Luxemburgo Vanderlei Luxemburgo: "O moderno não está no novo". Foto: Crédito: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press Vanderlei Luxemburgo em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense

Entrevista: Vanderlei Luxemburgo. Ele fala sobre Dilma, Temer, Moro, intervenção no Rio e exige Tite na Seleção Brasileira até 2022: “Ele é muito bom”

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Aos 65 anos, o carioca Vanderlei Luxemburgo da Silva diz que o futebol é a cachaça dele. Está no mundo da bola desde os 14 anos. Mas, durante a entrevista exclusiva ao Correio, em um hotel de Brasília, o combustível que moveu o técnico mais vitorioso da história do Campeonato Brasileiro, com títulos por Palmeiras (1993 e 1994), Corinthians (1998), Cruzeiro (2003) e Santos (2004), foi a política. O treinador explicou por que se considera um homem de esquerda ao contar a história da família. Explicou a origem do sobrenome e não fez questão de ser politicamente correto. Sem papas na língua, disse o que pensa sobre os impeachments dos ex-presidentes Fernando Collor de Mello e Dilma Roussef, criticou o governo de Michel Temer e alfinetou até o juiz  Sérgio Moro, símbolo da Operação Lava-Jato.  O técnico da Seleção no período de 1998 a 2000  admite que pensou em lançar candidatura ao senado por Tocantins, mas, por enquanto, se inspira no livro Imperatriz de Ferro para voltar ao palanque da bola.    Um dos discursos é um recado para a CBF. “Tem que renovar com o Tite. Ele é muito bom.”

 

Como é a vida de técnico desempregado?

Tenho outras atividades, os meus negócios, faço investimentos. Quando estou no futebol, minha filha toma conta dos meus negócios. É uma covardia dizer que um treinador está sem foco porque tem mais de um negócio.

 

Dona Jô interfere nas suas decisões?

São 45 anos de casado. Ela entende que o futebol faz parte da minha vida. Os meus filhos estão preparados para todo tipo de porrada. A minha mulher é a minha parceira para o lado bom e o lado ruim. Ela é o Luxemburgo. Se eu achar que tenho que parar, ela vai concordar.

 

Você é viciado em trabalho?

Não sou workaholic. Não levo problemas do meu trabalho para casa. O meu momento com a família é especial. É a minha sustentação. Lá é tudo sossegado.

 

Qual é o seu livro de cabeceira?

É sempre futebol, mas eu não sou muito de leitura, não. A minha cultura vem de tudo aquilo que eu viajei. Venho lendo um livro chinês (Imperatriz de Ferro), que fala sobre como funcionava a dinastia da China. É desse tamanhão o livro (552 páginas), já estou lendo há mais de um ano (risos). Eu estava trabalhando lá, queria conhecer como funcionava.

 

“É uma covardia dizer que um treinador está sem foco porque tem mais de um negócio. Eu diversifico os meus investimentos”

 

O futebol já deixou você doente?

Futebol não me estressa porque eu sou bem direto. Se você começar a encher o meu saco com perguntas atravessadas, eu dou no teu meio (risos). Eu não guardo, cara. Quem guarda, sofre. A minha cachaça é o futebol. Estou nesse negócio desde os 14 anos. É claro que algumas coisas são cansativas. Choro, rio, tenho sentimentos. Técnico de futebol não é uma máquina, um robô programado.

 

Qual foi a maior dor?

A mais marcante foi a tal da CPI (do Futebol). Arrancaram a Seleção de mim. Aquilo foi uma das grandes safadezas que fizeram comigo. Foi uma covardia. A imprensa me colocou como bandido. Só não acabei porque sou um homem direito. Isso dói, machuca. Tinha um trabalho pronto. Fui arrancado como se eu fosse um m… Dos 23 campeões com o Felipão, eu chamei 20. Aquela Seleção era minha.

 

De onde vem a sua resiliência?

Eu sou de uma família muito pobre. Politizada, mas pobre. Como somos um país de 90 e poucos por cento de pobres, a nossa ocupação de espaço incomoda.

 

Qual é a origem da sua casca grossa?

