Coluna no Correio: Até onde vai a euforia

Publicado em Economia

O Palácio do Planalto está batendo o bumbo diante da euforia do mercado financeiro, mas é preciso ter muito cuidado. Da mesma forma que os investidores estão exacerbando no otimismo hoje, podem, mais à frente, provocar um movimento contrário e detonar o sinal de pânico, travando, novamente, a retomada da economia. Basta, para isso, que algum dos argumentos usados para elevar o humor dos donos do dinheiro se mostre frágil. O mercado não perdoa frustrações.

 

Na tentativa de criar fatos positivos para se contrapor a uma nova denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o presidente Michel Temer anunciou uma sucessão de medidas que se encaixam perfeitamente no gosto dos investidores, sobretudo a privatização de estatais. A Bolsa de Valores registrou ontem o terceiro dia de valorização. Cravou os 71.132 pontos, aproximando-se de seu recorde histórico. As taxas de juros no mercado futuro desabaram.

 

É preciso ressaltar, porém, que boa parte do pacotão de Temer não depende dele. A decisão está nas mãos do Congresso e de uma burocracia que, certamente, criará empecilhos para o enxugamento da máquina pública. Como já se percebeu, nos últimos dois dias, há grandes focos de resistência no Legislativo em relação à privatização do sistema Eletrobras. O PMDB de Minas Gerais é contra, principalmente, à desestatização de Furnas.

 

Não por acaso, há um grupo na Esplanada dos Ministérios pedindo calma. A pressa do governo em anunciar o pacote de privatização e de concessões é política. Ainda carece de muito embasamento técnico. Uma coisa é anunciar o desejo de vender empresas controladas pelo governo e de transferir a gestão de aeroportos e rodovias à iniciativa privada. Outra é concretizar o processo. Além de encontrar um modelo adequado, que não resulte em suspeição, é necessário convencer os investidores de que o que está sendo ofertado é um bom negócio. Nem tudo o que está no pacotão de Temer é.

 

Mais: já está claro que grande parcela das estatais que serão colocadas à venda só estará em condições de ir a leilão no segundo semestre de 2018. No meio do caminho, haverá uma Copa do Mundo e eleições gerais. Levar essa discussão para cima dos palanques será uma tarefa complicada. O que não for aprovado pelo Congresso até junho do ano que vem não o será mais. Não num país sob o comando de Temer. É aí que mora o perigo. Uma privatização tocada sem as devidas precauções pode resultar em um processo cheio de vícios. Uma porta aberta para a corrupção.

 

Debandada

 

Outro ponto importante a ser considerado: Temer corre o risco de perder aliados que estiveram ao seu lado quando houve o impeachment de Dilma Rousseff. De lá para cá, a base aliada diminuiu e interesses locais tendem a afastar votos significativos do Planalto. Esse raciocínio vale para os militares, que ficaram completamente quietos com a deposição da petista, mas, agora, estão mostrando um incômodo nada desprezível.

 

Além da falta de verbas — estima-se que os recursos destinados às Forças Armadas acabem em setembro —, a caserna se agitou com o decreto publicado anteontem no Diário Oficial da União, que extinguiu a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), criada no regime militar, em 1984. Temer, com essa decisão, liberou uma área de aproximadamente 47 mil quilômetros entre o Pará e o Amapá para a extração de ouro e outros minerais nobres. A região, alvo de cobiça das grandes mineradoras, é quase do tamanho da Dinamarca.

 

Para os militares, é inaceitável que o decreto assinado por Temer tenha sido publicado sem um amplo debate. Ninguém da caserna foi consultado. A surpresa negativa ressuscitou o discurso nacionalista dentro das Forças Armadas, que teme uma onda de invasões em áreas protegidas. Entre os militares, ninguém fala em rebelião. Contudo, há um movimento crescente para convencer o presidente a recuar da decisão. Há, sobretudo na cúpula do Exército, argumentos de sobra para que uma medida tomada no afogadilho, como se fosse direcionada a grupos específicos, seja revertida.

 

Questão de juízo

 

Entre assessores de Temer, a visão é de que não há razões para apreensões. Eles admitem que, certamente, uma parte das privatizações e das concessões anunciadas ficará só na promessa. Mas alegam que é importante dar início ao processo e expor à sociedade o que deve e o que não deve ficar nas mãos do Estado. Dos mais de R$ 40 bilhões esperados em arrecadação, se metade entrar nos cofres públicos, já será um alívio para a equipe econômica, que está sofrendo para fechar as contas. É latente o risco de, no meio do ano que vem, o governo anunciar mudança da meta fiscal, de deficit já aumentado de R$ 129 bilhões para R$ 159 bilhões.

 

Um importante observador da Esplanada diz que uma ação que o governo vê como muito positiva pode se transformar em um desastre. Basta, para isso, que não se leve em consideração regras simples de segurança. Ele ressalta que esse governo é altamente impopular — apenas 5% aprovam Temer — e está cheio de ministros investigados no âmbito da Operação Lava-Jato. “Para tirar a legitimidade das ações do governo, é um pulo”, afirma. “Não é só porque o mercado financeiro deu o aval que tudo está garantido e que tudo dará certo. Entre palavras e atos concretos, há uma grande distância”, emenda. Portanto, o aviso é está dado. Todo juízo será muito bem-vindo.

 

Brasília, 06h08min