Tag: #Brasília
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
jornalistacircecunha@gmail.com
instagram.com/vistolidoeouvido

O ano de 2025 encerra-se no Brasil não como um período de consolidação, mas como um ponto de inflexão. Longe do discurso oficial de estabilidade e reconstrução, os fatos revelam um país institucionalmente tensionado, economicamente pressionado e socialmente anestesiado por políticas de curto prazo. O Brasil que entra em 2026 não é o retrato otimista apresentado em palanques e peças publicitárias, mas uma nação que convive com crescimento baixo, endividamento crescente, desconfiança institucional e um Estado cada vez mais caro e menos eficiente. Embora indicadores pontuais tenham sido usados para sustentar a narrativa de recuperação econômica em 2025, a análise fria dos dados mostra um quadro bem mais modesto.
O crescimento do PIB permaneceu anêmico, sustentado, majoritariamente, por consumo financiado, gastos públicos e programas de transferência de renda, não por aumento consistente de produtividade, investimento privado ou inovação. A taxa básica de juros manteve-se em patamar elevado durante praticamente todo o ano, reflexo direto da desconfiança do mercado em relação à política fiscal. O discurso de responsabilidade não se traduziu em prática: despesas obrigatórias continuaram a crescer, novas renúncias e subsídios foram criados e o arcabouço fiscal mostrou-se incapaz de impor disciplina real ao gasto público. O resultado foi previsível: dívida pública em trajetória ascendente; Inflação resistente, especialmente em serviços; crédito mais caro e restrito para famílias e empresas; investimento privado contido, sobretudo fora dos setores favorecidos pelo Estado. Para o cidadão comum, o impacto foi direto: custo de vida alto, endividamento recorde das famílias e perda gradual de poder de compra, mascarada por auxílios que não corrigem distorções estruturais.
A entrada em vigor da reforma fiscal em 2026 é apresentada como solução histórica para o caos tributário brasileiro. No entanto, o texto aprovado e sua regulamentação indicam que a simplificação não virá acompanhada de redução do peso do Estado, pelo contrário. A reforma reorganiza tributos, mas não enfrenta o problema central: o nível excessivo de gastos públicos. Ao contrário, o desenho do novo sistema cria condições para elevação silenciosa da carga tributária, sobretudo sobre consumo e serviços, exatamente onde estão as classes média e trabalhadora. Empresas menores, prestadores de serviços e profissionais liberais tendem a ser os mais afetados, enquanto setores com maior capacidade de lobby preservam benefícios.
A promessa de neutralidade arrecadatória carece de credibilidade diante da realidade fiscal do país. Em 2026, o cidadão sentirá os efeitos de forma concreta dos preços ajustados ao novo modelo, dos repasses de custos ao consumidor final, do aumento da complexidade na fase de transição e da maior dependência de arrecadação para sustentar o gasto público crescente. Um dos dados mais reveladores de 2025 é o número de brasileiros dependentes, direta ou indiretamente, de programas assistenciais. Longe de ser apenas uma política de proteção social, o modelo atual consolidou um sistema de dependência permanente, sem contrapartidas efetivas de qualificação, produtividade ou emancipação econômica. O Estado ampliou sua presença como provedor, mas não como indutor de autonomia. O resultado é um país com baixa mobilidade social, mercado de trabalho informal persistente, estímulos distorcidos à produtividade e o uso político da assistência social.
Em 2026, esse modelo torna-se ainda mais delicado, pois coincide com ano eleitoral, aumentando o risco de expansão de gastos sem lastro fiscal e com objetivos claramente eleitorais. A CPMI do INSS, que poderia representar um divisor de águas no combate a fraudes bilionárias contra aposentados e pensionistas, caminha para um desfecho frustrante. Após meses de trabalhos, o que se viu foi a diluição de responsabilidades, a postergação de decisões e a tentativa clara de encerrar o tema sem enfrentar os verdadeiros beneficiários do esquema. Fraudes sistemáticas, descontos indevidos, conivência de instituições financeiras e falhas graves de fiscalização vieram à tona, mas sem consequências proporcionais à gravidade dos fatos. A tendência para 2026 é que o relatório final resulte em recomendações genéricas, sem responsabilização criminal efetiva ou reformas estruturais profundas.
Para milhões de brasileiros, a mensagem é clara: o Estado falhou em proteger quem mais depende dele e não demonstrou disposição real de corrigir o sistema. O colapso do Banco Master foi mais do que um escândalo financeiro: foi um alerta sobre a fragilidade da supervisão bancária e a politização das instituições de controle. Operações temerárias, emissão de títulos sem lastro e falhas graves de fiscalização expuseram um sistema que reage tardiamente e protege-se corporativamente. A liquidação extrajudicial, os atrasos no ressarcimento de credores e o empurra-empurra entre Banco Central, Judiciário e órgãos de controle corroeram a confiança no sistema financeiro e regulatório. Em 2026, os efeitos persistem do passado recente com a judicialização prolongada, a insegurança para investidores, os questionamentos sobre a independência real dos reguladores e o desgaste institucional profundo. O episódio reforça a percepção de que, no Brasil, a punição é exceção, não regra, especialmente quando interesses políticos e financeiros se entrelaçam.
Politicamente, 2025 aprofundou a polarização e enfraqueceu a confiança nas instituições. O discurso de “nós contra eles” não apenas permaneceu, como foi incorporado à lógica de governabilidade. O Congresso opera sob chantagem orçamentária, o Judiciário assume protagonismo excessivo, e o Executivo governa por narrativas. A consequência é um ambiente de instabilidade crônica, no qual decisões estratégicas são adiadas, reformas estruturais evitadas e o debate público empobrecido. Em 2026, ano eleitoral, esse cenário tende a se agravar. A disputa não será por projetos de país, mas por controle de narrativas, máquinas estatais e alianças circunstanciais. O cidadão, mais uma vez, assiste como espectador de um jogo que não resolve seus problemas concretos.
O Brasil que entra em 2026 não colhe os frutos de um ciclo virtuoso, mas paga o preço de escolhas políticas baseadas em curto prazo, expansão do Estado e negligência fiscal. A reforma tributária não resolve o gasto excessivo. O assistencialismo não gera autonomia. As investigações não produzem justiça. E as instituições mostram sinais claros de desgaste. O desafio do cidadão brasileiro em 2026 será sobreviver economicamente, manter senso crítico e exigir responsabilidade, num ambiente onde promessas abundam, mas resultados concretos escasseiam. Mais do que esperança, o momento exige lucidez. Mais do que discursos, exige fatos. E mais do que alinhamentos ideológicos, exige verdade.
A frase que foi pronunciada:
“As leis são teias de aranha por onde passam as moscas grandes e as pequenas ficam presas.”
Honoré de Balzac

