O Distrito Federal não é uma ilha

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada por Ari Cunha (In memoriam)

Desde 1960, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Foto: brasil.gov.br

 

Com apenas 5.801,9Km², o Distrito Federal se apresenta como um pequeno quadrado instalado bem no coração da vasta região Centro-Oeste. Por isso, no nosso caso específico, vale o dito: geografia é destino e, também, fatalidade. O que vier a acontecer na região central do Brasil terá reflexos diretos em Brasília, ditando inclusive a sua viabilidade futura como capital. Dessa forma, fica mais do que evidente que os esforços no sentido de debelar, de modo satisfatório, a atual crise hídrica, tem, necessariamente, que ser estendidos a toda a região circundante, num esforço conjunto, persistente e de longo prazo. Sem isso, não há solução para o problema crescente de falta de água.
Ambientalistas brasileiros e internacionais, que bem entendem do problema, são unânimes em reconhecer que a região Centro-Oeste e, principalmente, todo o bioma cerrado estão na iminência de vir a se transformar, em pouco tempo, num grande e árido deserto por conta da ganância humana desmedida e inescrupulosa. Observando o que vem se passando, num raio de pouco mais de 500km em torno da capital, é possível, agora, ter uma ideia mais precisa dos seríssimos problemas que, há anos, vem ocorrendo e se acumulando em toda região, e que mesmo a despeito dos seguidos alertas feitos, não foram enfrentados de forma pronta e responsável pelas autoridades. Nos últimos anos, centenas de pequenos riachos e afluentes de rios caudalosos simplesmente deixaram de existir. O mesmo fenômeno vem acontecendo com nascentes e lagoas: a maioria está em avançado processo de desaparecimento.
O que ocorre na região Centro-Oeste se repete no restante do país. Dados divulgados pelo Observatório do Clima mostram que, no Brasil, as emissões de gases de efeito estufa aumentaram em 8,9% no ano passado e deverão seguir a mesma tendência este ano. É o nível mais alto desde 2008 e a maior elevação vista desde 2004. No ano passado o país emitiu 2,278 bilhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e), o que coloca o Brasil como a sétimo maior poluidor do planeta. Pior é que esse aumento de poluição se deu em meio à maior recessão econômica da história do país, o que equivale a dizer o Brasil aumentou os índices de poluição sem gerar riqueza alguma para os brasileiros.
O aumento de poluição se deu, exclusivamente, por conta do desmatamento, de mudanças de uso da terra e em consequência das seguidas queimadas. “Temos, hoje, a pior manchete climática do planeta: aumento de emissões em razão de desenfreada destruição florestal e totalmente dissociado da economia. Não vai adiantar o governo e os ruralistas dizerem lá fora que o agro é pop; não vão convencer a comunidade internacional e os mercados de que está tudo bem por aqui”, diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.
No caso da região Centro-Oeste, que nos interessa mais particularmente, estudos demonstram que, entre 2013 e 2015, 18.962km² de cerrado foram destruídos, o que equivale à perda de uma área equivalente à cidade de São Paulo a cada dois meses. Este ritmo de destruição torna o cerrado um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta. Todos os ambientalistas envolvidos com essa questão concordam que a expansão do agronegócio é a principal causa desse problema. “A exemplo de compromissos assumidos por empresas na Amazônia para eliminar o desmatamento de suas cadeias, é fundamental que um passo na mesma direção seja dado para o Cerrado, onde a situação do desmatamento é muito grave”, afirma Cristiane Mazzetti, especialista em desmatamento zero do Greenpeace Brasil.
