Os fios das Ariadnes

Publicado em ÍNTEGRA

DESDE 1960 »

aricunha@dabr.com.br

com Circe Cunha e MAMFIL

Colocada ao lado da realidade, a ficção se mostra apenas como uma sombra. No Mito da caverna, de Platão, o que os prisioneiros acorrentados veem e aceitam como fato não passa de ficção projetada contra o fundo da parede. A realidade, ofertada a poucos, arde lá fora. Recém-formada em direito, Ariadne divulgou pela internet o que é apresentado aos milhares de navegantes acorrentados: um mundo como ele é e que muitos ainda insistem que é delírios oriundos da imaginação. No texto enxuto, escrito em forma de despedida e que logo será capturado por alguém, como roteiro de um thriller, o que se apresentam são as pegadas meticulosas de um serial assediador.

O uso da posição hierárquica, como arma afiada, da inteligência, como armadilha, capaz de encurralar a presa num canto escuro. O assédio moral nas suas infinitas formas e que muitos tribunais não julgam com a rigidez necessária, os projetos de lei sobre o assunto que repousam no Congresso, cheios de lacunas na tipificação do crime, e a própria sociedade continuam torcendo o nariz. Por isso, fazem vítimas a todo o instante. Os alvos param de agir como se estivessem em uma areia movediça. Gritam, mas no lugar do socorro vem o pedido de silêncio. Toda a história incomoda muito. De um lado a indústria do dano moral e de outro o assédio moral mal compreendido, com sequelas psicológicas, como se a vida fosse se desbotando.

Quem vence o episódio de assédio moral carrega sempre uma cicatriz. É inegável. Ariadne não tinha o apoio da família. Com a autoestima frágil, o desfecho dificilmente seria outro. Para os mais sensíveis e indefesos, o fim do caso pode ser fatal. Quem entende da questão relata que é comum, em muitos casos, que a presa passe a se sentir como que atolada numa areia movediça. A cada movimento feito para se libertar, corresponde uma ação contrária, com a pessoa afundando mais e mais, até ser completamente tragada pela areia. Paralisada , com o encantamento aterrorizante da serpente, a presa não encontra ação para resistir.

Se o alvo do assédio moral tiver o azar de encontrar psicólogos ou psiquiatras que tratam da mente, da alma sem o conhecimento necessário para agir corretamente, aí o desastre é certo. Aqueles que agem dentro da ética na medida do possível devem ser execrados o mais cedo possível.

Que forças ocultas e inexplicáveis seriam capazes de fazer uma jovem, recém-formada e com uma longa estrada pela frente, viajar propositadamente dezenas de quilômetros para se pôr à beira do precipício e de lá empreender um salto para o vazio? O que temos agora, queimando em nossas mãos são as linhas de Ariadne. Escritas, como se fossem um novelo de lã, parecem querer nos conduzir para fora desse labirinto do Minotauro. Ariadne da mitologia teceu a solução para a saída desse emaranhado de entradas e saídas. Ariadne de Brasília deixou o fio da meada para trás. Ninguém conseguiu ajudá-la.

O testamento de Ariadne é o derradeiro grito dado por uma menina desesperada, que, para além do pavor, ainda encontrou coragem para alertar outros do grande perigo. Agora, o dedo silencioso de um cadáver apontando determinada direção parece indicar o algoz próximo. Mais são muitos. Qual deles? O que poderá toda inteligência humana contra um dedo de cadáver apontando em várias direções? Muitas Ariadnes por todo o canto experimentam neste exato instante terror psicológico semelhante e não encontram a saída do labirinto. O que poderá todo o monumental edifício do direito contra um dedo rijo e morto que insiste em apontar?

A frase que foi pronunciada
“Assédio moral não é uma
foto. É um filme.”

Marie-France Hirigoyen

Novidade
» Uma cartilha foi a solução para explicar a políticos, congressistas, empresários, jornalistas e outros contatos da Embaixada do Brasil em Washington. O tema é a transição política e econômica no Brasil. Quais os passos para recuperar a economia e como se deu o impeachment.
Sem surpresas
» A pesquisa do Ibope que o Ministério da Educação encomendou apontou que 70% da população apoia a reforma no ensino médio. Alguma coisa precisa ser feita. Professores universitários são os que mais reclamam do baixo nível dos alunos nos últimos 10 anos.

História de Brasília
Éramos três: Antônio Honório, Jairo Valadares e eu. Para um pouco, chega! Vamos ao hotel tomar alguma coisa! A gente enlouquece, nessa nostalgia. Vinham aos sábados as visitas. Era o único dia de passeio. A gente iria mostrar a cidade. Cuidado, não beba água sem limão. Dá dor de barriga! (Publicado em 15/9/1961)

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