História de Brasília
Minha vizinha ai do lado passou quase uma hora presa num elevador, na manhã de ontem. Durante todo êste tempo estiveram telefonando para o plantão da Atlas, e ninguém atendia. (Publicada em 13.05.1962)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
jornalistacircecunha@gmail.com
instagram.com/vistolidoeouvido

O ano de 2026 será, mais uma vez, um marco na vida política brasileira. Eleições gerais mobilizam milhões de eleitores, envolvem uma complexa máquina institucional e consomem cifras astronômicas dos cofres públicos. Trata-se, sem exagero, de um dos eventos mais caros e logisticamente sofisticados da República. Diante desse cenário, uma pergunta simples e incômoda se impõe: por que o Brasil, ao consultar sua população em um momento de tamanha mobilização cívica, insiste em limitar essa consulta apenas à escolha de nomes, deixando de fora questões centrais que afetam diretamente a vida do cidadão?
A Constituição de 1988 consagrou o princípio da soberania popular não apenas pelo voto, mas também por meio de instrumentos de democracia direta, como o plebiscito e o referendo. No entanto, passadas quase quatro décadas, esses mecanismos permanecem subutilizados, tratados como exceção, quando deveriam ser regra em temas de alta relevância nacional. O resultado é um distanciamento crescente entre representantes e representados, alimentando a percepção de que decisões fundamentais são tomadas em gabinetes, longe do crivo popular. O custo elevado das eleições, frequentemente citado como justificativa para não ampliar consultas, na verdade reforça o argumento contrário. Se o país já arca com uma estrutura monumental para ouvir o eleitor, por que não aproveitar essa oportunidade para submetê-lo a decisões que moldam seu cotidiano?
Questões como a política de drogas, o combate à corrupção endêmica, a condução da segurança pública e a excessiva carga tributária não são temas periféricos ou técnicos demais para o cidadão comum. Pelo contrário: são assuntos que atravessam a vida real, o orçamento familiar, a segurança nas ruas e a própria confiança nas instituições. A política de drogas é um exemplo emblemático. O Brasil convive há décadas com um modelo repressivo que não conseguiu reduzir o consumo, tampouco enfraquecer o crime organizado. Ainda assim, o debate permanece sequestrado por discursos ideológicos e decisões judiciais que, muitas vezes, substituem o Legislativo e ignoram a vontade explícita da maioria. Um plebiscito nacional permitiria que a sociedade se manifestasse de forma clara sobre caminhos possíveis, seja a manutenção do modelo atual, seja a adoção de políticas alternativas. Ignorar essa possibilidade é perpetuar um debate inconcluso e socialmente custoso.
O mesmo raciocínio se aplica à corrupção. Embora o combate à corrupção seja frequentemente utilizado como slogan eleitoral, a prática revela um histórico de investigações inconclusas, prescrições convenientes e punições seletivas. A sensação de impunidade mina a credibilidade do Estado e corrói o pacto social. Por que não submeter, à população, propostas objetivas sobre endurecimento de penas, mudanças processuais ou limites a privilégios legais? Um referendo bem formulado poderia conferir legitimidade popular a reformas que hoje enfrentam resistência, justamente entre aqueles que seriam afetados por elas.
A segurança pública, talvez o tema que mais aflige o cidadão comum, segue refém de disputas políticas e de uma fragmentação federativa que dificulta soluções eficazes. Estados e municípios alegam falta de recursos, enquanto a União se esquiva de responsabilidades mais diretas. Um plebiscito poderia esclarecer se a população deseja maior centralização das políticas de segurança, mudanças no sistema penal ou novas diretrizes para atuação das forças policiais. Decidir isso sem ouvir quem vive sob a ameaça cotidiana da violência é um exercício de arrogância institucional.
Já a carga tributária, reconhecidamente elevada e complexa, é outro campo em que o cidadão raramente é ouvido. Reformas tributárias avançam a passos lentos, sempre mediadas por interesses corporativos e setoriais. O contribuinte, que sustenta o Estado, permanece como figurante em decisões que impactam diretamente seu poder de compra e a competitividade da economia. Consultá-lo sobre princípios básicos como simplificação, limites de tributação ou prioridades de gasto seria não apenas democrático, mas também pedagógico, fortalecendo a consciência fiscal da sociedade.
Os críticos da democracia direta costumam argumentar que o eleitor não teria informação suficiente para decidir temas complexos. Trata-se de uma visão elitista e contraditória: o mesmo eleitor considerado apto a escolher presidente, governadores e parlamentares seria incapaz de opinar sobre questões que afetam sua própria vida? Além disso, plebiscitos e referendos não eliminam o papel do parlamento; ao contrário, oferecem diretrizes claras para a atuação legislativa, reduzindo o abismo entre vontade popular e ação política. Há ainda o argumento do risco de manipulação emocional ou populista. Esse risco, contudo, não é exclusivo da democracia direta; ele já existe, e em grau elevado, nas eleições tradicionais. A diferença é que, em consultas temáticas, a sociedade é chamada a refletir sobre ideias e propostas concretas, e não apenas sobre personalidades ou promessas vagas. Com campanhas informativas equilibradas e fiscalização adequada, o debate tende a amadurecer o eleitorado, e não o contrário.
O Brasil vive uma crise de representatividade profunda. A abstenção cresce, o voto de protesto se banaliza e a confiança nas instituições segue em queda. Ignorar instrumentos que poderiam revitalizar a participação popular é um erro estratégico e democrático. Aproveitar as eleições gerais de 2026 para realizar plebiscitos e referendos sobre temas de primeira ordem seria um gesto de respeito ao cidadão e um passo concreto na direção de uma democracia mais madura. Democracia não se resume a escolher governantes a cada quatro anos. Ela exige participação contínua, transparência e corresponsabilidade. Ouvir o povo apenas para legitimar o poder, mas não para decidir os rumos do país, é reduzir a soberania popular a um ritual vazio. Em um momento histórico marcado por desconfiança e polarização, ampliar a voz do cidadão não é um risco: é uma necessidade.
A frase que foi pronunciada:
“O governo existe para nos proteger uns dos outros. Onde o governo ultrapassou seus limites foi ao decidir nos proteger de nós mesmos.”
Ronald Reagan

História de Brasília
O IAPC iniciou o serviço de dedetização dos seus blocos nas superquadras 106, 306 e Asa Norte. Já que está com esta disposição, poderia também mandar limpar escadas e corredores, e varre-los periodicamente, já que não se pode exigir que isto seja feito todos os dias. (Publicada em 13.05.1962)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
jornalistacircecunha@gmail.com
instagram.com/vistolidoeouvido