Os cientistas lembram que o cerrado abriga as nascentes de oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras e responde por um terço da biodiversidade do Brasil, com 44% de endemismo de plantas. Por outro lado, a redução desse bioma alterará os regimes de chuvas, impactando não só o agronegócio, mas a existência da própria capital do país. Essa situação é ainda mais calamitosa no Norte de Minas Gerais, que pode, em menos de duas décadas, se transformar em deserto, inviabilizando economicamente mais de um terço de todo o estado.
O desmatamento, a monocultura e a pecuária intensiva, em conjunto com as condições climáticas adversas, já levaram a pobreza e a miséria a mais de 142 municípios mineiros, o que já afeta mais de 20% da população desse estado. É preciso que todos compreendam que o que garante de fato a produção agrícola e a pecuária no Brasil é o equilíbrio ambiental. Sem ele, não há formação de chuvas por evapotranspiração e, por conseguinte, não há água para plantas e animais, inviabilizando absolutamente tudo. A destruição do bioma Cerrado trará repercussões catastróficas para o país.
Segundo alguns cientistas que a décadas estudam o cerrado, nessa região, as raízes atuam como uma gigantesca gigantescas esponjas, absorvendo as águas das chuvas e levando-as a recarregar os aquíferos, favorecendo a maioria dos grandes rios da América do Sul. São as águas desses aquíferos, como Guarani, Urucuia e Bambuí, que alimentam desde as represas de São Paulo, como o próprio Rio São Francisco. Especialistas alertam, inclusive, que o incêndio que devasta agora o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, considerado o maior de todos os tempos, trará sérias consequências para o abastecimento dessas reservas subterrâneas.
O caminho das águas vai das raízes esponjosas para os lençóis freáticos e, desses, para os aquíferos, num ciclo sem fim. Neste caso, e mais uma vez, os cientistas estão de acordo com a sentença: a destruição do cerrado, significa a destruição dos rios num curto espaço de tempo, sendo que a reposição da vegetação original e diversa é tarefa das mais impossíveis. A destruição da vegetação levou ao desaparecimento de abelhas e vespas nativas, fundamentais para o processo delicado de polinização das plantas do cerrado, impedindo sua reprodução.
Esta situação alarmante teve início ainda nos anos setenta com a expansão das fronteiras da agropecuária sobre o cerrado. No caso da crise hídrica que afeta o Distrito Federal, a utilização das águas subterrâneas para a irrigação da lavoura no entorno da capital vem prejudicando enormemente a recarga desses aquíferos, o que agrava, ainda mais, o problema da escassez de água na capital. Como na natureza tudo parece estar interligado dentro um sistema harmônico, a insuficiência na recarga de águas dos aquíferos acaba prejudicando as próprias nascentes que começam a desaparecer, uma a uma, num efeito em cadeia, o que acaba por comprometer gravemente o abastecimento de córregos e rios.
A cada ano aumenta o número de municípios pelo interior que declaram situação de emergência por conta da falta de água. Este ano, foram 872 nesta condição. O que os latifundiários do agronegócio ainda não compreenderam ainda é que, com a destruição do bioma cerrado, toda a atividade agropastoril desaparecerá junto. Nem a criação de caprinos será viável neste cenário de destruição. Estamos todos, conscientemente, destruindo o chão sob nossos pés. O aumento da população e do consumo, a destruição do meio ambiente, concomitante aos efeitos do aquecimento global. A poluição crescente e o descaso das pessoas e dirigentes, tudo leva a crer que entramos num ciclo descendente que parece preparar nosso próprio fim.
História de Brasília
O serviço de comunicação do Ministério da Fazenda está pior que o DCT e a culpa disso é o abandono a que está relegado no Rio. Um telegrama remetido pelo diretor-geral no dia 26 somente hoje chegou em nossas mãos. O mesmo telegrama passado também pelo DCT chegou no mesmo dia em outra instituição. (Publicada em 08.02.1962)

