O pior da crise ficou para trás?
Nós paramos de piorar. A indústria estabilizou e começa um crescimento. Vamos chegar ao fim deste ano com a média próxima a 1%. Mas não é uniforme para todos os setores. Tem os que estão crescendo mais, como o setor automotivo e o de máquinas e equipamentos. O têxtil e a agroindústria também. Agora, outros ainda não tiveram o crescimento esperado, como fármacos, medicamentos e construção civil. Esse crescimento médio de 1% está sendo puxado pela indústria automobilística, fortemente baseado nas exportações.
A que o senhor atribui o fato de a indústria estar demorando tanto a se restabelecer?
São diversos fatores. Mas a crise política acabou se transformando em uma crise econômica, e a crise econômica piorou a crise política. O problema é que as políticas públicas baseadas em benefícios que não estavam estruturados acabaram por levar ao enfraquecimento do mercado interno, do consumo. As pessoas muito endividadas, os juros abusivos e o próprio crescimento mundial pequeno levaram a indústria brasileira e outros setores da economia a uma recessão muito grande. E o setor público, achando que apenas na caneta e no papel se resolve os problemas, criou regras e mecanismos sem imaginar as consequências para a economia.
A desoneração da folha salarial, um pedido da indústria, foi exagerada?
Foi sim. Na realidade, eu participei muito da discussão da desoneração da folha. Na época, a primeira discussão era para desonerar apenas o setor de máquinas e equipamentos, que estava enfrentando grandes dificuldades para competir com importados por uma série de fatores. Mas, com as pressões de outros setores e com um governo populista querendo agradar a todos, se abriu para o setor de serviços, de comércio, para todos.
Virou uma farra?
Conclusão: deu errado. O problema do incentivo não é que seja ruim. O mundo inteiro tem incentivo.
Mas é preciso controlar e ter direcionamento…
Sim. É preciso ter planejamento também. Os incentivos têm que ter objetivo determinado, data para começar e data para terminar. Não pode ser uma coisa que imagina que vai ficar eterna porque não funciona. É preciso dar condições para que o processo se sustente e, a partir de um determinado momento, a empresa passe a viver com as próprias pernas. Com a desoneração da folha, foi isso que aconteceu.
E para sair da armadilha da desoneração, o que o senhor acha que precisa ser feito?
Precisamos de uma reforma completa da questão tributária e fiscal no Brasil. Mas é preciso uma reforma que seja implantada aos poucos, em cinco, 10, 15 anos. De tal maneira que haja um período de transição. Entendemos que o estado brasileiro precisa de receitas para financiar seus gastos com educação, com saúde, mas também com o funcionalismo público e com as aposentadorias… Mas tem que haver um período de transição porque não vamos conseguir ter uma Previdência que pague a todos o maior salário possível eternamente.
A indústria brasileira sempre se beneficiou dos incentivos fiscais dados pelo governo. Sempre defendeu a reserva de mercado.
No passado, o Brasil inteiro pensava que a reserva de mercado era algo benéfico. Mas o Brasil evoluiu. A indústria evoluiu muito rapidamente e viu que o país só será realmente competitivo se formos capazes de competir no mercado externo e levar os nossos produtos para lá.
É onde está o jogo da verdade?
O mercado externo é um jogo pesado. É onde tem uma competição que avalia não só a qualidade, a inovação, o gosto do consumidor, mas também o custo em geral. Nenhum consumidor fora do seu país quer comprar um produto que tenha impostos embutidos. E, no Brasil, as nossas exportações ainda tem um conteúdo grande de imposto embutido, porque a nossa legislação tributaria é muito complexa e não consegue desonerar a cadeia produtiva.
Mas há incentivos…
O governo cria um mecanismo no qual dá ao empresário ou ao produtor o direito de alguma coisa que ele não paga. Os estados não pagam as empresas e a União não paga os estados no caso da Lei Kandir. É um negócio que todos fingem que existe. O Reintegra, que era um mecanismo para desonerar os produtos de impostos escondidos, começou com 3% sobre as vendas externas, chegou a 0,1%, agora está em 1%, e, mesmo assim, eles não pagam os exportadores e toda hora ameaçam tirar. E, quando ameaçam tirar, atrapalham toda a negociação de venda de um produto lá fora.
Por que a China ganhou fatia de mercado nas últimas décadas e o Brasil continua com apenas 1% de participação das exportações globais?
Primeiro, porque tem um regime político mais rígido. Segundo, há determinações que independem das negociações como as do Brasil, que tem as ideologias, os partidos… Na China, só tem um partido. A ideologia é única. Não estou entrando na questão se é boa ou não. Aqui tem 30 partidos, não sabemos quantas ideologias. Há partidos que não são baseados em ideologias e sim em fisiologias. As negociações são complexas, são muito difíceis, e ainda se convive com insegurança jurídica, fruto de falta de respeito de uma instituição com outra. Hoje, vemos as instituições se digladiando para ver quem tem mais poder.