A discussão sobre a redução da jornada de trabalho, com o fim da escala 6×1 sem diminuição de salários, somada à proposta de tarifa zero nos transportes públicos, surge no debate nacional como bandeira política sedutora, especialmente em um contexto eleitoral. Segundo o atual governo e sua base de apoio, tais medidas atenderiam a uma “demanda popular” reprimida e representariam um avanço civilizatório. No entanto, quando essas propostas são analisadas à luz da realidade fiscal, demográfica e produtiva do Brasil, o que se revela é um quadro de alto risco econômico e social, com potencial para comprometer o futuro do país.
O ponto de partida dessa análise precisa ser objetivo: o Brasil não é um país rico sem trabalho. Apesar de seu tamanho continental, de seus recursos naturais abundantes e de sua população numerosa, a produtividade média do trabalhador brasileiro permanece baixa quando comparada a economias desenvolvidas e até mesmo a vários países emergentes. A renda per capita brasileira oscila em torno de US$ 10 mil anuais, enquanto países que adotam jornadas menores e ampla rede de bem-estar social apresentam rendas per capita duas, três ou quatro vezes maiores.
Esse dado isolado já deveria impor cautela a qualquer tentativa de importar modelos estrangeiros sem considerar as condições locais. Hoje, mais de 94 milhões de brasileiros, cerca de 44% da população, dependem diretamente de programas assistencialistas. O custo anual dessas políticas supera R$ 500 bilhões. Esse valor não surge do nada: ele é financiado por impostos, dívida pública e, em última instância, inflação.
Em termos matemáticos simples, trata-se de uma transferência maciça de renda de uma parcela produtiva cada vez menor da sociedade para uma parcela crescente que vive, total ou parcialmente, do Estado. Se considerarmos que a população ocupada no Brasil gira em torno de 100 milhões de pessoas, temos uma relação aproximada de um trabalhador ativo para cada beneficiário direto de programas sociais. Quando se excluem crianças, idosos e trabalhadores informais de baixa renda que também recebem benefícios, essa relação se torna ainda mais desfavorável. Em outras palavras, um contingente cada vez menor de contribuintes é chamado a sustentar um contingente cada vez maior de dependentes do Estado.
A proposta de reduzir a jornada de trabalho sem redução salarial agrava esse desequilíbrio. Do ponto de vista matemático, salário é remuneração por unidade de produtividade. Se um trabalhador produz X em 44 horas semanais e passa a produzir o mesmo X em 36 ou 40 horas, o custo por hora trabalhada aumenta automaticamente. Para empresas com margens apertadas, que são a maioria no Brasil, isso significa uma de três alternativas: reduzir contratações, aumentar preços ou fechar as portas. Nenhuma delas beneficia a sociedade no médio e longo prazo. Suponha-se, por exemplo, uma empresa com 100 funcionários que trabalham 44 horas semanais. A redução da jornada para 36 horas, sem redução salarial, representa uma perda de cerca de 18% da força de trabalho em termos de horas. Para manter o mesmo nível de produção, a empresa precisaria contratar, aproximadamente, 18 novos funcionários. Isso implica aumento de custos trabalhistas, encargos sociais, benefícios e riscos jurídicos.
Quando o Estado gasta mais do que arrecada, ele só tem três opções: aumentar impostos, emitir dívida ou inflacionar a moeda. O aumento de impostos penaliza diretamente quem trabalha e produz, desestimulando investimentos e incentivando a informalidade. A emissão de dívida empurra o problema para o futuro, elevando o custo do serviço da dívida e comprometendo gerações futuras. A inflação, por sua vez, funciona como um imposto oculto que corrói, principalmente, a renda dos mais pobres, justamente aqueles que os programas sociais afirmam proteger. Matematicamente, o modelo assistencialista em expansão enfrenta um limite intransponível: a base de arrecadação não cresce no mesmo ritmo que as despesas.
A desigualdade só é combatida de forma sustentável quando há aumento de produtividade, educação de qualidade, segurança jurídica e ambiente favorável ao empreendedorismo. Transferências de renda podem aliviar situações emergenciais, mas, quando se tornam estruturais e permanentes, sem contrapartidas claras, transformam- -se em armadilhas sociais e fiscais. O argumento de que países europeus adotam jornadas menores e forte proteção social ignora um detalhe crucial: esses países enriqueceram antes de distribuir. Construíram Estados de bem-estar após décadas ou séculos de acumulação de capital, industrialização e ganhos expressivos de produtividade.
Tentar inverter essa ordem é como querer repartir um bolo que ainda não foi assado. O Brasil, ao contrário, parece insistir em um modelo que penaliza sistematicamente quem produz e recompensa a dependência do Estado. A matemática não perdoa. Nenhuma sociedade prospera de forma duradoura quando mais da metade de sua população depende direta ou indiretamente do trabalho da outra metade, especialmente quando essa metade produtiva é sobrecarregada por impostos, burocracia e insegurança jurídica.
Se mantido o atual rumo de expansão de programas assistencialistas, redução artificial da jornada de trabalho e aumento de gastos públicos sem lastro produtivo, o futuro previsível é de baixo crescimento, desemprego estrutural, inflação recorrente e crises fiscais cada vez mais frequentes. A história econômica está repleta de exemplos. O Brasil corre o risco de repetir esse roteiro se insistir em políticas que ignoram limites fiscais e produtivos em nome de ganhos políticos imediatos. A verdadeira política social responsável não é aquela que promete benesses infinitas, mas a que cria condições para que menos pessoas precisem delas. Isso exige coragem para dizer o óbvio: não existe almoço grátis, não existe prosperidade sem trabalho, e não existe justiça social duradoura sem uma economia saudável. Ignorar essa equação é empurrar o país, lentamente, para o despenhadeiro.
A frase que foi pronunciada:
“A escala 6×1 é a mais cruel existente na face da Terra, em especial para as mulheres. E creio que o Brasil e a economia brasileira estão totalmente maduros para fazer a revisão da jornada máxima do país e, junto com isso, eliminar a escala 6×1”
Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego

História de Brasília
Os Institutos de Previdência não estão acompanhando a espiral da inflação. O financiamento de casas para trabalhadores ainda é da ordem de 800 mil cruzeiros, quando uma casa popular quase sempre custa mais de um milhão. (Publicado em 13/5/1962)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
jornalistacircecunha@gmail.com
instagram.com/vistolidoeouvido

