Os principais indicadores da economia brasileira ainda apresentam dados inconclusivos. O pior ficou para trás?
Sim. Nenhuma recuperação econômica é linear. Isso aconteceu nos Estados Unidos e na Europa no pós-crise. Você vê que os dados começam a melhorar, depois fraquejam um pouquinho. Mas o que importa é a direção, e ela é de melhora. Nesse sentido, dizemos que o pior ficou para trás. E por que temos alguma confiança de que a direção é de melhora, a despeito do ruído de curto prazo? Porque temos três teses básicas que fundamentam nosso cenário de retomada do crescimento, liderado pelo consumo. Primeiro percebemos uma melhora do balanço das famílias, com queda do endividamento. Segundo, há uma melhora do balanço operacional das empresas. Os estoques estarão muito baixo nas indústrias. Se o consumo crescer, haverá produção, porque os estoques caíram. E o nível de emprego na indústria já alcançou um patamar de estabilidade. Com alta da produção, haverá contratação. O terceiro aspecto diz respeito à ausência de pressões inflacionárias em 2018. Isso decorre do fato de que há ociosidade na economia, de um mercado de trabalho também ocioso, com dissídios bem-comportados e de folga nas contas externas. Se ocorrer uma aceleração forte de demanda, há espaço para absorvê-la.
O consumo já foi o motor do crescimento econômico no passado recente. Não corremos o risco de ter um novo voo de galinha?
A composição do crescimento importa para o futuro do que será a inflação. A má notícia, nesse caso, é que o governo não escolhe como será a retomada do crescimento. O governo concede os incentivos, com o Banco Central cortando a taxa de juros, autoriza saques de contas inativas do Fundo de Garantia [do Tempo de Serviço (FGTS)] e do PIS/PASEP — que são incentivos ao consumo. Mas, quando há uma reorganização da política econômica, por meio da aprovação de medidas como o teto dos gastos, cria Taxa de Longo Prazo (TLP), reduz os juros e tenta ajustar as contas públicas, não fica claro por onde virá o crescimento. Gostaríamos que fosse uma composição mais equilibrada. Esse ponto traz um olhar de cautela para 2019. Acho difícil que isso gere um problema de 2018. Se a única coisa que vier a crescer for o consumo, e o investimento ficar parado ou crescer devagar, isso gerará pressões inflacionárias com nova alta de juros. Temos no nosso cenário uma alta de juros em 2019 de 1,25 ponto percentual, com Selic voltando para próximo de 8% ao ano. Em parte, porque o investimento está tão baixo que essa demanda vai produzir alguma aceleração. Mas a pergunta é: é um voo de galinha ou não é? Eu acho que depende do exercício de esticar as perspectivas.
Como o reequilíbrio das contas públicas entra nesse processo? O que acontece se não aprovarmos a reforma da Previdência?
Aí o filme acontecerá de maneira muito mais rápida. A inflação vai acelerar rapidamente, não teremos condições de sustentar juros baixos. É crucial, para que o teto dos gastos fique de pé, que haja uma reforma da Previdência. Pode ser hoje ou em janeiro de 2019, com novo presidente eleito, de repente, com maioria no Congresso? Pode. Não precisa ser necessariamente agora. O país não vai quebrar se a reforma acontecer hoje ou em 2019. Dito isso, se perdermos a perspectiva de ter uma reforma da Previdência, o teto, que já não é fácil de cumprir com a reforma, fica absolutamente inviável. E aí teremos um problema olhando para frente. E como é possível resolver o problema de um país que não quer reformar a Previdência e que tem restrições como o teto dos gastos? Você pode resolver isso com inflação muito maior do que temos hoje em cinco ou 10 anos à frente. Ou o teto dos gastos não é cumprido e o governo aumenta os impostos. Nenhum dos caminhos é adequado.
Na prática, o cenário de retomada econômica é incerto?
Se pararmos para pensar quanto o PIB do Brasil caiu, o per capita caiu 10%, do pico ao vale da crise. Foi uma perda enorme do PIB (Produto Interno Bruto) per capita. A partir da queda de juros e do mínimo de incentivo ao investimento privado, com ambiente de negócios favorável, era para esse PIB recuperar não os 2,8% que projetamos, mas 4% ou 4,5% ao ano. Para pelo menos recuperar os níveis pré-crise, e depois haveria uma volta ao PIB potencial, seja lá qual for, de 2% ou 3%. Se o Brasil for capaz de arrumar minimamente seu ambiente de negócios, que é o que temos visto ser feito recentemente, eu consigo ver dois, três anos de crescimento forte. Mas não podemos flertar com uma dívida pública que equivale a 90% ou 95% do PIB. Não sabemos como os mercados reagiriam a isso. Uma coisa é ter a Grécia ou a Itália, com 150% ou 180% de dívida em relação ao PIB, fazendo parte da zona do Euro e tendo o Banco Central Europeu para salvá-los. Outra coisa é ser um país emergente com a dívida equivalente a 90% do PIB. Existe sim, um cenário onde as coisas não dão certo, que podem não caminhar. Mas sempre insisto na tese de que existe uma lei, uma emenda constitucional do teto dos gastos.
