ROSANA HESSEL
A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou suspender, nesta sexta-feira (5/11), a execução das emendas do relator-geral, as chamadas RP9, do Orçamento de 2021 “integral e imediatamente”.
Essas emendas fazem parte do chamando “orçamento secreto” denunciado pelo jornal O Estado de São Paulo e que os partidos de oposição questionaram na Justiça devido à falta de transparência dos gastos.
A decisão é liminar, e, portanto, ainda temporária e será preciso o julgamento definitivo da ação. Rosa Weber é relatora de três ações sobre o tema, apresentadas pelos partidos Cidadania, PSB e PSOL. Agora, a determinação precisará ser cumprida pelo Senado, pela Câmara, pela Presidência da República, pela Casa Civil e pelo Ministério da Economia.
No despacho de 49 páginas em relação à ação do PSOL, a ministra afirmou que o Congresso Nacional “institucionalizou uma duplicidade de regimes de execução de emendas parlamentares: o regime transparente próprio às emendas individuais e de bancadas (RP6 e RP7) e o sistema anônimo de execução das despesas decorrentes das emendas do relator”.
Além da suspensão da execução dessas emendas do relator-geral, a ministra também determinou “ampla publicização” dos documentos sobre a distribuição dos recursos das RP9 dos Orçamentos de 2020 e de 2021.
No documento, a ministra ainda destacou que o fato de a RP9 recair sob o “signo do mistério” é “incompatível com a forma republicana e o regime democrático de governo a validação de práticas institucionais por órgãos e entidades públicas que, estabelecidas à margem do direito e da lei, promovam o segredo injustificado sobre os atos pertinentes à arrecadação de receitas, efetuação de despesas e destinação de recursos financeiros, com evidente prejuízo do acesso da população em geral e das entidades de controle social aos meios e instrumentos necessários ao acompanhamento e à fiscalização da gestão financeira do Estado”.
Repercussão
De acordo com levantamento da Associação Contas Abertas, o governo liberou R$ 900 milhões dessas emendas às vésperas da votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, realizada na última quarta-feira (3/11) na Câmara dos Deputados.
A liminar foi elogiada pelo especialista em contas públicas Gil Castello Branco, secretário-geral da Contas Abertas. “A ministra Rosa Weber impediu a continuidade do ‘jabá orçamentário bilionário’. O STF confirmou o que todos sabiam. As emendas de relator são inconstitucionais. O pior e mais promíscuo instrumento de barganha entre o Executivo e o Legislativo nas últimas décadas foi interrompido pelo STF”, afirmou. Conforme dados da entidade, apenas em outubro, foram liberados R$ 2,9 bilhões dessas emendas, recorde para o ano.
No primeiro turno da Câmara, o governo conseguiu aprovar a PEC dos Precatórios com margem de quatro votos acima do mínimo necessário (308), ajudada por alguns deputados da oposição. A matéria propõe um calote em dívidas judiciais e ainda acaba com o teto de gastos, abrindo um espaço fiscal de quase R$ 100 bilhões no Orçamento de 2022, praticamente o dobro do que o governo diz ser necessário para financiar o novo Bolsa Família.
Na avaliação de Castello Branco, o governo terá dificuldades para sem poder sacar essas emendas para negociar voto na próxima terça-feira para o segundo turno de votação da matéria. “Essa votação vai ser emocionante”, destacou.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), também elogiou, nas redes sociais, a decisão da ministra Rosa Weber ao exigir transparência sobre tudo que envolve o “orçamento secreto”. “Foi nossa luta desde o início, pois é urgente cortar o fluxo de recursos que alimentam ineficiência e corrupção. O Brasil merece uma política honesta e transparente”, escreveu. Em junho, Vieira acionou o STF, juntamente com o Cidadania, por meio de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), solicitando a paralisação dos repasses das emendas de relator (RP9) previstas no Orçamento 2021 por falta de transparência.
O líder da Oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), ressaltou que a decisão do STF confirma as denúncias sobre as irregularidades desse “orçamento secreto”. “A liminar concedida pela ministra Rosa Weber vem para confirmar o que sempre dissemos: as emendas de relator promovem sigilo sobre o Orçamento, dificultando seu acompanhamento e fiscalização. Além disso, esta decisão é extremamente importante para a proteção da democracia e do funcionamento do Congresso Nacional. O Orçamento público não pode ser usado para influenciar no resultado de votações no Parlamento, e nem ser manipulado secretamente. Um escândalo, que precisava acabar”, destacou.
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP), classificou a decisão da ministra “importantíssima e correta” ao atender à ação do partido. “Basta dessa compra de voto descarada!”, escreveu nas redes sociais.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, ao se manifestar nas redes sociais sobre a liminar da ministra Rosa Weber, escreveu que a decisão foi “histórica” para nossa democracia e “necessária”. “A execução orçamentária das emendas exige transparência e não pode servir às barganhas do momento. Somos um país pobre e as poucas verbas para investimento devem ser acompanhadas por todos”, destacou.