Há algo profundamente dissonante, quase surreal, na ideia de que investigações sobre desvios bilionários de recursos públicos possam entrar em recesso, como se o calendário institucional tivesse o poder mágico de suspender o curso dos crimes. A CPMI que investiga os descontos indevidos nos benefícios de milhões de aposentados do INSS, assim como as apurações envolvendo o chamado caso Banco Master, não lidam com meras irregularidades administrativas: tratam de um ataque direto à dignidade humana, à confiança pública e ao próprio pacto civilizatório que sustenta o Estado brasileiro.
Encerrar ou “hibernar” essas investigações sob o argumento do recesso do aparelho do Estado equivale, na prática, a conceder um salvo-conduto temporário aos acusados. O crime não tira férias. A corrupção tampouco. Pelo contrário: períodos de menor vigilância institucional sempre foram historicamente férteis para o avanço de esquemas ilícitos, a destruição de provas, a combinação de versões e o apagamento seletivo da memória pública. A mensagem transmitida à sociedade é devastadora: o Estado descansa, enquanto o dinheiro público continua a escorrer pelos bueiros da corrupção.
Não se trata aqui de ingenuidade. Em democracias maduras, com instituições sólidas e cultura de responsabilização, o recesso é apenas uma pausa administrativa. No Brasil, porém, ele frequentemente se transforma em instrumento tático de procrastinação, uma espécie de anestesia institucional aplicada nos momentos mais sensíveis das apurações. O caso dos descontos indevidos em aposentadorias não é apenas um escândalo financeiro. É um escândalo moral que desperta, no contribuinte, dúvidas cada vez mais perigosas. Afeta uma população vulnerável, composta, majoritariamente, por idosos que dependem integralmente desses recursos para sobreviver.
Quando o Estado falha em protegê-los, ou pior, quando agentes ligados a estruturas estatais participam ou se omitem diante do saque, o dano ultrapassa o campo econômico e atinge o núcleo ético da República. Suspender investigações dessa magnitude significa empurrar 2025 para um limbo institucional, marcado pela inconclusão, pela sensação de impunidade anunciada e pelo enfraquecimento da confiança social.
A metáfora do Executivo pendurado no teto, sustentado apenas pelos fios do pincel, flutuando cego no ar, não é por acaso: ela descreve, com precisão, o estado atual da governança nacional. O Executivo, envolvido direta ou indiretamente na paisagem que agora se revela, vê-se paralisado entre a necessidade de governar e o peso crescente das suspeitas que o cercam.
O Legislativo, por sua vez, despenca ladeira abaixo ao abdicar de sua função fiscalizadora em nome do conforto do calendário. O Judiciário, mesmo não entrando formalmente em recesso pleno, frequentemente se move em compasso de espera, aguardando que o “tempo político” amadureça uma postura que, em casos de corrupção sistêmica, costuma beneficiar apenas os investigados.
Quando os três Poderes entram, simultaneamente, em estado de suspensão operacional, a democracia deixa de funcionar como deve ser. O Estado passa a desmoronar de dentro pra fora, corroído pela cumpinzada, desde o cerne. O acordo tácito de autopreservação fala mais alto do que o interesse da população. E isso é antinatural. O que deveria interessar ao Estado seria o interesse da população e não o seu contrário.
Corrupção não é um acidente de percurso. Ela é um fenômeno estrutural, adaptativo e oportunista. Aprende rapidamente onde estão as brechas e se intensifica exatamente quando a vigilância social diminui. Durante as quadrilhas de julho, a chegada dos Grinches aos blocos dos sujos sempre foi momento privilegiado para o avanço de práticas ilícitas.
O cidadão se sente ainda mais inseguro. Como já advertia Max Weber, a ética da responsabilidade deve prevalecer sobre a ética da conveniência, quando se trata da administração pública. O resultado é um país onde escândalos se acumulam sem desfecho, CPIs produzem volumes de papel sem consequências práticas e a indignação pública é lentamente corroída pelo cansaço. Mais danoso do que o escândalo em si é a sua não resolução.
Percebam que a inconclusão permanente gera um efeito corrosivo: normaliza o desvio, banaliza o crime e ensina às novas gerações que, no Brasil, o problema não é roubar, mas ser flagrado, e mesmo isso pode ser contornado com tempo, recursos jurídicos e silêncio institucional. Encerrar o ano de 2025 com investigações inconclusas sobre fraudes que atingem milhões de cidadãos equivale a decretar que a verdade pode esperar, que a justiça pode ser adiada e que a República aceita funcionar em estado de suspensão ética. Nenhuma nação séria constrói seu futuro empurrando seus fantasmas para debaixo do tapete do calendário.
A frase que foi pronunciada:
“Grandes chefs sempre têm que esperar por pedidos. Eles se adaptam a todas as circunstâncias.”
Mwanandeke Kindembo

História de Brasília
Se não fôsse lugar de político, um bom ministro da Agricultura seria o dr. Israel Pinheiro. Para realizar, mesmo, seria um dos poucos no país. (Publicada em 13.05.1962)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
jornalistacircecunha@gmail.com
instagram.com/vistolidoeouvido


Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
jornalistacircecunha@gmail.com
instagram.com/vistolidoeouvido