Repetindo o passado

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É sabido, por aqueles que se dedicam ao estudo da história, que a condenação de atos do passado não possui a força necessária de fazer reverter o presente. Portanto, nada mais inócuo do que julgar fatos históricos. No entanto, ao analisar racionalmente o passado, com os olhos do presente, é possível empreender uma correção de rumos, capaz de mudar o que seria a história futura.

O problema com esse refazer de caminhos acontece quando não aprendemos com as antigas experiências, principalmente, aquelas que nos conduziram a perigosas encruzilhadas. Esse parece ser o caso do despertar do interesse nacional pelas áreas do interior do Brasil, fato esse catalisado pela transferência da capital para o Centro-Oeste nos anos 1960.

O que, a princípio, mostrou-se uma empreitada de absoluto sucesso estratégico, capaz de tornar realidade a posse efetiva do país pelos brasileiros, voltando os olhos da nação para as imensas riquezas e possibilidades do cerrado, parece que vai se transformando numa espécie de pesadelo a ameaçar a existência desse que ainda é o segundo maior bioma nacional. Depois da Amazônia, nada se compara ao cerrado em biodiversidade.

A questão central com o Cerrado é que nosso conhecimento sobre esse delicado e complexo bioma ainda é incipiente, o que é um perigo dadas as atuais extensões de áreas já efetivamente desmatadas para as atividades agrícolas e pecuárias, comandadas pelas forças pantagruélicas do agronegócio. Essa região, que abrange quase um quarto do território brasileiro, está, em sua maior parte, assentado sobre as maiores bacias hidrográficas do país, constituindo-se no principal responsável pelo abastecimento desses aquíferos. Em outras palavras, o que já se sabe é que, sem a cobertura preciosa da vegetação do Cerrado, toda uma imensa área de mais de 2. 036.448km2 pode virar deserto, afetando igualmente outras regiões do país.

Na realidade, o fenômeno da desertificação dessa área já é um fato e, pior, irreversível. Nos últimos 50 anos, coincidentemente depois da transferência da capital, 50% do Cerrado virou cinzas por conta da intensa produção de proteína animal para a exportação e de grãos, na maioria transgênicos, também destinado ao mercado externo. De fato, o Cerrado tem sido derrubado impiedosamente ao longo das últimas décadas, numa progressão criminosa e ignorante que segue ainda num crescendo alarmante, mesmo em decorrência das significativas alterações climáticas que vem se intensificando diante de todos. A cada ano, mais e mais riachos vão desaparecendo, deixando um rastro de areia e pedras no leito seco. Para se ter uma ideia, de agosto de 2019 a julho de 2020, o desmatamento desse bioma atingiu a marca de 7,3km2.

O agronegócio avança sobre essa vegetação em busca de lucros e, para isso, conta com o apoio incondicional do atual governo, numa situação que faz com que ambientalistas de dentro e de fora do Brasil considerem catastrófica, a ponto de comprometer o futuro dos brasileiros. Refém da bancada do agronegócio, o atual presidente tudo tem feito para desmontar os órgãos de fiscalização e para confeccionar legislações que abrandam as possíveis e raras punições.

Os conflitos sociais por disputas de terras e de água, antes inexistentes e inimagináveis, agora, são uma realidade. As commodities, vendidas em dólar e inacessíveis aos brasileiros comuns, ao mesmo tempo em que destroem a terra, assoreiam e envenenam os rios, vão deixando atrás de si uma região em franca evolução para um bioma do tipo caatinga, antes de se transformar, finalmente, num imenso e árido deserto.

Não aprender com erros de um passado recente parece ser o destino desse país, incapaz de evoluir do estágio colonial de cinco séculos, produtor de monocultura e mão de obra, ainda vivendo em condições análogas à escravidão.

 

 

 

A frase que foi pronunciada
“A força fez os primeiros escravos, a sua covardia perpetuou-os.”
Jean-Jacques Rousseau, filósofo, teórico político, escritor e compositor autodidata genebrino

Jean-Jacques Rousseau. Imagem: wikipedia.org

 

Repaginar
Ideia do ex-senador Cristovam Buarque de usar, no avanço da educação, verbas recuperadas pela Polícia Federal em operações contra a corrupção trouxe uma análise interessante. De um lado, o aluno recebe mais estímulo para se tornar um homem de bem e, de outro, o sistema educacional poderia ser dependente dessa verba, o que é uma incoerência.

Caricatura: carlossam.blogspot.com.br

 

Infeliz ano velho
Causa estranheza essa viagem do ex-presidente Lula à Cuba. O que deveria ser segredo, por uma postagem nas redes sociais, virou um escândalo. É acompanhar para ver onde isso vai parar.

 

História de Brasília
A operação-mudança está se fazendo sob o comando do sr. Hermes Lima e do sr. Felinto Epitácio Maia. O chefe da Casa Civil da Presidência da República está dando o máximo de importância ao assunto e o seu trabalho está sendo incessante para que venham novos Ministérios. (Publicado em 23/01/1962)