Diante desse contexto, o BC tem cortado juros. Essa queda de juros é sustentável?
A TLP e o teto dos gastos são duas ferramentas poderosas para ajudar que a taxa de juros, quando tiver que subir, suba menos que no passado. Acho que essa é a diferença fundamental em relação aos episódios passados em que ocorreu queda de juros. Com investimento em 16% do PIB, se a demanda crescer, haverá inflação, e teremos que subir os juros lá na frente. Acho bem provável que a alta de juros seja bem menor. Imagine que o BC suba os juros para 8,5% ao ano, no pior cenário, aos 9% ao ano. Ele vem dos 6,75%, que é nossa estimativa para o fim do ciclo, para 9% ao ano. Se os ciclos no Brasil ficarem contidos a variações menores, isso ajuda muito na percepção dos investidores de que o país tem juros mais baixos, de forma permanente. Além de isso impactar na solvência da dívida.
Há quem diga que o BC foi conservador e demorou a reduzir os juros. O que leva a crer que os juros ficarão abaixo dos 7% ao ano?
Tudo em política monetária tem custos e benefícios. No começo o BC tinha uma estratégia, que se provou vencedora, de manter as expectativas superancoradas. E isso teve um custo. O custo disso foi manter os juros mais altos por um tempo. Dado que a inflação ficará perto de 3%, poderiam ter começado a cortar mais cedo. Mas política monetária é uma arte bastante imprecisa. O bônus de terem mantido os juros alto foi ter garantido a ancoragem das expectativas de inflação. Exatamente daí que vem nossa projeção de juros de 6,75% no próximo ano. Uma vez que ele incorreu no custo, que foi importante para ancorar as expectativas, por que razão ele não vai usar a favor dele esse bônus conquistado? Bancos centrais que têm alta credibilidade e que têm as expectativas ancoradas por um período longo muitas vezes conseguem praticar a política monetária só na verbalização. O Ilan está nesse processo de ancoragem.
Mas o BC não tem sinalizado isso explicitamente para o mercado.
O Ilan tem dito duas coisas. Uma é que o fim do ciclo será gradual e aqui existem interpretações distintas. Há colegas que falavam que o gradual seria uma queda de 0,75 ponto percentual e outra de 0,5 ponto percentual. Mas por que o gradual não são quedas de 0,75, 0,5 e 0,25 ponto percentual? Eu consigo ler da comunicação do BC que contempla a possibilidade fazer três cortes. O que foi crucial no nosso cenário foi a projeção do Relatório de Inflação em que mostrou que, com Selic a 7% em todo o horizonte até 2019 a inflação ficava um pouco abaixo do centro da meta. Seja em 2018, seja em 2019.
Os juros abaixo de 7% ao ano teriam algum simbolismo?
Sim. Eu sei que isso não motivará a decisão do BC. Tenho certeza de que o BC tomará a decisão mais adequada do ponto de vista técnico. Mas poder olhar e dizer que o Brasil, pela primeira vez na história, terá juros abaixo do México tem um simbolismo. Mas, mais importante que isso, é eles acreditarem que podem manter os juros baixos por mais tempo.
O seu cenário traz uma alta de juros em 2019. Mas 2018 é um ano de eleição. Os juros não podem subir no próximo ano se houver instabilidade política?
Se olharmos o ambiente político hoje, já é seguro dizer que houve um razoável descolamento da política e da economia. Se parássemos para pensar que o presidente da República foi submetido a dois testes no Congresso e a bolsa flertava com o recorde histórico, o risco país em 170 pontos e o dólar bem-comportado, já é perceptível o deslocamento da economia em relação à política. O que teremos de potencial volatilidade em 2018 tem muito a ver com a forma como os candidatos vão se portar em relação à agenda econômica. A estratégia vitoriosa do governo Temer foi colocar uma equipe econômica forte e ele tem habilidade de dialogar com o Congresso. Essa combinação que traz o descolamento. Porque seria possível ter uma equipe econômica forte e um presidente sem capacidade de avançar na agenda de reformas. Ou poderia ter um presidente muito forte politicamente com uma equipe econômica fraca. Nenhuma dessas combinações teria sucesso. Quando olho para 2018, teremos taxa de juros baixa, com inflação baixa, com crescimento acelerando e emprego acelerando. Há um incentivo grande para que os candidatos se posicionem a favor de uma agenda de continuidade da política econômica porque estaremos colhendo os frutos das medidas tomadas.
O Congresso tem consciência da importância da agenda de reformas?
Volto ao exemplo recente. Se olharmos a configuração do Congresso um dia antes do impeachment de Dilma Rousseff, eu não saberia te dar essa resposta. Diria que não pareceria que os políticos que estão no Congresso saibam que é preciso votar teto dos gastos e as demais reformas. O fato é que ele votaram. O que quero dizer com isso? É que depende muito da habilidade do presidente de dialoga
Brasília, 06h15min