Desde a Antiguidade, o ser humano ergue os olhos ao céu em busca de sentido. Não apenas para medir o tempo, orientar colheitas ou navegar mares, mas para decifrar, nos movimentos silenciosos dos astros, algum reflexo do seu próprio destino. Parece que o que as estrelas mostram é um período de rupturas, revoluções e transformações profundas. Um tempo em que estruturas antigas ruiriam para dar lugar a algo novo, ainda indefinido.
Para além de se crer ou não nas estrelas, é inegável que, desde então, o mundo parece ter entrado numa fase de instabilidade contínua, quase febril. A economia global tornou-se mais concentrada e, paradoxalmente, mais frágil. Crises financeiras se sucedem em intervalos cada vez menores, como se o sistema estivesse permanentemente à beira de um colapso anunciado. Estados nacionais perdem soberania diante de organismos supranacionais, fundos de investimento e corporações que operam acima das fronteiras, das leis locais e, muitas vezes, da própria vontade popular.
Nesse cenário, emerge o discurso do globalismo, apresentado como solução técnica e inevitável para problemas planetários, mas percebido por amplas parcelas da população como um projeto político que dilui identidades, relativiza tradições e redefine valores sem consulta democrática efetiva.
É nesse caldo que florescem as chamadas agendas globais, entre elas a Agenda 2030, envolta em linguagem tecnocrática, metas abstratas e conceitos amplos o suficiente para acomodar múltiplas interpretações. Para seus defensores, trata-se de um esforço racional de coordenação internacional; para seus críticos, um conjunto de diretrizes que, sob o pretexto de sustentabilidade e inclusão, impõe modelos culturais, econômicos e sociais alheios às realidades locais.
A tensão entre esses dois olhares é um dos motores da polarização que hoje atravessa quase todas as sociedades ocidentais. Nas ruas, essa fratura se manifesta de forma ruidosa. Movimentos identitários e novas formas de ativismo moral ocupam espaços públicos, universidades, empresas e meios de comunicação, reivindicando não apenas direitos, mas a reinterpretação integral da história, da linguagem e até da biologia.
Em reação, surgem grupos igualmente radicalizados, que veem nessas pautas uma ameaça direta à civilização ocidental, à liberdade de expressão e à continuidade cultural. O diálogo cede lugar ao confronto simbólico; o dissenso, à rotulação moral. A política deixa de ser o campo da negociação possível e passa a operar na lógica do “nós contra eles”.
A Europa talvez seja o palco mais visível dessa encruzilhada histórica. Berço de Estados-nação, tradições seculares e identidades bem definidas, o continente enfrenta hoje dilemas que tocam o seu próprio núcleo civilizacional. O multiculturalismo, vendido por décadas como ideal de convivência harmoniosa, revela fissuras profundas quando culturas com valores incompatíveis passam a coexistir sem mecanismos claros de integração. O resultado, em muitos casos, não é a síntese cultural, mas a fragmentação social, a formação de guetos e o aumento de tensões étnicas, religiosas e políticas.
Não surpreende, portanto, que alguns analistas falem, ainda que metaforicamente, em uma “nova cruzada”. Não uma guerra de exércitos formais, mas um conflito difuso, cultural e simbólico, entre visões de mundo inconciliáveis. De um lado, um Ocidente que parece envergonhado de si mesmo, disposto a desconstruir seus próprios fundamentos; de outro, forças externas e internas que não compartilham dessa autocrítica e avançam com convicções sólidas, muitas vezes inegociáveis.
No campo de batalha não são apenas territórios, mas escolas, tribunais, mídias e consciências. É nesse ponto que a antiga máxima hermética ressurge com força provocadora: “assim como é embaixo, é em cima”. A frase sugere uma correspondência entre o macrocosmo e o microcosmo, entre o céu e a terra, entre as ordens superiores e a realidade concreta. Lida literalmente, remete à ideia de que os movimentos dos astros influenciam os destinos humanos. Lida simbolicamente, talvez diga algo ainda mais inquietante: o caos que percebemos nas instituições, na política e nas relações sociais pode ser o reflexo ampliado do caos interior de uma civilização que perdeu seus referenciais.
Vivemos uma era de informação abundante e sabedoria escassa. Nunca se produziu tanto conhecimento técnico, nunca se falou tanto em progresso, direitos e inovação. Ainda assim, nunca foi tão difícil responder a perguntas básicas: o que é o bem comum? O que é a verdade? O que significa ser humano? A dissolução dessas respostas cria um vazio que é rapidamente preenchido por ideologias totalizantes, promessas de salvação secular e narrativas que dividem o mundo entre iluminados e retrógrados, vítimas e opressores.
Parece que o que mostram as estrelas passa da desconstrução acelerada sem a construção de algo sólido em seu lugar. É a história que nos ensina que períodos assim são férteis tanto para avanços extraordinários quanto para colapsos civilizacionais. Nada está determinado, seja pelos astros ou pelas agendas humanas. O futuro continuará a ser escrito, não no céu, mas nas escolhas concretas feitas aqui embaixo.
Antes de buscar, no firmamento, a causa de nossos dilemas, talvez seja necessário encarar o espelho da própria civilização e perguntar se ainda sabemos quem somos, o que defendemos e até onde estamos dispostos a ir para preservar aquilo que chamamos de humano.
A frase que foi pronunciada:
“Os movimentos populares anunciaram uma nova era na política de Taiwan.”
Ko Wen-je

História de Brasília
O IAPC iniciou o serviço de dedetização dos seus blocos nas superquadras 106, 306 e Asa Norte. (Publicada em 13.05.1962)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
jornalistacircecunha@gmail.com
instagram.com/vistolidoeouvido

