Auxiliares mais afoitos da presidente Dilma Rousseff preparavam os bumbos ontem para comemorar o fato de a inflação de junho, de 0,79%, ter ficado ligeiramente abaixo da média prevista pelo mercado, de 0,83%, mas foram atropelados com tudo pelo terremoto financeiro vindo da China.
A ideia era difundir o discurso de que a carestia estava seguindo, ainda que lentamente, o caminho de desaceleração traçado pelo Banco Central. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, fez muito bem esse trabalho ao ser questionado sobre o fato de o custo de vida ter registrado, no mês passado, a maior alta para junho em 19 anos. Mas soou falso.
Por trás do otimismo que o governo tenta espalhar, o que se viu foi um sentimento de pânico. Não estava, no roteiro da equipe econômica, ter que lidar, agora, com uma crise vinda da China, o segundo parceiro comercial do país, para onde seguem quase 20% dos produtos brasileiros. Foram os chineses, com a demanda frenética por matérias-primas, que, nos oito anos da era Lula, levou o Brasil a dar saltos expressivos no Produto Interno Bruto (PIB).
Desde que Dilma assumiu o poder, contudo, a China foi desacelerando as compras e, com isso, o PIB brasileiro, minguando. Assim, na hipótese de o estouro da bolha acionária chinesa contaminar toda a economia real daquele país, não haverá escapatória para o Brasil, admite Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Partners. A recessão brasileira, que hoje já se mostra perturbadora, será mais profunda.
A tendência é de as exportações para a nação asiática, que acumulam queda de 22,6% no primeiro semestre do ano, despencarem. Com menos dólares circulando pela economia brasileira, as cotações da moeda norte-americana devem disparar — somente ontem, o salto foi de 1,7% —, jogando a inflação para além dos 10% em 2015 e tornando quase impossível para o BC entregar a carestia no centro da meta, de 4,5%, até o fim do ano que vem.
Velho chama a atenção para os efeitos perversos do agravamento da crise chinesa sobre o Brasil. No entender dele, muito do estrago que está se desenhando agora poderia ser evitado se o governo tivesse usado os tempos de chuva de dólares para promover reformas estruturais na economia, melhorar a infraestrutura e incentivar o aumento da produção. O que se viu, porém, foi um desenfreado estímulo ao consumo, como se a bonança nunca fosse acabar.
“A situação da economia brasileira é desoladora e pode piorar. O governo achou que teria uma trégua com a inflação abaixo do que previa o mercado, mas vieram as péssimas notícias da China. Foi uma espécie de trégua sem trégua”, diz. Ele acredita que, com os chineses espalhando pânico, a aversão ao risco a países emergentes tende a atingir níveis alarmantes. E o Brasil, por estar em situação muito delicada, conjugando recessão com crise política que ameaça o mandato da presidente Dilma, será visto com olhos mais desconfiados.
Desmoralização
Tudo joga contra o país neste momento. Em meio ao turbilhão chinês, o Congresso desmoralizou o ajuste fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O senador Romero Jucá (PMDB-RR) apresentou proposta para reduzir, de 1,1% para 0,4% do PIB, a meta de superavit primário deste ano e de 2% para 1% a de 2016. Todo mundo sabe que o objetivo ambicioso de Levy, totalizando R$ 66,3 bilhões, não seria alcançado, mas, por credibilidade da política fiscal, seria importante que o próprio ministro anunciasse a redução.
Jucá, ao se justificar, disse que havia chegado “a hora da verdade dos números”, uma vez que o governo se especializou em pedaladas fiscais. O problema é que, mesmo mais realistas, as metas de superavit primário definidas pelo Congresso indicam que a esperada estabilidade da dívida pública não vai se confirmar. O endividamento cravou, em maio, o nível recorde de 62,5% do PIB. E vai continuar subindo, assim como o deficit nominal, que inclui os gastos com juros e já esbarram em 8% de todas as riquezas produzidas pelo país.
A sensação é de que os parlamentares estão contratando o rebaixamento do Brasil pelas agências de risco, que, certamente ficou mais perto, diante da ratificação, pelo Senado, do projeto que vincula a correção das aposentarias superiores ao salário mínimo à política de reajuste do piso salarial. É como se jogassem uma pá de cal na possibilidade de reação da economia a partir do ano que vem. Mais do que isso: estão atropelando todo o bom senso com o intuito de tornar insustentável a permanência de Dilma no poder.
Insensatez custa caro. Se os parlamentares que fustigam o governo acreditam que poderão ratear o poder com a desejada queda de Dilma, devem se atentar que quebrar o país não beneficia ninguém. Muito pelo contrário.
Observação de Delfim
» Ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto vem dizendo, em conversas com economistas, que o PT acabou como opção para o poder. Agora, só resta à legenda sobreviver como oposição.
Descaso com a confiança
» Dentro do governo, todos lamentam a falta de confiança no país. Dizem, sem meias palavras, que tanto Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda, quanto a presidente Dilma subestimaram o poder da credibilidade para um país.
Arrocho perto do fim
» Metade do mercado financeiro já acredita que o Banco Central dará mais uma alta de 0,25 ponto percentual nos juros, no fim de julho, para 14% ao ano, e encerrará o arrocho que tanto incomoda o Planalto.
Brasília, 00h10min