SIMONE KAFRUNI
Para o especialista, o mercado está relativamente tranquilo diante de tanta turbulência política porque confia na credibilidade da equipe econômica, muito mais do que no presidente Michel Temer. “O nome do presidente, hoje em dia, tem muito menos peso para o mercado. Se o Temer vai sair e entrar o Rodrigo Maia importa menos do que se a equipe econômica vai permanecer”, avalia. “Mas, às vezes, o mercado é míope”, ressalta.
O cenário externo, de juros ainda baixos, também tem colaborado para a tranquilidade do mercado brasileiro e de países emergentes, explica Souza Leal. “Até o fim do ano, o cenário externo vai continuar sendo favorável. Mas temos que resolver nossos problemas antes que essa maré mude”, alerta. Confira os principais trechos da entrevista concedida pelo economista ao Correio na sede do Banco ABC Brasil em São Paulo.
Há a perspectiva de mudança na meta de inflação, para 4,25% em 2019. Qual sua opinião?
Eu mudei de opinião várias vezes. Inicialmente, achava que o Banco Central (BC) não deveria reduzir a meta. Antes da última crise, passei a achar que devia. Depois, achei melhor não. E, agora, estou achando que é menos custoso mudar. A política monetária olha para frente. Então, quando o BC faz uma das variáveis, ele tem que avaliar a taxa de juro real. Para pensar em 2019, tem que ver os juros futuros e como está a expectativa de inflação futura, que já está em 4,25%. Se o BC mantiver em 4,5%, a tendência do mercado é mudar esta perspectiva para 4,5%. Melhor mudar de uma vez e garantir o espaço para derrubar os juros.
Como o senhor avalia o quadro econômico do Brasil?
Está complicado por conta da questão política. Mas a situação é melhor do que há dois anos. Mesmo nesta confusão toda, ainda é possível ter uma expectativa de crescimento. Isso porque o índice de inflação é bastante favorável junto com as contas externas, que também estão bem.
A questão fiscal é grave?
De fato, o país não está com as contas em ordem. Mas não tem os outros dois componentes. Com a inflação em queda, bem ou mal — por mais paradoxal que possa parecer, uma vez que temos 14 milhões de desempregados — permite uma renda real em crescimento, de, mais ou menos, 2% a 2,5%. Como os salários são reajustados pela inflação do ano anterior, e temos um processo de desaceleração da inflação muito rápido, há aumento real. Esse é um dos fatores que faz com que a dinâmica da inflação ajude a economia brasileira neste momento. O segundoé que, com a queda da inflação, há mais espaço para cair a taxa básica (Selic).
Quais suas projeções para a Selic e PIB?
A inflação vai fechar o ano um ponto percentual abaixo do centro da meta, em uma economia que ainda está com PIB (Produto Interno Bruto) acumulado negativo. Ou seja, há espaço para a redução dos juros continuar, mesmo com as incertezas políticas. E chegar aos 8,5% ao ano. O PIB, no ano que vem, pode crescer entre 1,5% a 2%. Em 2017, vai ter expansão de 0,3%. A crise vai ter pouco impacto porque o que está segurando o PIB são a agricultura e o setor externo, e nenhum dos dois sofre grande impacto com a crise política. Além disso, entre 70% e 80% do PIB do ano são definidos no primeiro trimestre.
Como o senhor avalia as reformas, depois da derrota do governo no Senado, que rejeitou a trabalhista numa das comissões?
As reformas têm importância para o mercado se comportar de forma mais positiva. Mas, mesmo com a derrota, eu continuo achando que está tranquilo. A crise pode bater no dólar e chegar a R$ 3,60, mas isso significa que as expectativas com relação à economia brasileira também vão ficar piores. Então, vai ter um crescimento menor e isso abre espaço para absorver a variação cambial. O BC deixou claro na ata que tem duas forças trabalhando: o aumento da incerteza em cima do câmbio, elevando a inflação; e a piora das perspectivas de crescimento da economia, puxando ela para baixo.