O Brasil atravessa um dos períodos mais delicados de sua história republicana recente. A extrema polarização política, intensificada nos últimos anos e frequentemente resumida no bordão “nós contra eles”, não é apenas um recurso retórico: tornou-se método, estratégia eleitoral e, sobretudo, lente pela qual parte expressiva da sociedade passou a interpretar a realidade. As consequências desse processo não se limitam ao debate público empobrecido; alcançam as instituições, a economia, a coesão social e a própria confiança do cidadão no regime democrático. Às vésperas de um novo ciclo eleitoral, com 2026 no horizonte, impõe-se uma reflexão serena, ainda que firme, sobre o que temos agora e sobre o que pode ocorrer se persistirmos no mesmo caminho. Binário, o discurso que divide o país entre “os do bem” e “os do mal”, “democratas” e “antidemocratas”, “progressistas” e “reacionários”, serve a um propósito claro: mobilizar bases, silenciar dissensos internos e enquadrar adversários como inimigos morais. Em curto prazo, esse expediente rende engajamento e fidelidade; em médio e longo prazos, corrói o tecido social.
O resultado é um ambiente político permanentemente tensionado, no qual a divergência deixa de ser componente legítimo da democracia para ser tratada como ameaça. O próximo passo é o Congresso, que passa a funcionar sob desconfiança mútua; o Judiciário, sob pressão constante para arbitrar conflitos que deveriam ser resolvidos na arena política; a imprensa, sob suspeita permanente; e a sociedade civil, fragmentada em bolhas informacionais que raramente dialogam entre si. Essa lógica de fratura tem efeitos concretos. A previsibilidade institucional, essencial para investimentos, planejamento econômico e políticas públicas de longo prazo, deteriora-se. Reformas estruturais tornam-se reféns do calendário eleitoral e do cálculo ideológico. A agenda nacional cede espaço à agenda identitária e simbólica, na qual gestos e narrativas importam mais do que resultados mensuráveis. O Estado, por sua vez, amplia sua presença como árbitro moral, enquanto a confiança interpessoal e a cooperação social se retraem.
No plano social, a polarização transforma a política em identidade. Votar deixa de ser escolha racional entre projetos e passa a ser afirmação existencial. Amigos se afastam, famílias se dividem, ambientes de trabalho se contaminam. O debate público se torna punitivo: errar é imperdoável; mudar de opinião é traição; buscar consenso é sinal de fraqueza. Nesse contexto, prosperam a desinformação, o sensacionalismo e a radicalização. Há ainda um efeito menos visível, porém profundo: a naturalização do conflito como norma.
Quando o antagonismo permanente se torna rotina, a sociedade perde a capacidade de indignar-se com o excesso. Medidas excepcionais passam a ser vistas como necessárias; atalhos institucionais, como inevitáveis; a retórica de emergência, como justificativa para a compressão de liberdades. O custo democrático dessa anestesia é alto e cumulativo. As instituições brasileiras demonstraram resiliência, mas não são indestrutíveis. A repetição de crises reais ou fabricadas desgasta a legitimidade dos Poderes e alimenta a percepção de que a política é um jogo de soma zero. Nesse cenário, cresce o apelo por soluções “fora do sistema”, seja pela via do messianismo, seja pela judicialização excessiva da política. As eleições, que deveriam funcionar como válvula de renovação e pacificação, passam a ser tratadas como plebiscitos morais. O perdedor não é apenas derrotado; é deslegitimado. O vencedor não governa para todos; governa contra metade do país. Assim, cada ciclo eleitoral deixa menos espaço para a reconciliação nacional e mais combustível para a próxima disputa.
Três cenários, não excludentes, apresentam-se agora. No primeiro, a polarização se aprofunda. As campanhas intensificam o discurso de medo e demonização do adversário. A disputa se concentra menos em propostas e mais em acusações. O resultado, qualquer que seja, tende a ser contestado por parcelas significativas da sociedade, prolongando a instabilidade. Nesse cenário, o país entra em 2027 com capital político reduzido, crescimento econômico tímido e confiança institucional ainda mais abalada. No segundo cenário, surge uma tentativa de moderação, seja por fadiga do eleitorado, seja por cálculo estratégico. Candidaturas buscam ocupar o centro, prometendo diálogo e pragmatismo. O risco aqui é duplo: de um lado, a rejeição das bases mais radicalizadas; de outro, a dificuldade de governar num ambiente ainda contaminado. A moderação, para prosperar, precisará ser mais do que discurso; exigirá pactos mínimos e compromisso real com a institucionalidade. No terceiro cenário— o mais desejável, porém o mais difícil, a sociedade impõe limites à retórica do “nós contra eles”. O eleitorado passa a premiar propostas consistentes, capacidade de gestão e respeito às regras do jogo. As instituições reafirmam suas competências com autocontenção. Não se trata de eliminar o conflito inerente à democracia, mas de civilizá-lo.
O que está em disputa em 2026 vai além de nomes e partidos. Está em jogo a qualidade da democracia brasileira. Entre o “nós contra eles” e a reconstrução do espaço comum, a escolha, ainda que imperfeita e difícil, será feita nas urnas e, antes delas, no debate público que soubermos construir. A história cobrará o preço das decisões tomadas no calor da polarização. Mas também reconhecerá, se houver, a coragem de escolher a democracia como método, e não como arma.
A frase que foi pronunciada:
“O espírito que prevalece entre os homens de todas as classes, idades e sexos é o Espírito da Liberdade.”
Abigail Adams, 1775

História de Brasília
Os Institutos de Previdência não estão acompanhando a espiral da inflação. O financiamento de casas para trabalhadores ainda é da ordem de 800 mil cruzeiros, quando uma casa popular quase sempre custa mais de um milhão. (Publicada em 13.05.1962)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
jornalistacircecunha@gmail.com
instagram.com/vistolidoeouvido

Provoca debate a seguinte pergunta, que ignora convenções: se uma gravidez humana exige nove meses de gestação durante os quais a mulher carrega, arrisca a saúde e sofre as consequências físicas, sociais e econômicas, por que a maior parte da responsabilidade prática e do investimento em contracepção continua a recair sobre as mulheres? A aritmética simples que circula nas conversas ajuda a iluminar o problema: nove meses têm, em média, 270 dias; se um homem tivesse relações com várias parceiras diariamente ao longo desse período (hipótese extrema), o produto dessa multiplicação mental pode chegar a milhares de concepções potenciais — o número 2.430 que alguns citam resulta de 270 dias considerando nove parceiras diárias.
Essa conta serve como provocação: biologicamente, a realidade é mais complexa — probabilidades de concepção diárias, uso de métodos contraceptivos, infertilidade, intercurso etc. —, mas o ponto político e científico permanece. A capacidade reprodutiva masculina é multiplicativa e subexplorada no campo do controle de natalidade. O debate não é abstrato. Hoje, a população humana global está na casa dos bilhões, e as projeções demográficas continuam a indicar grandes transformações nas próximas décadas. As estimativas da Divisão de População das Nações Unidas (WPP) mostram que a transição demográfica, com crescimento importante em algumas regiões e declínio em outras, deve levar a uma população mundial na ordem dos 9 aos 10 bilhões ao longo do século, com concentrações crescentes em África e Sul da Ásia.
Essas trajetórias importam, pois condicionam consumo, uso de terra, água e energia. Se a preocupação maior é a pressão humana sobre os sistemas naturais, não basta falar em “menos gente”; é preciso combinar políticas de população com redução do consumo excessivo e reorientação tecnológica. Indicadores como o Dia da Sobrecarga da Terra (Earth Overshoot Day) mostram, no calendário, que a humanidade já consumiu todos os recursos renováveis que a Terra gera neste ano. Vivemos em déficit ecológico. Em anos recentes, esse dia tem caído cada vez mais cedo — sinal claro de que nossa demanda por recursos supera a capacidade de renovação e de absorção de resíduos do planeta.
Isso traduz, em termos concretos, destruição de habitats, erosão de solos, sobrepesca e superemissão de carbono. A ligação entre números humanos e perda de biodiversidade é bem documentada na literatura científica: estudos recentes apontam que a pressão populacional combinada à economia de consumo e políticas inadequadas é um dos motores fundamentais da crise de extinção e do colapso dos ecossistemas. Especialistas em conservação afirmam que, sem enfrentar a questão da escala humana (tamanho da população versus padrão de consumo), os esforços isolados de proteção não serão suficientes para inverter tendências profundas.
Diante desse diagnóstico, que política faz mais sentido? A resposta proposta nesta coluna é dupla, mas interligada: (1) levar a sério o desenvolvimento e a difusão de contracepção masculina como prioridade científica e de saúde pública; (2) travar a crença moralista de que responsabilidade reprodutiva é, e deve ser, quase exclusivamente feminina. A justificativa prática é simples. Métodos masculinos eficazes, seguros e culturalmente aceitos expandiriam rapidamente o leque de opções para casais e poderiam reduzir gestações não planejadas sem onerar exclusivamente o corpo das mulheres.
Hoje, são duas as frentes reais de avanço: métodos não hormonais em desenvolvimento — pílulas que bloqueiam a produção de espermatozoides por vias específicas — e métodos hormonais e dispositivos gel, implantes, injeções e mesmo implantes hidrogéis que bloqueiam o trânsito de espermatozoides. Ensaios clínicos recentes e revisões mostram ganhos substanciais em taxa de supressão de espermatozoides e aceitabilidade; a pesquisa médica tem acelerado após décadas de subfinanciamento. Há, claro, resistências culturais, políticas e científicas. Em alguns países, a prevalência de vasectomia caiu nas últimas décadas; em outros, há renovado interesse por soluções masculinas.
Parte do problema histórico foi o financiamento desproporcional para métodos femininos, o estímulo a abortos, o medo de efeitos colaterais em homens e uma mistura de normas de gênero que delegam a “gestão da gravidez” às mulheres. Mas os ensaios e as inovações recentes mostram que essas barreiras podem ser transpostas: a ciência já demonstrou que é tecnicamente viável reduzir temporariamente a fertilidade masculina de maneira reversível e segura.
Argumentar que “é o homem que deveria ser o foco” não implica deslocar recursos das mulheres, nem apagar direitos sexuais e reprodutivos femininos. Implica, antes, repensar prioridades: ampliar financiamento público e privado para contraceptivos masculinos; incluir homens nas campanhas de educação sexual; promover vasectomias seguras e acessíveis onde houver demanda; apoiar pesquisas internacionais para avaliar impactos socioculturais; e integrar essas medidas às políticas climáticas e de uso da terra.
A frase que foi pronunciada:
“Se fosse o homem que sentisse a dor do parto, todo casal só teria um filho.”
Dona Dita