O senhor se refere ao Supremo Tribunal Federal?
A tudo. STF, Ministério Público, STJ (Superior Tribunal de Justiça)… E, por outro lado, ainda tem a incerteza de que é fruto de uma desobediência civil. O governo aprova uma reforma trabalhista, mas a maioria dos juízes diz que não vai seguir. Eles alegam que a nova lei tem inconstitucionalidades. O empresário fica sem saber se eles vão seguir. Mas temos o STF, que é o foro adequado para se discutir isso, e não cada um. Se todos os brasileiros resolverem escolher o que vão cumprir, o país deixa de ser uma organização para ser uma anarquia.
E é por conta dessa confusão que a taxa de investimento é tão baixa?
Essa confusão tem consequências. É a taxa de investimento baixa, a insegurança jurídica… Os empreendedores não sabem se podem empreender ou não. Isso vai levando o país a uma situação de descrédito. E, nesse embate jurídico, todo mundo quer legislar. O Congresso tem obrigação de legislar, mas os ministérios querem legislar. O Ministério Público quer legislar. O STF tem obrigações constitucionais, mas os tribunais de controle querem legislar. Todo mundo.
O senhor acha que as agências reguladoras cumprem o papel?
Não cumprem. Agência reguladora tinha que dar segurança para as empresas investirem no Brasil dentro das normas legais. E elas querem ser legisladoras e tem interesses diversos embutidos nessa questão toda.
A eleição está chegando, com dois candidatos que lideram simbolizando dois extremos, da direita e da esquerda. Isso pode impactar os negócios e o processo de retomada?
O Brasil vive muito do achismo. Achamos que, lá na frente, como nosso Deus é brasileiro, vamos eleger alguém equilibrado, bom, que vai pensar no futuro do país, dar um jeito no Brasil e fazer as mudanças necessárias. Mas isso pode não acontecer. Podemos realmente eleger alguém dos extremos. E isso não será bom para o Brasil.
Em que sentido? Por quê?
Primeiro, porque o Brasil hoje precisa de líderes equilibrados que possam conduzir o país. O nosso sistema político não vai mudar. É um sistema de coalizão. Precisamos de pessoas que saibam criar essa união no Congresso Nacional e que saibam promover o debate. O Brasil não precisa de extremos. Grande parte dos problemas que temos hoje foi por termos tido os últimos governos muito ideológicos.
O senhor acha que, dependendo do resultado das eleições, isso pode ser agravado?
Eu acho que sim.
E qual seria o resultado para o país?
Seria um desastre. Precisamos de um pouco mais de equilíbrio, de pessoas ponderadas, que planejem o futuro do Brasil de maneira organizada, que coloquem o Brasil nos trilhos, para ter um rumo. O Brasil não tem plano. Hoje, olhando para frente, não se sabe para onde o país vai. Estou vendo jovem indo embora e empresários deixando de empreender porque ser empresário no Brasil é muito difícil, com toda a burocracia e todas as divergências.
O empresário brasileiro é um masoquista?
O STF toma decisões como tomou a respeito da cobrança de PIS/Cofins sobre a base de cálculo do ICMS determinando que o governo não possa tributar sobre outro tributo. Não se pode ter imposto sobre imposto e a Receita Federal não cumpre. Se o próprio governo não cumpre as determinações legais do Brasil, como fica? É a mesma coisa na Justiça do Trabalho, que fala que não vai cumprir uma legislação que foi aprovada na Câmara, no Senado e foi sancionada pela Presidência da República… Então, o empresário pode chegar e falar que tem uma obrigação de pagar imposto e também não vai pagar.
E pode chegar a esse ponto?
Não sei se eu estou falando demais. É uma coisa que revolta. O Brasil tem castas beneficiadas e setores que não pagam impostos. Uma inflação de 3%, uma taxa Selic de 7,5%, que ainda é alta, e uma taxa de juros de cartão de crédito de 340%. Se uma empresa vai ao banco tomar empréstimo hoje vai pagar Selic mais 10%, ou seja, mais de 17% ao ano — praticamente cinco vezes a inflação —, sendo que uma atividade econômica na indústria dá um retorno de 8% a 10% ao ano. Isso inviabiliza qualquer negócio. Eu falo o seguinte: entro em banco só para me esconder da chuva. (Risos)
Virou bagunça?
Está complicado.l Quem deveria dar o exemplo não cumpre, do ponto de vista de tributos, da legislação. Faz o contrário. O juiz fala que não vai cumprir a lei trabalhista que foi aprovada. Por que o empresário vai ter que cumprir? Se a Receita Federal fala que deve, não nego, mas não pago… Precatório é um instituto no Brasil que ninguém cumpre. Lei Kandir ninguém cumpre. Não sabemos para onde o Reintegra vai…
Dá para dizer que o Brasil é um país sem lei?
Não. Nós temos até muitas leis. Mas o que está faltando, hoje, é respeito às instituições, à legislação e à autoridade.
Brasília, 10h28min