Se há duas forças, uma pode vencer a outra. Qual?
Fica aquela dúvida de qual das duas vai ganhar. O recado do BC é que, se for para errar, é melhor errar para baixo. Ou seja, baixar os juros e depois ter que subir porque a inflação voltou. Isso é melhor do que ser conservador demais e ter problemas de recuperação mais lenta da economia. Por isso, mesmo com o cenário incerto da política, eu insisto: a única coisa certa é que os juros vão acabar 2017 em 8,5%. O banco projeta que vão continuar nesse patamar em 2018. O último RTI (relatório de trimestral de inflação) apenas reforçou nossa expectativa: 8,5% de juros e meta da inflação reduzida para 4,25%.
Por que o mercado está tão tranquilo, apesar das crises?
Por conta da ação coordenada do Banco Central com o Ministério da Fazenda. Essa operação conjunta mostra que a equipe econômica é harmoniosa, faz as coisas em conjunto e é competente. O mercado confia na equipe econômica. O nome do presidente, hoje em dia, tem muito menos peso para o mercado. Se o Temer vai sair e entrar o Rodrigo Maia importa menos do que se a equipe econômica vai permanecer. E não falo só do Henrique Meirelles (ministro da Fazenda), porque ele não é formulador de política econômica. Ele é formador de equipes boas. A mesma coisa o Ilan, que se cercou de ótimos profissionais no BC. A credibilidade da equipe econômica é um dos fatores para a tranquilidade do mercado. O outro é o cenário externo.
Até quando o Brasil pode contar com a ajuda do mercado externo?
A política do Banco Central americano (Fed, Federal Reserve), e que logo será do Banco Central Europeu (BCE), é reduzir as compras de títulos no mercado. Talvez o BCE, lá por setembro, avise que não vai prorrogar o programa de compras. O Fed já está começando a dizer que até o fim do ano vai reduzir. Então, acho que até o fim do ano, o cenário externo vai continuar sendo favorável ao Brasil. Mas temos que resolver nossos problemas antes que essa maré mude.
E quando a maré pode mudar?
Eu acho que é bem possível começar a sentir uma mudança das taxas dos títulos mais longos de países como Alemanha e Estados Unidos em 2018. Mas é preciso ficar alerta. Apesar de dizerem que o mercado antecipa as coisas, às vezes ele é muito míope e só enxerga quando está a um palmo do nariz. Eu não acho que vai mudar já no primeiro trimestre do ano que vem. Mas, sim, ao longo de 2018.
O Brasil conseguirá resolver os problemas até lá?
Antes um economista poderia responder isso. Depois tivemos que ouvir cientistas políticos para fazer as análises. O próximo passo é chamar um vidente ou um pai de santo. Nós tivemos uma reunião em 16 de maio na qual apresentamos um quadro de recuperação e, no dia seguinte, estourou a delação do Joesley (Batista, um dos controladores da JBS). Então, está difícil fazer qualquer previsão no Brasil.
Quando o senhor estima o início da retomada da economia?
A retomada já está ocorrendo, com o cenário de queda na inflação e a possibilidade de queda forte e rápida dos juros. Ao mesmo tempo, as contas externas estão muito bem. O país tem US$ 370 milhões em reserva. A balança comercial está batendo recordes de saldo positivo todo mês. Quando o investidor estrangeiro vai colocar dinheiro no país, é isso que ele olha. O BC tem espaço para fazer swap. Apesar de ter problema de rating (classificação de risco) e estar no meio de mais uma crise política, isso é desesperante para nós que estamos aqui, para o investidor estrangeiro não há risco de perder dinheiro.
Há risco de o Brasil dar calote?
Hoje, nenhum risco. Pela visão do investidor estrangeiro, é pouco arriscado. Agora, quanto à recuperação fiscal, eu diria que a reforma da Previdência é um problema sério que teremos de enfrentar. Mas é administrável até o próximo governo. Então, será uma escolha da sociedade, que vai eleger o próximo governo.
Brasília, 11h01min