História de Brasília
Se não fôsse lugar de político, um bom ministro da Agricultura seria o dr. Israel Pinheiro. Para realizar mesmo, seria um dos poucos no país. (Publicada em 15/5/1962)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
jornalistacircecunha@gmail.com
instagram.com/vistolidoeouvido

Vozes clamam solitárias no grande deserto Brasil em alerta para a urgência de passar o país a limpo, tarefa que, por mais incômoda que seja, tornou-se imperativa para que possamos, enfim, abandonar a humilhante posição de cachorro doido, girando sem descanso atrás do próprio rabo, iludido com reformas improvisadas, discursos moralizantes e soluções que jamais enfrentam o centro do problema: a corrupção endêmica que atravessa, como nervura profunda, os três Poderes da República, infiltrando-se em municípios, estados e instituições que deveriam zelar pela integridade da vida pública.
Ao longo das décadas, o que se viu e continua a se ver no nosso país é a tentativa persistente de esconder o inevitável sob tapetes cada vez mais pomposos, espalhados pelos palácios de luxo e prédios públicos, onde repousam decisões que moldam o destino de milhões de brasileiros. Mas o acúmulo de sujeira chegou a tal ponto que nem os mais habilidosos artífices do ocultamento conseguem evitar que as frestas deixem escapar o odor fétido da degradação institucional. Vivemos, talvez, o momento mais decisivo desde a redemocratização, não pela intensidade das crises políticas, que já se tornaram quase rotina nacional, mas porque parecem não faltar mais evidências de que o crime organizado, antes visto como adversário externo ao Estado, aprendeu a arrombar a porta, sentar-se à mesa principal e, em muitos casos, participar diretamente das decisões que deveriam ser tomadas em nome da República e não em nome de organizações criminosas, partidos, facções ideológicas ou grupos econômicos que tratam o país como se fosse sua eterna capitania hereditária.
O que antes era suspeita, agora é constatação aterradora: parte relevante das estruturas estatais encontra-se capturada por interesses que nada têm a ver com o interesse público, e essa captura se traduz em um Brasil que permanece, década após década, na rabeira do mundo desenvolvido, com indicadores sociais que envergonham uma nação que possui recursos naturais abundantes, população capaz e potencial econômico gigantesco. Não é coincidência que nosso Índice de Desenvolvimento Humano avance lentamente, patinando como se estivesse preso a pesos que nos impedem de dar o salto necessário rumo ao patamar de países que conseguiram, ao longo do século XXI, reduzir desigualdades, melhorar a renda média de seus habitantes e construir instituições sólidas. Esses pesos, sabemos, chamam-se corrupção estrutural, ineficiência crônica, desperdício de recursos públicos e a incapacidade quase programada de planejar o futuro com seriedade.
Quando o dinheiro destinado à educação desaparece em contratos superfaturados, quem perde é o estudante que não terá acesso à formação capaz de competi-lo globalmente. Quando verbas da saúde evaporam em esquemas que parecem filme repetido, quem paga a conta é o cidadão que enfrenta filas intermináveis, hospitais sucateados e tratamentos que chegam tarde demais. Quando investimentos públicos, em vez de gerar infraestrutura e emprego, são desviados em grandes obras que jamais chegam ao fim, condena-se a sociedade a um custo Brasil insustentável, que afasta empresas, reduz produtividade e aprisiona o país em um ciclo de pobreza e improvisação. Mas, talvez o dano mais profundo e menos mensurável seja o que se abate sobre o espírito coletivo: a corrosão da confiança. A percepção disseminada de que o sistema é montado para funcionar em favor dos poderosos, enquanto o cidadão comum é esmagado por burocracias, impostos e ausência de serviços dignos, destrói o que há de mais essencial para qualquer democracia sustentável: a crença de que a lei vale para todos.
É justamente nesse ambiente de desesperança que florescem as soluções fáceis, os messianismos de ocasião, os populismos que prometem atalhos mágicos para problemas que exigem rigor, transparência e reformas profundas. E é aqui que precisamos afirmar com contundência: não será por meio de assistencialismos políticos, programas improvisados ou medidas populistas que nos libertaremos desse flagelo. O assistencialismo transformado em instrumento eleitoral apenas mascara a miséria que ele mesmo ajuda a perpetuar, ao impedir que o país invista naquilo que realmente emancipa: educação de qualidade, mercado de trabalho dinâmico, ambiente de negócios estável, meritocracia administrativa e políticas públicas desenhadas com base em evidências e não em conveniências partidárias.
Uma faxina cívica é o que o Brasil necessita e que já deveria ter começado há muito tempo. Mas exige coragem institucional, independência dos órgãos de controle, transparência radical no uso dos recursos públicos, punição exemplar para quem se apropria do dinheiro do povo. É uma tarefa hercúlea, sem dúvida, mas não impossível. Países que estiveram mergulhados em crises de corrupção e degradação institucional como Coreia do Sul, Estônia ou Chile, em décadas passadas, só conseguiram emergir quando entenderam que desenvolvimento não é obra de discurso, mas fruto de escolhas éticas, técnicas e persistentes. Não há futuro próspero onde o Estado é cúmplice do atraso. Por isso, este é o momento para repetir, com a seriedade que a situação exige: ou iniciamos imediatamente essa faxina com começo, meio e fim, ou permaneceremos presos ao ciclo que nos condena à mediocridade, enquanto o mundo avança a passos largos em inovação, produtividade e qualidade de vida.
O tempo da conivência acabou. O Brasil não precisa de mais discursos. Precisa, urgentemente, de coragem.
A frase que foi pronunciada:
“As instituições – governo, igrejas, indústrias e similares – não têm, propriamente, outra função senão a de contribuir para a liberdade humana; e na medida em que falham, em geral, em desempenhar essa função, estão erradas e precisam ser reconstruídas.”
Charles Horton Cooley

