ROSANA HESSEL
As contas do governo federal encerraram junho com deficit primário de R$ 73,6 bilhões, conforme dados do Tesouro Nacional divulgados nesta quinta-feira (29/07). O saldo foi pior do que o esperado pelo mercado para o resultado do governo central — que inclui Tesouro, Banco Central e Previdência Social. Conforme dados do Prisma Fiscal, do Ministério da Economia, a mediana das expectativas dos agentes financeiros era de um deficit de R$ 56,9 bilhões.
O resultado negativo de junho é o segundo pior da série histórica do Tesouro, iniciada em 1997, reflete a soma dos deficits de R$ 18,4 bilhões, nas contas do Tesouro e do Banco Central, e de R$ 55,1 bilhões, nas da Previdência Social. Vale lembrar que o desequilíbrio das contas públicas é recorrente, pois as despesas do governo superam as receitas desde 2014.
Em relação a junho de 2020, quando o governo postergou o recolhimento de tributos em meio a pandemia e ampliou os gastos no combate aos efeitos econômicos da pandemia de covid-19 e registrou rombo de R$ 194,8 bilhões, o dado teve melhora de 65,2% em termos reais (descontada a inflação) no resultado primário. Na mesma base de comparação, a receita líquida cresceu 57% e a despesa encolheu 34,6%, ambos em termos reais, para R$ 110,5 bilhões e R$ 184,1 bilhões, respectivamente.
De acordo com o órgão, o aumento da arrecadação foi impulsionado pela retomada da atividade e a queda das despesas ocorreu, principalmente, pela redução dos pagamentos de créditos extraordinários e de apoio financeiro a estados e municípios na comparação com junho do ano passado, “respectivamente, -R$ 70,7 bilhões e -R$ 21,3 bilhões”. Outros itens destacados para explicar essa redução dos gastos estão relacionados à antecipação do pagamento de 13º das aposentadorias, na primeira metade do ano, e à redução dos valores do auxílio emergencial pagos neste ano em comparação aos valores do benefício no início do programa, de R$ 600.
No acumulado do primeiro semestre, o deficit primário das contas do governo central somou R$ 53,7 bilhões, uma redução de 88,4%, em termos reais, em relação ao rombo de R$ 417,3 bilhões contabilizado no mesmo período de 2020. Esse resultado reflete a diferença do superavit primário do Tesouro Nacional, de R$ 105 bilhões e dos deficits de R$ 291 milhões, do Banco Central, e de R$ 158,4 bilhões, da Previdência Social.
O secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, evitou fazer comparações com o resultado primário de 2020, que apresentou os piores resultados da história por conta da pandemia, mas reconheceu que o saldo negativo de junho também foi muito ruim, apesar da melhora em relação aos dados do ano passado. ” As magnitudes das medidas envolvidas no combate à covid-19 tem dificultado as comparações do resultado do Tesouro. Neste mês, em particular, estamos comparando um deficit forte com o maior deficit da história. Não só temos um saldo negativo que é pior do que o padrão, como a base de comparação é muito depreciada para comparações pontuais”, disse.
De acordo com o subsecretaria de Planejamento Estratégico da Política Fiscal, Pedro Jucá Maciel, a falta de reajustes salariais neste ano tem ajudado os órgãos do governo federal cumprirem com folga os limites de gastos previstos na regra do teto — que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior — no primeiro semestre de 2021.
Bittencourt reforçou a importância de o governo continuar respeitando as regras fiscais e defendeu o discurso da consolidação fiscal para reequilibrar as contas públicas. Mas ao ser questionado sobre os riscos de um desequilíbrio a partir do próximo ano, já que o presidente Jair Bolsonaro sinalizou que pretende conceder reajuste aos servidores, o secretário do Tesouro evitou comentar sobre o assunto.
O secretário do Tesouro considerou positivo a possibilidade de o governo reduzir o valor o rombo projetado na meta fiscal “para qualquer ano”, mas não confirmou uma iniciativa da pasta nesse sentido. “Sempre que pudermos alterar meta para melhorá-la, isso será visto com bons olhos”, disse Bittencourt.
Na avaliação do especialista em contas públicas Fabio Klein, da Tendências Consultoria, essa melhora dos resultados fiscais em 2021 em relação aos dados de 2020, que foram um ponto fora da curva por conta da pandemia, não é motivo de comemoração. “Os dados ainda estão muito confusos e há um componente inflacionário que está ajudando a melhorar as receitas e que não é positivo, do ponto de vista estrutural. É preciso um olhar mais detalhado para os números para poder comparar melhor”, disse.
O analista lembrou que a inflação que está corroendo o poder de compra do brasileiro está ajudando o governo a registrar uma receita com tributos maior que é resultado dos reajustes de preços ao consumidor, principalmente. Além disso, também ajuda a melhorar a previsão da dívida pública bruta em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), que está diminuindo porque o denominador, que é o PIB nominal, está sendo corrigido para cima. Logo, uma base maior reduz a relação dívida-PIB, o que é um efeito contábil e que não necessariamente reflete uma maior austeridade do governo no combate ao aumento de despesas.
“A inflação explica, em grande parte, a surpresa no aumento da arrecadação federal, mas também ajuda a aumentar o PIB e, por conta disso, o país deverá encerrar 2021 com um percentual ainda abaixo do registrado em 2019, que foi 20,8% do PIB”, alertou. Pelas estimativas de Klein, neste ano, a arrecadação federal “não deve chegar a 20% do PIB”.