devido lugar. As ruas estão limpas, as calçadas são largas, o trânsito flui com ordem, as pessoas parecem caminhar com tranquilidade e há toda uma ideia de harmonia e conjunto. Nos parques públicos, o paisagismo se mistura com monumentos e esculturas por todo o canto, ladeando jardins bem desenhados. Há chafarizes e pequenos lagos a enfeitar os ambientes e uma perfeita sincronia entre o bucólico e o espaço comercial e residencial. Os edifícios, formados por casarios que juntam a arquitetura neoclássica com o estilo colonial, estendem-se por ruas bem arborizadas, que convidam o público ao passeio e desfrute de um ambiente bem pensado.
No caso de Brasília, as fotos e imagens antigas do começo das décadas de sessenta e setenta mostram uma capital onde se podia observar, com exatidão, quais eram as  propostas do projeto urbano original para a cidade. Lúcio Costa, o idealizador desses espaços, conhecia bem as necessidades de uma cidade e sabia da importância em agregar espaços vazios e cheios, áreas verdes e áreas construídas. Dosando seu projeto de sons e silêncios, vitais para uma grande sinfonia arquitetural. Pena que, hoje em dia, muitos habitantes e administradores, que para cá vieram tardiamente, não tenham a clara percepção da importância, ou mesmo a sensibilidade, em manter as raízes do projeto original. A necessidade em preservar o original é para que Brasília não se transforme numa cópia mal feita das muitas metrópoles brasileiras.
As cidades, assim como as pessoas, possuem vida própria, mas precisam, antes de tudo, serem bem encaminhadas, para que não se percam nos descaminhos da vida. Infelizmente é isso que vem ocorrendo com a capital ao longo dos últimos anos. Depois da emancipação política de Brasília, num processo em que se visava apenas a criação de uma instância política e burocrática, para atender parte de uma elite de forasteiros local, a capital passou a sofrer um processo desordenado de crescimento, com ocupação irregular de imensas áreas públicas, com a criação de enormes bairros, na maioria sem qualquer planejamento ou previsão, levando a cidade a um inchaço populacional, sobrecarregando toda a infraestrutura existente e criando os mesmos problemas já presentes em outras cidades brasileiras.
Desde o início, essa coluna se posicionou contra as interferências políticas e ocasionais ao projeto original da capital, pois já previa que a cidade, desejada e cobiçada pelos políticos, distanciava-se milhões de léguas daquilo que pretendiam seus idealizadores originais e mesmo pela parcela dos candangos que para aqui se transferiram nos anos sessenta. A descaraterização da cidade é hoje um fato que vai sendo materializado aos poucos, bem debaixo de nossos olhos. Hoje, as centenas de barracos de lata, instaladas em todo o Plano Piloto, inclusive nas paradas de ônibus, ao longo das Avenidas W3 Sul e Norte, mostram que o processo de envelhecimento precoce da capital já foi iniciado. A ocupação, cada vez mais atrevida, dos carros sobre as áreas verdes, com a criação de estacionamentos irregulares, também vai se fazendo lentamente, prejudicando os espaços bucólicos que são de todos.
Não se iludam: essas pequenas e, aparentemente, inocentes, descaracterizações da cidade, marcam um prenúncio da decadência geral que virá a seguir e que, em pouco tempo, decretará a morte dessa senhora de pouco mais de 60 anos, por falência múltipla dos órgãos. Quando isso acontecer, nenhum dos personagens que colaboraram, direta ou indiretamente, para esse acontecimento virá se sentar no banco dos réus.
A frase que foi pronunciada: 
“Deus está nos detalhes.”
Ludwig Mies Van Der Rohe
Ludwig Mies van der Rohe. Foto: archeyes.com
História de Brasilia 
É que os deputados não se negam a assinar, e , enquanto isso os funcionários vão pedindo para ser requisitados. Uma boa medida seria o comissionamento sem vencimentos para receber na repartição que passa a servir. (Publicada em 27.04.1962)