História de Brasília
Forças políticas conseguiram destruir o ministro Armando Monteiro no Conselho de Ministros, mas a revanche será nas próximas eleições. (Publicada em 13.05.1962)
Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade
jornalistacircecunha@gmail.com
instagram.com/vistolidoeouvido

Enquanto as cadeias transbordam, o país falha em entregar aquilo que se espera de um Estado de direito: investigação eficaz, responsabilização igualitária e prevenção real da violência. O custo do sistema judiciário para o contribuinte dispara: o Poder Judiciário registrou gastos que chegaram a patamares recorde nos relatórios recentes, atingindo cifras na casa das centenas de bilhões de reais anuais, valor que não se converteu em sensação de justiça universal. Há, portanto, um paradoxo que clama por explicação: mais gasto, mais prisões, melhor justiça?
Parte essencial da explicação está na seletividade penal. Dados organizados por instituições de pesquisa mostraram que a grande massa da população carcerária não corresponde à parcela de crimes mais graves: uma parcela relativamente baixa dos presos está detida por homicídios; a maioria responde por crimes patrimoniais ou ligados às drogas. Paralelamente, estudos sobre esclarecimento de homicídios indicam que o país soluciona pouco mais de três em cada 10 assassinatos. Os índices tornam explícita uma escolha perversa de prioridades: prendemos muito por furtos e tráfico de pequenas escalas, mas investigamos mal os crimes contra a vida. Em outras palavras, prisão em massa convive com baixa elucidação de homicídios. O resultado prático é corrosivo: o sistema penal funciona como mecanismo seletivo que recai sobre os mais vulneráveis, enquanto redes de influência encontram vias de proteção.
Há ainda um problema institucional profundo: a incapacidade investigativa. Sem polícia científica robusta, sem integração de bases de dados e sem estruturas de investigação bem financiadas e tecnicamente capacitadas, o aparelho estatal congela nas portas da delegacia. A consequência é fácil de prever: crimes complexos, que exigem perícia, rastreamento financeiro e cooperação entre estados, ficam sem respostas, ao passo que operações espetaculares de repressão a pequenas redes ganham noticiário e produzem prisões massivas de menor impacto sobre a segurança pública. Investir mais no que não soluciona os grandes danos sociais é, em última análise, um desperdício dos recursos já elevados do sistema.
Também é preciso tratar das prisões enquanto espaços de violência e morte. Relatórios oficiais registram números alarmantes de mortes dentro do sistema penitenciário, muitas delas violentas e em contexto de superlotação. A vulnerabilidade à violência interna nas prisões é quatro vezes maior do que na população geral, segundo compilações recentes, e o suicídio entre presos também aparece de forma elevada.
São três as dimensões de recuperação do sistema — técnicas, políticas e culturais —, que não admitem atalhos punitivistas simplistas. Primeiro, é preciso dar prioridade às investigações e à eficácia policial. Isso significa dotar as polícias civis de infraestrutura pericial (laboratórios, exames de DNA, análise de telecomunicações), modernizar sistemas de informação e criar métricas públicas e padronizadas para medir o esclarecimento de crimes graves.
Segundo: a revisão da política penal. É indispensável deslocar do cárcere pessoas condenadas por crimes menores ou que poderiam responder em regime alternativo, multas, prestação de serviços, medidas restaurativas e, sobretudo, quando a prisão se tornou depósito e fator de aprofundamento da criminalidade. A redução da população carcerária passa, obrigatoriamente, por descriminalização calculada (onde for pertinente), alternativas penais e judicialização mais criteriosa, sem sacrificar o necessário combate aos crimes graves.
Terceiro: eficiência judicial e transparência. Gastos públicos crescentes no Judiciário devem ser acompanhados por metas de desempenho reais — redução de atrasos, prioridade a casos de maior dano social e transparência sobre decisões de concessão de medidas cautelares e progressões de pena. Transparência e padronização reduzem espaço para favoritismos e para a percepção, hoje dominante, de que há uma lei para poucos e outra para muitos.
Quarto: combate à impunidade seletiva e à corrupção. Isso exige audácia institucional, fortalecer corregedorias, promover responsabilização administrativa e criminal de agentes públicos que atuem fora da lei e aperfeiçoar mecanismos de investigação sobre elos de poder que protegem criminosos de alta complexidade. Sem equidade na aplicação da lei, qualquer política será percebida como política de caça aos pequenos e blindagem aos grandes.
Quinto: investir em educação, trabalho e políticas de inclusão nas periferias é tão parte da “aplicação da lei” quanto prender. Países que reduziram taxas de crime com consistência apostaram, simultaneamente, em prevenção social e em eficácia investigativa.
Por fim, há uma exigência moral e republicana: que o discurso punitivo não sirva de verniz para desigualdades estruturais. Justiça é, ou deveria ser, a conjugação de regras iguais para todos. Só assim, deixaremos de medir sucesso por quantas celas foram preenchidas e passaremos a medir por quantas vidas foram efetivamente protegidas e quantos crimes foram resolvidos com justiça.
A frase que foi pronunciada:
“As prisões brasileiras caracterizamse por insalubridade, superlotação, confinamento permanente, falta de investimentos governamentais, violência de todo tipo; entre esses, maus-tratos e torturas.”
Pastoral Carcerária (CNBB)
História de Brasília
Anuncia-se para terça-feira a vinda do sr. João Goulart. Todos os dias, o serviço de imprensa do Palácio do Planalto
dá uma nota e desmente outra. Informação ao público só deve ser dada quando verdadeira. (Publicada em 13/5/1962)

