Pesquisa inédita da Fundação Getulio Vargas aponta falhas na legislação e alerta para necessidade de reestruturação da Agência Nacional de Águas (ANA)
Em um momento em que a água constitui elemento essencial para o combate ao novo coronavírus, a Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito Rio) divulga o estudo Diagnóstico da regulação de águas no Brasil. Pela primeira vez no Brasil, o trabalho traz um levantamento de alcance nacional sobre a regulação do setor na esfera federal.
Segundo a pesquisadora Bianca Medeiros, uma das coordenadoras da pesquisa, um dos principais pontos detectados foi a falta de parâmetros nacionais para regulação do uso da água, na irrigação (setor em que se verifica o maior uso) e também na indústria. De acordo com a especialista, essa situação faz com que cada caso seja tratado de forma não sistematizada, dificultando a construção de políticas transversais.
“Em que pese a importância das regras aplicadas a casos específicos e a autonomia dos estados para propor as regras, a ausência de parâmetros nacionais para o uso da água na irrigação e na indústria dificulta a construção de políticas sobre os setores que mais consomem água no país. Além disso, os estados ficam sem balizamento para gerar suas normas”, explica Bianca Medeiros.
Segundo Bianca, o estudo abrange as normas desde a criação da Agência Nacional de Águas (2001) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (1998) até 2019. “Além da lacuna para o planejamento da irrigação, não há política para enfrentamento de crises hídricas, que afetam várias regiões do país. Sendo que os estados têm menos capacidade de resposta, menos estruturas e órgãos menos eficazes”, diz. “A ausência de regulação em âmbito nacional faz falta”, completa.
Recentemente, a ANA recebeu a atribuição de regular a agenda do saneamento. “No entanto, a ANA tem uma vocação diferente das outras agências nacionais, porque ela regula o uso da água. Tem pouca experiência de regular prestação de serviços. Tem uma cara diferente das outras agências e, agora, quando recebe essa nova atribuição, de uma agenda robusta como é a do saneamento, o estudo reitera o indicativo de que vai ter que passar por uma grande reestruturação”, ressalta.
Orientação e diretrizes
O estudo aponta que os órgãos nacionais devem dar uma orientação e diretrizes para o enfrentamento dos cenários críticos. “Como isso não existe, acaba-se resolvendo a crise no meio da crise e a narrativa da urgência, a necessidade de resolver, acaba legitimando a tomada de decisão às pressas com menos rigor técnico”, explica. “Se a gente consegue adiantar algumas questões, isso seria positivo para que não deixe a urgência atropelar os processos”, reforça.
O estudo da FGV Direito Rio também registra a falta de transparência sobre o que vinha sendo tratado pelos órgãos, uma vez que a agenda regulatória só passou a ser divulgada em 2019. A pesquisa verifica, ainda, uma fragmentação sobre dois aspectos da regulação das águas: quantidade e qualidade. Enquanto a ANA e o CNRH regulam mais sobre a quantidade, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) regula a qualidade da água. “Essa fragmentação dificulta a coordenação entre os órgãos na propositura de políticas mais robustas para o setor das águas”, alerta.
A íntegra do estudo está disponível aqui.