ROSANA HESSEL
A reforma administrativa pelo Ministério da Economia, que prometia fazer uma grande modernização do Estado, é superficial e modesta, porque não ataca os principais problemas do inchaço da máquina pública e, muito menos, tem efeitos de curto prazo, seja fiscal, seja na melhoria da qualidade de prestação de serviços, de acordo com especialistas ouvidos pelo Blog.
Segundo eles, apesar de trazer uma boa discussão sobre a meritocracia no setor público, a proposta não corrige distorções salariais existentes dentro da esfera pública, e, muito menos, elimina qualquer tipo de penduricalho que são dados, principalmente, aos servidores que não têm mérito para isso e que continuarão onerando os cofres públicos por décadas a fio.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa divulgada nesta quinta-feira (03/09) pelos técnicos da Economia, vale apenas para servidores novos e não tem efeito algum sobre as castas do funcionalismo que continuam intocadas, como carreiras de estado, como auditores fiscais e diplomatas, e também parlamentares, magistrados e militares, ou seja, aqueles que possuem os maiores salários do funcionalismo e recebem uma série de benefícios e jetons que fazem com que os rendimentos fiquem acima do teto, atualmente de R$ 39 mil e, em alguns casos, superam R$ 100 mil. Logo, apesar do discurso do governo em conter gastos para garantir o pagamento de salários, a proposta não vai reduzir as despesas atuais e nem as futuras com a folha, que continuará sendo uma das maiores despesas do Orçamento da União, junto com Previdência Social e subsídios,
“Na realidade, essa proposta é só para mostrar que o governo Jair Bolsonaro não abandonou a ideia, mas ela não tem efeito imediato algum. Não enfrenta as ineficiências da prestação do serviço público e não tem impacto de curto prazo na área fiscal e na melhoria da qualidade, porque não cria nenhum mecanismo de avaliação dos servidores e de revisão das carreiras”, lamentou a economista e advogada Elena Landau. “O governo Bolsonaro finge que faz reforma. Não tem reforma. Essa proposta é para daqui a 20 anos”, criticou.
De acordo com o especialista em contas públicas Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), a proposta é positiva, apesar de atacar grandes problemas de forma modesta, como excesso de carreiras, penduricalhos e regras de progressão de carreira. “O efeito de curto prazo é baixo ou nulo. Mas é um passo modesto na direção certa”, afirmou.
“Servidores antigos ficam de fora, mas entendo que as questões de fim da licença prêmio, fim da progressão automática e outras mudanças nas regrinhas de ‘privilégios’, chamemos assim, podem se aplicar aos atuais também. Logo no início da apresentação, entendi que o que está preservada é a estabilidade e a remuneração de todos. De todo modo, não espere grandes efeitos fiscais dessa reforma já para o curto prazo. Os efeitos maiores serão maiores no médio e no longo prazos”, avaliou Salto.
Desigualdades persistem
A economista Juliana Damasceno, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), apesar de elogiar algumas proposta da PEC como o fim das férias de 60 dias e licenças prêmio, lamentou o fato de a proposta não atacar de forma mais incisiva sobre as desigualdades dentro do funcionalismo público, principalmente, para os servidores que têm remuneração mais baixa, como professores e profissionais da saúde, e que estão na ponta, ou seja, no atendimento direto da população.
“A proposta precisa de medidas que corrijam as desigualdades no setor público. Quem está na ponta, prestando serviço para a população é sempre o mais prejudicado. O que o governo poderia começar fazendo uma proposta mais ambiciosa no sentido de melhorar a distribuição da remuneração dos que ganham muito”, apontou. Ela também lamentou o fato de a proposta ser muito modesta em relação à intenção de fazer uma economia fiscal. “Existe muita desigualdade no setor público que precisa ser corrigido entre poderes, entre entes subnacionais e entre carreiras do funcionalismo”, afirmou.
Juliana lembrou que o governo não detalhou as medidas que precisam ser regulamentadas, inclusive, a definição das carreiras de estado. “A proposta é boa, mas é preciso entender que o impacto é de longo prazo e não mexe com os servidores da ativa, nem mesmo nos penduricalhos que eles recebem. Ou seja, a reforma é para um público que não existe. Corrige apenas as distorções futuras e não melhora os problemas atuais ainda vão custar muito caro para todos durante muitos anos”, resumiu.
Problemas não atacados
O governo não quis fazer uma reforma administrativa séria, e ainda vai criar problemas jurídicos para o futuro com a convivência de dois regimes jurídicos para o funcionalismo atuais e os novos. A PEC segundo Elena Landau, sequer atacou um dos principais problemas que é estabilidade para qualquer servidor, sem que ele tenha merecimento, porque não existe avaliação nos estágios probatórios por falta de legislação.
“Estabilidade só poderia existir no caso de perseguição política. Estabilidade não pode ser salvo conduto para faltar, não cumprir a função e não prestar um bom serviço à população. É preciso usar os conceitos que estão à mão para que a sociedade e o Congresso façam um aprofundamento dessa reforma e para que ela também tenha um efeito de curto prazo”, defendeu. No entender de Elena, é importante que o tema passe a ser melhor debatido pelos parlamentares. “A PEC do governo é de uma reforma tímida, para fazer uma cortina de fumaça. Mas ela coloca o assunto para ser debatido. E tem a possibilidade que a frente parlamentar melhore a proposta para garantir efeitos efetivos também no curto prazo”, acrescentou.
Elena e Juliana reconheceram que, se não houver uma boa regulamentação das novas regras da reforma, ela poderá ficar engavetada, criando vários contenciosos judiciais devido à convivência de dois regimes jurídicos.