Rombo no sistema de previdência dos estados chegará a R$ 79 bi neste ano

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POR CELIA PERRONE

O rombo nos regimes próprios de previdência dos estados cresce em ritmo acelerado. Estudo da Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados mostra que todos os 26 estados e o Distrito Federal apresentarão deficit nos sistemas previdenciários neste ano. O buraco vai atingir R$ 78,8 bilhões — um aumento de 22,5% em apenas um ano, já que, em 2015, o saldo negativo foi em R$ 64,3 bilhões. Os maiores rombos serão em São Paulo, com R$ 17,4 bilhões, Minas Gerais (R$ 13,9 bilhões), Rio de Janeiro (R$ 8,7 bilhões) e Rio Grande do Sul (R$ 7,7 bilhões).

Diante desse quadro, analistas avaliam que a reforma da previdência tem grandes chances de ser aprovada no Congresso no que depender de estados e municípios: com as contas em frangalhos, as mudanças viriam a calhar para melhorar a saúde fiscal dos entes federativos, a partir da equiparação de regras dos regimes públicos aos da iniciativa privada. De acordo com economistas que estudam o assunto, se nada for feito, em mais alguns anos, governadores e prefeitos não terão dinheiro para pagar a aposentadoria dos servidores.

“Não há estado ou município que não esteja com a corda no pescoço. Mas, há poucas semanas, começaram a aparecer condições políticas para que a reforma da previdência saia do papel. Acredito que, se o governo encaminhar o projeto ao Congresso logo depois do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, os governadores pressionarão as bancadas para que as medidas sejam aprovadas”, afirma Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo.

Os regimes próprios de previdência dos estados estão quebrados devido à má administração e à corrupção. Muitos dos sistemas foram usados para enriquecimento ilícito e, nos últimos anos, governadores rasparam o que ainda havia de recursos nos caixas da previdência para pagar salários de servidores. Uma das propostas em discussão é a de que os regimes próprios estaduais sejam incorporados pelo Funpresp, o fundo de pensão criado em 2013 para complementar a aposentaria dos servidores federais.

Perigo

Paulo Tafner, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), observa que o enorme desequilíbrio das contas públicas está associado ao nó previdenciário. “Cerca de 80% do deficit fiscal tem origem nos sistemas de previdência. Isso constrange o crescimento do país. Um líder que tenha consciência vai enfrentar a questão. Caso contrário, não vamos crescer nem criar empregos”, alertou. Tafner acredita que os congressistas começaram a enxergar o perigo. “Eles estão vendo que, se não vierem ajustes que deem funcionalidade ao sistema, não sobrará dinheiro nem para as emendas parlamentares”, avalia. Segundo Zylberstajn, de cada R$ 3 arrecadados com impostos hoje, R$ 1 vai para o pagamento de aposentadorias e pensões.

Para José Cechin, ex-ministro da Previdência Social, a questão, agora, é essencialmente política e não mais técnica. “O sentido de urgência para construir a viabilidade política é vital. A previdência está explodindo todos os dias, amarrando investimentos, impedindo gastos em setores como saúde e educação, e pode quebrar o Tesouro Nacional, como já fez com alguns estados”, sentenciou.

Paridade

De acordo com Tafner, uma das principais questões a ser atacada é a regra da paridade, que atrela os aumentos de salários dos servidores da ativa aoss benefícios recebidos por aposentados e pensionistas. “Tem que mudar a Constituição e acabar com a paridade. Cada vez mais, os tributos pagos a estados e municípios vão para a folha de salários e aposentadorias. Ainda existem estados que geram pensões para filhas de servidores da área jurídica”, ressalta. “Isso significa que a dívida será carregada até o final deste século, e o cálculo foi feito antes do aumento generoso que o Supremo Tribunal Federal (STF) está pleiteando”, indigna-se.

Nas contas do pesquisador do Ipea, mantida tal situação, nem com a criação de cinco CPMFs será possível interromper a trajetória de alta da dívida do setor público. “Em 2015, considerando União, estados e municípios, o buraco dos sistemas próprios de previdência ficou em R$ 132 bilhões para o pagamento de 4 milhões de aposentados e pensionistas. Desse total, R$ 32 bilhões foram para apenas 300 mil aposentadorias e pensões de militares. O rombo do INSS, que atende aos trabalhadores da iniciativa privada, somou em R$ 85 bilhões, para 30 milhões de beneficiários. A situação é de profunda iniquidade e injustiça, e a sociedade não aguenta aumento de carga tributária e nem tem mais como pagar o pacto da Constituição de 88”, avalia Tafner.

Regimes especiais

Especialistas afirmam ainda que enfrentar a questão dos regimes especiais é fundamental para estados e prefeituras. Professores, por exemplo, podem se aposentar depois de 25 anos de contribuição (mulheres) ou 30 anos (homens). São 2,5 milhões de profissionais no país, sendo que 80% são mulheres e 80% estão no serviço público. “Aos 55 anos, 90% das professoras estão aposentadas”, salienta Cechin.

Tafner acrescenta que, para cada R$ 1 gasto com professores na ativa, R$ 4 reais vão para inativos. “É por isso que estados e municípios resistem tanto a dar aumento para a categoria. Não há como melhorar a educação com essa despesa explosiva com os inativos”, argumenta.

Na polícia militar, o problema é ainda pior. Para cada R$ 1 gasto com um coronel na ativa, há R$ 50 em despesas com inativos. “O afunilamento de carreira é um entrave para a profissão. Enquanto não morrer um coronel, outro não pode ser promovido. Chegando aos 46 ou 48 anos, o militar é obrigatoriamente reformado porque não tem mais como ser promovido. É preciso fazer mudanças na carreira e esticar a idade para que a reforma desses profissionais aconteça aos 60 anos, pelo menos”, afirma Tafner.

O problema é que os sindicatos dessas categorias são fortíssimos. “É como se toda a sociedade tivesse sido capturada pelo sindicalismo da carreira pública, onde o dinheiro dos impostos é gasto apenas na folha de pagamentos de salários e aposentadorias”, destaca o pesquisador.

Pressão sobre os juros

A queda dos juros e o consequente crescimento da economia só ocorrerão se for feito o ajuste fiscal, com a reforma da previdência encabeçando o processo, observa o professor Hélio Zylberstajn, da USP. Investidores só voltarão a aplicar no país se ficar claro que o governo tem capacidade de pagar a dívida pública. “Como economizar com juros sem mexer com a previdência? Esse risco embutido (de inadimplência com as contas previdenciárias) também influencia a taxa de juros”, analisa.

Brasília, 12h35min

Vicente Nunes