O meu avô foi do Sindicato dos Ferroviários do Rio. Era foragido e foi morar no Rio, onde eu nasci. Ele foi perseguido na época da ditadura. Meu pai era gráfico, brigava contra a ditadura e também foi foragido. Meu sobrenome é inspirado na Condessa Rosa Luxemburgo, que era polonesa. Inspirado em pessoas de esquerda. Meu avô era pobre, torneiro mecânico, mas era culto. A minha resiliência nasceu da luta da minha  família. Eu me tornei um homem de esquerda. Fui presidente de diretório acadêmico, briguei contra o processo ditatorial.

 

O que acha do momento do país?

Vivemos um momento ditatorial sem ser ditadura. É a ditadura do Poder Judiciário, político, da imprensa. Quem tem poder está usando em benefício próprio.

 

“A (dor) mais marcante foi a tal da CPI (do Futebol). Arrancaram a Seleção de mim. Aquilo foi uma das grandes safadezas que fizeram comigo”

 

Apoiou o impeachment da ex-presidente?

Não concordei. Estamos em um processo democrático. Nesse sistema, só se tira no voto, não na marra. Somos um país democrático embrionário. Não digo que houve golpe, mas tiveram interesses.

 

Como avalia o governo Temer?

Eu não vi praticamente mudança nenhuma. O Brasil, como país, foi prejudicado. Estamos parados.

 

E a Lava-Jato?

Aí não é questão de esquerda ou de direita. Falei do Collor e da Dilma. O país perdeu com isso. O (juiz Sérgio) Moro pegou a Constituição e rasgou. Grampo do presidente da República (conversa entre Dilma e Lula)!

 

É a favor da intervenção federal no Rio?

Ela é militar (risos), só mudaram o nome. Daqui a pouco, o Exército vai tomar conta do país de novo. Será que isso não é uma cortina de fumaça?  Sou totalmente contra.

 

Desistiu da candidatura a senador?

Já pensei em deixar o futebol pela política. Eu já contribuí muito com o futebol. Eu posso juntar esporte e política. Eu ia sair ao senado por Tocantins. Havia uma pesquisa que me apontava como um dos possíveis eleitos. Não existe projeto nacional para o futebol. Como eu sou do ramo, eu queria vir pra cá criar um projeto nacional, a partir das universidades. Criar locais para a prática de futebol. Hoje, nós temos jogadores de condomínio. Nós perdemos a nossa essência, que é o futebol de várzea.

 

“Se eu fosse o Marco Polo Del Nero (…), renovaria o contrato com o Tite até 2022. Independentemente do que vai acontecer. Ele é muito bom”

 

Então, a vida segue no futebol…

O experiente não está acabado. Experiência é sabedoria. Os jovens têm que conquistar espaço. A minha briga era com Telê Santana, com Zagallo, Parreira, Rubens Minelli, Ênio Andrade, e eu ocupei o meu espaço. Esses que estão aí não podem ocupar espaço porque a mídia falou depois da Copa que tinha de fazer renovação. O 7 x 1 foi um caso à parte. A renovação ocorre por competência, não por imposição. Quero voltar e mostrar que o resultado não pode radicalizar nada. O moderno não está no novo.

 

Você está atualizado?

Eu trouxe benefícios para o futebol. Se você pegar a Globo hoje… Estamos em 2018. Ela coloca o Caio e o Júnior lá naquele campo de futebol. Em 1993 ou 1994, eu criei um programa de futebol. A ideia era tirar o time de botão da mesa e colocar no computador. Foi evoluindo até ficar animado. Existe até hoje. Monto a tática como se fosse um jogo de futebol. Eles passam isso, hoje, como se fosse uma novidade. Como eu posso ser um cara ultrapassado se, nos anos 1990, eu criei isso? Analista de desempenho eu já usava. Eu peguei um cara da Folha de S. Paulo, que trabalhava com scout. Contratei pra trabalhar comigo. Tinha equipe de filmagem, ponto eletrônico. Eu mostrava tudo o que estava acontecendo em campo para o meu jogador no intervalo, no telão, dentro do vestiário. A minha cabeça é de buscar novidades. As pessoas me chamarem de ultrapassado é muito pesado e covarde.

 

Está mais difícil montar um timaço?

Tirando o Neymar, que é diferenciado, qual jogador brasileiro, hoje, dribla? Quem limpa a frente, faz alguma jogada de efeito e mete na cara do gol? O Vinicius Júnior, você não vê porque está no banco, não joga. As pessoas batem muito em sistema tático, mas falta jogador.

