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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada por Ari Cunha (In memoriam)
Desde 1960, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
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Que relações poderiam existir entre o agronegócio e a indústria de artigo de alto luxo? À primeira vista, tendo como imagem os antigos fazendeiros e produtores de alimentos e sua vida de simplicidade, avessa aos luxos e ao conforto das cidades grandes, não parece haver nenhuma ligação entre o materialismo consumista dos cidadãos urbanos e a vida bucólica e despretensiosa do homem do campo.
Até pouco tempo, essas eram realidades bem distintas, sendo fácil identificar e diferenciar o indivíduo do campo e o da cidade. Nas últimas décadas, contudo, essa realidade mudou muito, principalmente, à medida que o agronegócio firmava o pé pelo interior das terras brasileiras.
Hoje, os produtores das chamadas commodities — milho, soja, algodão e alguns outros produtos como carne bovina, suína e frango — vivem cercados de todo conforto e luxo que o dinheiro pode trazer. Ciente dessa nova realidade, a indústria de artigos de luxo também fincou pé em regiões interioranas que, até pouco tempo, só conheciam esses produtos por meio das imagens de TV.
Cidades do Centro-Oeste, como Goiânia, Rio Verde, passaram a experimentar, agora, uma grande e variada oferta de artigos e serviços de luxo, exclusivos para esses novos clientes de alto padrão econômico, que vão surgindo na esteira do agronegócio. São aviões, carros esportivos de última geração, imóveis de altíssimo padrão, joias, restaurantes, hotéis estrelados e outros mimos a que somente os muito endinheirados têm acesso.
Obviamente que toda essa bonança assistida em algumas regiões interioranas está circunscrita a um pequeno número de indivíduos, proprietários de enormes latifúndios, onde as monoculturas de soja, milho e algodão são cultivadas de forma mecanizada, à base do uso intensivo de muito defensivo agrícola e de agrotóxicos, muitos dos quais já banidos em outros países há anos. O que se produz nessas terras não pode ser classificado diretamente como alimento humano e, principalmente, para o consumo dos brasileiros, já que essas commodities se destinam à exportação para países como a China.
O aumento da riqueza nesses lugares trouxe consigo outros aumentos, como os do fosso entre ricos e pobres, da concentração de riqueza, do desemprego para trabalhadores pouco qualificados, dos preços nessas localidades, desde alimentos até moradias. Com isso, há registros de mais pobreza e do surgimento de áreas periféricas carentes, como encontradas nas grandes cidades. Mas o custo maior e até incomensurável de todo esse boom de riqueza e luxo nessas áreas recai mesmo sobre o meio ambiente.
De forma resumida, o que se pode afirmar, sem erro, é que, para que o agronegócio pudesse se firmar nessas regiões, enriquecendo uma parcela diminuta da população, foi necessário, antes, a dizimação quase completa do variado e outrora riquíssimo bioma do cerrado. Matas nativas foram derrubadas a correntes e queimadas, terrenos foram aplainados, rios pequenos e médios, assoreados, deixando apenas o rastro de areia pelo chão. Os mamíferos, aves, répteis, abelhas responsáveis pela polinização e outros simplesmente desapareceram.
O que se vê na paisagem são imensas plantações, identificadas com códigos formados por números e letras, mostrando aos entendidos que tipo de variedade geneticamente modificada é aquela. Com isso começou a formação de microclimas nessas regiões que jamais foram sentidos. Calor infernal, secas prolongadas, nuvens de poeira e poluição cobrindo tudo, secamento de poços artesianos e a lenta formação de imensas áreas em processo de desertificação, com a predominância de areia e pó.
Nos últimos 30 anos, houve uma triplicação da área plantada no Brasil, sobretudo no Centro-Oeste, o que equivale a dizer que houve, também, uma triplicação das áreas desmatadas para a formação desse tipo de plantio e para a formação de pastos. Passamos de 19 milhões de hectares plantados para 55 milhões de hectares, com a extirpação de área de igual tamanho das áreas nativas.
Trata-se de um crime, cujos responsáveis ainda se dão ao desplante de pousar como benfeitores, como se não existissem nem o amanhã nem as novas gerações que dependerão do meio ambiente e seus recursos para, ao menos, sobreviver no planeta. Desses 55 milhões de hectares, 36 milhões são de soja para exportação e engorda de porcos na China. Somente a soja ocupa cerca de 4,5% do território nacional, o que equivale a áreas de países como a Itália e outros pelo mundo. Em segundo lugar vem a monocultura da cana-de-açúcar, maior do que em todo o período do ciclo do açúcar, entre os séculos XVI a XVIII, e hoje avança com a soja sobre boa parte da floresta amazônica, deixando atrás de si areia e deserto escaldante.
Quem mais sofreu com toda essa expansão desordenada e apressada foi justamente o Centro-Oeste, onde esses novos fazendeiros encontravam até incentivos governamentais para desmatar. Ainda hoje o desmatamento é feito para a acomodação e expansão do agronegócio nessa região. A forte demanda, amparada por um poderoso lobby dos produtores e dos compradores internacionais, tem surtido efeito muito maior do que as reclamações dos ambientalistas, vistos ainda hoje como empecilhos ao avanço do agronegócio.
O que temos aqui é uma realidade que alguns tentam esconder sob o manto de números superlativos apresentados pela balança comercial. Por outro lado, o que se tem de fato é a destruição continuada da própria terra em troca de anéis de brilhante, carros importados e outros luxos consumidos por uma minoria que enriquece à medida que vai empobrecendo nosso meio ambiente, destruindo nossos preciosos recursos naturais em troca do vil metal.
História de Brasília
O turismo não pode organizar, porque o govêrno do dr. Jânio Quadros cortou tôdas as possibilidades. Foi construído o hotel, montado o hotel, está tudo comprado, abandonado, esperando o roubo, a destruição pelo tempo, a ferrugem. (Publicada em 13/02/1962)