REMENDOS E IMPROVISOS

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O país está à beira do colapso fiscal. A presidente Dilma Rousseff, que embarcou para Paris, tanto fez que conseguiu levar o governo à paralisia. Sem meta fiscal para este ano, o Tesouro Nacional será obrigado a suspender, a partir de 1º de dezembro, uma série de pagamentos. Apenas o que é considerado essencial para o funcionamento da máquina será honrado. O chamado shutdown seria um problema menor se Dilma e o Congresso tivessem entendido a dimensão do caos que pode se instalar no Brasil. Infelizmente, a petista e a maior parcela de parlamentares só estão preocupadas em garantir os mandatos.

A crise fiscal não vem de hoje. Veio sendo construída com disposição, como se não houvesse amanhã. De olho na reeleição da presidente Dilma e no projeto de poder do PT, o Tesouro Nacional deu início a uma farra com o dinheiro público, que levou o país a um salto espetacular no seu endividamento. Para esconder a gastança, o Ministério da Fazenda usou de todos os tipos de artifícios a fim de maquiar as contas. Pedalou tanto as despesas, que criou um passivo com os bancos públicos de mais de R$ 50 bilhões, que não se sabe como e quando será pago.

Apesar dos alertas de que a situação fiscal poderia sair do controle, inclusive do Tribunal de Contas da União (TCU), que recomendou a rejeição das contas de 2014 e abriu precedente para o impeachment de Dilma, nem o governo nem o Congresso tiveram a preocupação de conter os estragos. Não à toa, hoje, em vez de o país estar discutindo medidas para a retomada do crescimento econômico, teme-se o risco de o governo decretar calote na dívida pública e de a praga da hiperinflação voltar. “Estamos diante de um quadro dramático”, admite Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos.

Depressão econômica

A fatura da desconfiança provocada pelo desajuste fiscal é assustadora. Na avaliação de Zeina, já não se pode mais falar em recessão, mas, sim, em depressão econômica. Enquanto o mundo crescerá entre 3% e 3,5% neste ano e nos próximos, o Brasil terá quedas superiores a 3% em 2015 e em 2016. Dependendo do que está por vir, também 2017 poderá ser dado como perdido. Com esse encolhimento da atividade, o desemprego vai disparar e conflitos sociais poderão tomar as ruas. Para ela, o Brasil perdeu a oportunidade de fazer o mais fácil, uma ajuste rápido e profundo, pois tinha o ministro certo para a missão, Joaquim Levy, que, infelizmente, só colecionou derrotas.

O que mais perturba diante da incapacidade do governo de arrumar as finanças do país é a trajetória da dívida pública. Quando Dilma chegou ao Palácio do Planalto, em 2011, o endividamento correspondia a 53% do Produto Interno Bruto (PIB). Dado o que se viu até agora — o rombo nas contas de outubro passou de R$ 12 bilhões —, é possível esperar que a relação entre a dívida e o PIB crave os 68 em dezembro%. Ao fim de 2016, encostará nos 75%, pois não se acredita que Levy conseguirá entrega a meta de superavit primário de 0,7% do PIB. O mais provável é que o próximo ano seja o terceiro seguido com deficit fiscal.

No entender de Zeina, não é exagero falar que o Brasil caminha para a desorganização macroeconômica, ficando cada vez mais parecido com a Argentina. “Esse discurso de que não há como nos assemelharmos ao país vizinho porque temos instituições sólidas não se sustenta. As instituições não estão fazendo o que precisa ser feito para evitar o pior”, acrescenta. Enquanto isso, a inflação está ganhando musculatura, o PIB, derretendo, e a dívida pública, a caminho da explosão. Nesse contexto, de nada adiantará o Banco Central elevar os juros. Só agravará o quadro fiscal.

Pressão da sociedade

A saída para o país desatar nó fiscal seria a sociedade pressionar governo e Congresso a enfrentar os desafios que estão colocados. A liderança desse processo teria de ser ocupada pela presidente da República. Mas, infelizmente, ela não demonstra a menor capacidade para isso. Dilma não consegue aglutinar uma base parlamentar. Parte dos que poderiam dar suporte a ela estão enredados pelas denúncias de corrupção investigadas pela Operação Lava-Jato. O líder do governo, Delcídio do Amaral, que deveria estar quebrando resistências no Legislativo ao ajuste fiscal, está preso.

O resultado disso, avalia a economista da XP Investimentos, será uma demora maior para o país se recuperar. “Não se está falando aqui da volta do crescimento sustentado. Mas de uma recuperação cíclica, normal depois de uma recessão profunda. Não veremos nem isso tão cedo”, assinala. Pior para a população, que terá de arcar com todo o ônus provocado pelo colapso fiscal. Dilma, como de praxe, vai tentar minimizar os problemas. O certo, porém, é que o Brasil está sem governo, vivendo de remendos e improvisos.

Não há salvação

» A gestora de recursos Franklin Templeton está prevendo queda de 3,5% para o PIB deste ano e retração de 4,3% em 2016. Com esses resultados, a economia voltará aos níveis de 2011, o primeiro ano de mandato de Dilma. Nos cálculos da Templeton, somente a absorção doméstica recuará 6% em 2015. Investimentos e consumo das famílias serão decisivos para o tombo da atividade. Não há perspectiva de recuperação à vista.

PIB do desastre

» A próxima semana dará o tom do que realmente será o PIB deste ano. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgará, na terça-feira, o resultado do terceiro trimestre. Pelos cálculos do economista-chefe do banco Santander, Maurício Molan, a retração da atividade foi de 1,4% ante os três meses imediatamente anteriores. Em relação ao mesmo trimestre de 2014, o tombo chegou a 4,4%.

Brasília, 08h30min

Vicente Nunes