 

Não há inovação tática, então…

Falam muito em 4-2-3-1, em 4-1-4-1, isso não é moderno… Em 1970, o Brasil ganhou a Copa no 4-2-3-1. O que o Messi fazia como falso 9 no Barcelona, o Tostão fez em 1970. Terceiro zagueiro? O Zagallo usou o Everaldo como espécie de terceiro zagueiro para liberar o Carlos Alberto (Torres). Ele jogava com dois volantes no 4-2-3-1: Clodoaldo e Gerson. Na linha de três, Jairzinho, Pelé e Rivellino. Só mudaram a nomenclatura. Isso é moderno?

 

Mas não seria bom um intercâmbio?

Por que eu tenho que fazer curso na Europa? Por que a Europa não vem aprender aqui? Não temos que imitar o futebol europeu. O que nós temos de diferente, eles não têm, que é o drible, a mudança de direção. Jogador brasileiro precisa, sim, de responsabilidade tática, mas sem prostituir as nossas características. Não podemos virar times de robôs.

 

“Vivemos um momento ditatorial sem ser ditadura. É a ditadura do Poder Judiciário, político, da imprensa. Quem tem poder está usando em benefício próprio”

 

Gestão de vestiário é um problema?

Vamos lá… O jogador é evangélico. Mas tenho evangélico, católico, macumbeiro… O evangélico não gosta de palavrão. Aí, eu vou ter que dizer pra um: “c…, você tem que marcar aqui”. E para o outro, “por favor, você tem que fazer isso aqui”. Isso não é futebol. Ali não tem gestão de vestiário para pessoas, grupos diferentes, é para o futebol. Ali é: “C…, vai tomar no…” Começaram a falar em gestão de vestiário porque tem grupos com interesses.

 

É impossível cobrar sem xingar?

Não é que eu seja mal-educado ou não respeite ninguém, mas o linguajar do futebol é com palavrão. Eu não vou mudar a minha essência.

 

A seca de títulos brasileiros o incomoda?

Querem que eu ganhe título de manhã, de tarde e de noite. Um bom trabalho, hoje, é levar um time para a Libertadores, mas eu não posso só levar um time para a Libertadores. Tenho de ganhar títulos. Sou cobrado como incompetente, mas não é isso. O Telê Santana foi campeão brasileiro em 1971. Voltou a ganhar em 1991, no São Paulo.  Amargou resultados ruins, tomou porrada, fizeram Telê com orelha de burro. Sacanearam com ele. Eu e o Felipão, que trabalhamos no exterior (Real Madrid e Chelsea), somos execrados no futebol mundial.

 

Você erra? Qual foi o último erro?

Talvez, o meu erro foi ter ido para um lugar onde iriam me cobrar o que eu não poderia entregar. O Sport tinha estrutura para eu desenvolver a proposta? Eu queria deixar o Sport entre os 10 melhores do país. Mas é preciso investimento. As escolhas são os meus maiores erros.

 

“Não concordei (com o impeachment da presidente Dilma). Estamos em um processo democrático. Nesse sistema, só se tira no voto, não na marra. Somos um país democrático embrionário. Não digo que houve golpe, mas houve interesses”

 

Tite vai ganhar a Copa?

Hoje, se eu fosse a CBF, renovaria o contrato com o Tite até 2022. Independentemente do que vai acontecer (na Rússia). Ele é muito bom. O Brasil vai ser campeão nesta Copa ou na próxima.

 

Ele foi o seu maior rival?

Não, foi o Felipão. Porrada o tempo todinho eu e ele. Em 1995, aquele v… (risos) me deu um chute no traseiro na semifinal da Copa do Brasil entre Flamengo e Grêmio. Ele é meu amigo, mas é louco. Fez estágio comigo lá no Vasco. Ele é intempestivo. Fui falar uma coisa com ele e deu naquilo.

 

As críticas ao Neymar são justas?

O Pelé foi chamado de míope, não poderia jogar uma Copa. Aqui no Brasil é assim. O Neymar, ou ganha esta Copa para o Brasil ou a próxima. Anota e cobra. Essas porradas que ele está tomando vão fazê-lo repensar um montão de coisa. É um excelente menino, um baita profissional. Não é bandido. É um menino ganhando muito dinheiro e que quer viver a vida. Treina pra caramba.

 

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*Entrevista publicada na edição do último domingo (4/3) do Correio Braziliense.