O Tribunal de Contas da União (TCU) tem como principal missão manter a moralidade no serviço público. O que o órgão diz tem tanto peso que pode derrubar um presidente da República. Isso ficou claro no impeachment de Dilma Rousseff, acusada de desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ao maquiar as contas do governo, manobras que ficaram conhecidas como pedaladas fiscais.
Pois o mesmo TCU está trabalhando pesado para instituir uma farra de salários que custará caro ao país. O Tribunal preparou um anteprojeto de lei que transforma técnicos de nível médio em auditores externos. Se esse projeto for aprovado, a porteira estará aberta para que todos os órgãos públicos federais façam o mesmo. A conta, como se sabe, cairá no colo dos contribuintes.
Pelo anteprojeto, que tem como relator o ministro Vital do Rego, investigado pela Operação Lava-Jato, se igualados aos auditores externos, cerca de 800 técnicos terão os salários elevados de R$ 17 mil para R$ 28 mil. Isso, mesmo sem terem feito concurso público para as funções de topo de carreira no TCU.
Também está previsto que médicos, nutricionistas, bibliotecários e analistas de sistema que trabalham no Tribunal passem a ser denominados auditores externos. Nesses casos, não haveria aumento de salários, já que esses servidores estão na mesma faixa de renda. As propostas, de tão absurdas, estão provocando fortes reações contrárias dentro da Corte.
Sem moral
“Estamos diante de um absurdo”, diz Lucieni Pereira, presidente da associação que reúne os auditores de controle externo (AUD-TCU). Para ela, ao dar aval a um trem da alegria dentro da própria casa, o TCU “perderá a moral” para exigir moralidade no setor público. “Como o TCU poderá alegar abusos em determinados órgãos se está dando mau exemplo?”, indaga. Lucieni ressalta que há vários projetos espalhados pela Esplanada dos Ministérios prontos para saírem da gaveta tão logo o anteprojeto do TCU seja aprovado pelo Congresso.
Na avaliação de Luciene, a farra das promoções não se restringiria ao governo federal. Se estenderia, por exemplo, para os tribunais de contas estaduais, todos conhecidos por envolvimento em esquemas de corrupção. “Em Sergipe, já aconteceu: 81 técnicos foram alçados à condição de auditores. Agora, está se tentando fazer o mesmo no Espírito Santo, em Pernambuco, na Bahia e na Paraíba. Há casos em que estão propondo a recriação de cargos extintos para acomodar os beneficiados pela equiparação de salários”, destaca.
Previdência
Além do aumento substancial de salários, o trem da alegria impactará, pesadamente, a Previdência do setor público, que deve fechar este ano com rombo de quase R$ 80 bilhões. Se aprovado o anteprojeto do TCU, os técnicos alçados à condição de auditores se aposentarão com salarial integral do topo da carreira sem ter contribuído para isso na maior parcela do tempo. “Corremos o risco de termos que fazer uma reforma do sistema previdenciário a cada ano”, diz Lucieni.
Para a presidente da AUD-TCU, quando tais fatos são expostos, se fortalece a conscientização da população e de todos os servidores contra práticas sofisticadas de trem da alegria, que comprometem o resultado previdenciário e o futuro de todo o funcionalismo. “Não é só: esses movimentos resultam em grave prejuízo às carreiras exclusivas de Estado”, frisa Lucieni, que assinou o parecer contra as pedaladas fiscais de Dilma.
O que mais preocupa Lucieni é que já há precedentes no TCU em relação à farra de salários. Em 1995, técnicos de programação foram alçados a cargos de nível superior. Todos fecharam os olhos para esse trem da alegria por muito tempo. O primeiro questionamento só ocorreu em 2013, por meio do Ministério Público. Mas ninguém acredita em reversão das benesses. “Por isso, criamos uma frente nacional para tentar barrar o anteprojeto que está tramitando no TCU”, diz. “Não há como compactuar com isso.”
Brasília, 06h30min