Se ajuste fiscal não sair, crise será muito pior

Publicado em Economia

POR ANTONIO TEMÓTEO E PAULO SILVA PINTO

 

As previsões para a economia brasileira no próximo ano tendem a ser moderadamente positivas, mas estão longe de insignificantes as chances de a situação voltar a piorar. São várias as preocupações dos investidores e dos analistas de mercado: quanto à vontade e à capacidade do governo de enfrentar interesses, consolidando o ajuste fiscal e a aprovação de reformas, como a da Previdência; com relação à continuidade da valorização do real frente ao dólar, efeito colateral da melhora da economia brasileira, que pode adiar a retomada das exportações; no tocante à resistência da inflação, que impede a redução mais rápida da taxa de juros; e, de modo amplo, pelas incertezas no quadro global.

 

O cenário mundial reúne problemas diversos e até contraditórios. Isso quer dizer que há riscos para o Brasil caso a demanda se recupere e caso a retomada seja lenta. O desafio na condução da política econômica do país é driblar os dois tipos de problemas, assim como um técnico de futebol não deve escolher entre uma defesa eficiente e um ataque forte: precisa das duas coisas.

 

Um exemplo do que o país e o mundo enfrentam ocorreu na sexta-feira. Janet Yellen, a presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), fez declarações em um evento que sugerem a alta dos juros nos Estados Unidos em setembro próximo, antes do previsto, provocando a alta da moeda norte-americana. Isso poderá reduzir a entrada de recursos estrangeiros no Brasil e postergar a redução da Selic, a taxa básica fixada pelo Banco Central (BC), de 14,25% ao ano.

 

O custo dos empréstimos é um dos maiores obstáculos à retomada dos investimentos. “Os juros ainda estão muito altos aqui para permitir uma recuperação mais forte”, ressalta o economista Renato Fragelli, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (EPGE/FGV).

 

Ociosidade

 

Quando se leva em conta a persistência da crise, há um aspecto que está no radar de poucos analistas. José Mário Camargo, economista-chefe da Opus Investimentos, é um deles. “Há uma capacidade ociosa enorme em todo o mundo”, destaca. Para ele, quando a demanda for retomada com força, as fábricas instaladas na China serão as primeiras a absorver novas encomendas, o que poderá adiar a recuperação no Brasil. A estimativa dele é de que o Produto Interno Bruto do segundo trimestre caia 0,6%. No ano, prevê redução de 3,2%.

 

Camargo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), destaca que só a melhora das contas públicas pode mudar as perspectivas de crescimento do país. “A crise fiscal é profunda. Somente as reformas podem favorecer a retomada da atividade”, destaca. Fragelli vai na mesma linha. “É preciso melhorar o ambiente institucional com um tripé de reformas: A DRU (Desvinculação de Receitas da União), o teto de gastos públicos e a da Previdência. Sem qualquer uma dessas três, tudo desaba”, alerta.

 

Há muitas dúvidas sobre o que vai ocorrer de fato. “Claro que, ao buscar a aprovação de tudo isso, o governo vai ter de ceder em algo. Faz parte da negociação. Mas se as propostas forem desfiguradas, isso não vai ter efeito”, lembra Thaís Marzola Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados, para quem o PIB do terceiro trimestre cairá 0,6% e o do ano, 3,6%. Ela tem dúvidas de que mesmo no quarto trimestre se consiga resultado positivo — crescimento mesmo, só em 2017.

 

Fundo do poço

 

Vários analistas destacam que todo o quadro positivo que está se desenhando pode se reverter caso as reformas não sejam aprovadas, levando até mesmo a uma nova fase de recessão. “O fundo do poço está para trás. Mas, se as reformas não forem feitas, poderemos descobrir que o poço tem outro fundo, mais embaixo”, diz Eduardo Velho, economista-chefe da A2A INVX Global. “O mais importante é procedermos com o ajuste fiscal para que a economia se recupere nos próximos anos”, diz economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall.

 

Aumento da dívida

 

A economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, prevê queda de 0,6% do PIB no segundo trimestre e de 3% no ano. Na avaliação dela, o governo e o país não podem temer o eventual efeito recessivo do ajuste fiscal, pois, sem a retomada dos superavits primários e a reversão do aumento da dívida, não haverá retomada sustentada do crescimento. “Muitos associam o ajuste à recessão. Entretanto, quanto mais rápido ele for executado, com maior velocidade sairemos da crise”, afirma.

 

Susto com servidores

 

Os investidores estão atentos a todos os movimentos do governo. E algo que os assustou recentemente foi o recuo na regra que impedia o aumento de salários de funcionários públicos. Esse item entrou no projeto de renegociação das dívidas dos estados, mas foi retirado mais tarde do texto. Para o governo, o recuo na renegociação das dívidas dos estados foi pouco significativo. O argumento é de que a inclusão do veto dos aumentos era um pedido dos governadores, que, no entanto, não fizeram pressão nas bancadas para aprová-lo. O Executivo decidiu tirar esse item para não colocar em risco a aprovação do teto de aumento de gastos para os estados, isso sim considerado essencial para harmonizar com o que se pretende fazer no âmbito federal.

 

O prognóstico das reformas é visto como favorável no Palácio do Planalto e no Ministério da Fazenda. A Desvinculação de Receitas da União (DRU) foi aprovada na semana passada. E o governo conta com uma vitória nos próximos dois meses com o aval da Câmara dos Deputados à proposta de emenda constitucional (PEC) do teto para gastos públicos, que terão como limite o valor do total do ano anterior corrigido pela inflação. A promessa foi feita pelo presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Na opinião de um integrante da equipe econômica, há certa ansiedade do mercado com o tema. “Às vezes reclamaram que o projeto está parado. E eu respondo: tem que estar parado mesmo, é o prazo regimental. Mas vai avançar no tempo certo”, comenta.

 

A equipe econômica tem clareza de que as reformas só terão efeito se realizadas em conjunto. A estratégia é aprovar antes a PEC dos gastos, pois isso criará um incentivo extra para a aprovação da reforma da Previdência, a ser enviada nos próximos meses pelo Executivo ao Congresso. O custo das aposentadorias cresce rapidamente a cada ano. “Se a situação continuar assim e o teto de gastos já estiver em vigor, não sobrará dinheiro para emendas parlamentares”, argumenta um técnico próximo ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. “A única maneira de evitar a situação será aprovar a reforma da Previdência”, vaticina.

 

Outro técnico da Fazenda chama atenção para o fato de que, se o mercado tivesse tantas dúvidas quanto ao futuro, não haveria indicadores favoráveis: alta da bolsa, queda do dólar e do risco-país e volta das empresas brasileiras ao mercado internacional de títulos.

 

Brasília, 13h04min