Vídeo de senador criticando Biden provoca espanto até no governo

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ROSANA HESSEL

Mesmo após o presidente Jair Bolsonaro enviar uma carta, ontem, cumprimentando o novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pela posse e tentando aparar as arestas nas relações diplomáticas entre os dois países, um senador aliado do chefe do Executivo provocou de técnicos do governo.

O senador Marcio Bittar (MDB-AC) partiu para o ataque gratuito a Biden, ao presidente da França, Emmanuel Macron, e à chanceler alemã, Angela Merkel, e está compartilhando, nesta quinta-feira (21/01), um vídeo postado na noite de ontem nas redes sociais do parlamentar. Segundo fontes da Esplanada, esse tipo de posicionamento não ajuda em uma hora dessas em que o governo atravessa uma crise diplomática. “O vídeo provoca espanto em pessoas razoáveis, dentro de fora do governo”, disse um técnico do governo.

Segundo Bittar, há muita “hipocrisia” desses governantes, porque, durante a “crise humanitária” de Manaus, quando faltou oxigênio nos hospitais, levando várias a morte, “nem Biden, nem Macron, nem Merkel, escreveram nota de apoio” e sequer mandaram oxigênio para aquela região, esquecendo de dizer que o então presidente dos EUA, Donald Trump, “amigo” da família de Bolsonaro também não mexeu um palha. A ajuda acabou vindo da Venezuela, ironicamente.

“Mais uma vez fica comprovado que o interesse dos estrangeiros sobre as Amazônia não é com as pessoas, não é com os seres humanos, é sim, com a a economia”, afirmou Bittar, que, antes de ser senador, era pecuarista na região. Segundo o parlamentar, esses líderes só se preocupam com “a madeira”, sem contextualizar a questão do desmatamento na Amazônia, que bate recordes no governo de Bolsonaro, que fragilizou órgãos fiscalizadores. Procurado pelo Blog, Bittar não comentou a repercussão ruim da postagem.

O senador é o relator do Orçamento de 2021, que ainda não foi aprovado pelo Congresso no ano passado, em meio à pandemia. Ele ainda tem a relatoria da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que trata da regulamentação dos gatilhos de contenção de despesa no caso de estouro do teto de gastos. A matéria estava sendo modificada, incluindo as PECs do Pacto Federativo e dos Fundos, que foram desmembradas pelo Executivo, no fim de 2019, para acelerar a tramitação, mas nunca foram votadas. Bittar pretendia incluir na proposta um novo programa de assistência social que substituiria o Bolsa Família, mas, devido às polêmicas sobre as fontes de financiamento, a proposta não vingou em 2020.

Troca de farpas

A carta de Bolsonaro para Biden, sinalizando que o país está pronto para proteger o meio ambiente , é uma clara tentativa de virar a página nas relações bilaterais, após a troca de farpas entre os dois governantes durante a campanha presidencial e a apuração dos votos na maior economia global e segundo maior parceiro comercial brasileiro.

No ano passado, como resposta às declarações de Biden em um debate sobre a possibilidade de aplicar sanções ao país se não houver redução nos números de desmatamento da Amazônia, Bolsonaro afirmou que, quando a saliva acaba, tem a “pólvora”, gerando uma série de memes nas redes sociais, inclusive, uma postagem do embaixador dos EUA no Brasil sobre o poderio norte-americano.

A crise diplomática provocada pelas postagens virulentas de Bolsonaro, de seus filhos e de seus ministros, como o chefe do Itamaraty, Eduardo Araújo, especialmente, contra desafetos ideológicos, como a China, vem ganhando proporções. Essas ações deliberadas podem prejudicar milhões de brasileiros, pois resultou no atraso das importações de insumos para a fabricação de vacinas contra a covid-19 no país. Agora, o governo, governadores e parlamentares tentam uma solução diplomática para a questão, excluindo o ministro Araújo das conversas com os chineses.

Olavista na berlinda

Dentro do Ministério das Relações Exteriores, os boatos sobre uma possível demissão do chefe da chancelaria aumentam, já que Ernesto Araújo é olavista e trumpista, qualidades nada favoráveis para uma nova conjuntura geopolítica que está se formando com Joe Biden retomando agendas abandonadas por Trump, como a ambiental e a do multilateralismo, valorizando entidades como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), e retornado para o Acordo de Paris, com metas de redução de emissões de gases que provocam o efeito estufa.

Para especialistas e fontes dentro da chancelaria, no entanto, a saída de Araújo — que não vê problema algum no país ser um pária global — não deverá ser imediata, pois seria uma clara admissão de Bolsonaro de que a sua agenda ideológica e protecionista fracassou. A expectativa é que o presidente de mais uns meses de sobrevida ao fiel escudeiro e só anuncie a sua demissão, provavelmente, em abril, quando a poeira em torno da posse de Biden baixar.

Vicente Nunes