O Tribunal de Contas da União (TCU) mergulhou numa grave crise por causa de um processo que investiga se a atuação do ex-juiz Sergio Moro causou prejuízos à construtora Odebrecht durante as investigações da Lata-Jato e se ele obteve vantagens pessoais ao trabalhar para o escritório de advocacia Alvarez & Marsal depois de deixar o serviço público. O escritório norte-americano presta serviços para a construtora, agora chamada Novonor.
O motivo de toda a crise está na decisão do ministro Bruno Dantas, do TCU, relator do caso, de negar ao procurador do Ministério Público de Contas, Júlio Marcelo de Oliveira, que oficie no processo. A alegação de Dantas é da e que Marcelo não é o procurador original da ação e, sim, o procurador Lucas Rocha Furtado. A questão é que Marcelo foi sorteado para o processo, como determinam as regras do próprio Ministério Público de Contas editadas em dezembro de 2020, sendo o procurador natural.
Desde dezembro de 2020, quando a representação feita ao TCU é autuada e vira processo, o procurador que acompanhará as apurações é sorteado e aquele que deu início à ação é afastado, sequer participa do sorteio. No caso, o procurador inicial é Lucas Furtado e o sorteado, Júlio Marcelo.
O caso ganhou tanta repercussão que chegou ao Congresso. E Júlio Marcelo, visto dentro do Tribunal como um defensor da Lava-Jato, ganhou o apoio do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que apresentou uma representação contra Bruno Dantas por abuso de autoridade.
Diante dessa guerra, duas entidades que representam carreiras do controle externo, a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas (ANTC) e a Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON), soltaram carta pública em defesa de Júlio Marcelo. Está claro que as feridas no TCU estão escancaradas.
Veja a íntegra da carta de desagravo a Julio Marcelo:
“A Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON) e a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), diante das controvérsias noticiadas quanto à representação objeto do TC 066.684/2021-1, que tramita no Tribunal de Contas da União, vêm a público, primeiramente, manifestar especial preocupação com qualquer ato processual ou entendimento que desnature o princípio do procurador natural, alcançando não apenas um caso concreto ou um membro específico do Ministério Público de Contas, mas a própria estrutura da instituição essencial para assegurar as garantias processuais previstas constitucional, legal e regulamentarmente.
A essência de regimes democráticos exige que as regras sejam formuladas e aprovadas a partir de pressupostos abstratos, bem como abstratas devem ser estruturadas as instituições de Estado, sem levar em consideração os eventuais e transitórios ocupantes de funções públicas, premissa de grande importância para o imparcial desempenho das funções do Ministério Público.
Harmônico com essa noção, em dezembro de 2020, o Ministério Público de Contas junto ao TCU editou norma específica (Portaria MP/TCU n. 02/2020) que determinou o sorteio do procurador natural que deve atuar em todas as fases de representação de iniciativa de qualquer membro do Parquet de Contas. Trata-se de princípio que consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer fases do processo, apenas o procurador sorteado, cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos nos normativos vigentes.
Além de ter assento em cláusulas constitucionais que asseguram a independência funcional e a inamovibilidade dos membros do Ministério Público, tal prática do MPC junto ao TCU converge com o procedimento vigente, por exemplo, no Ministério Público Federal-MPF, com a finalidade de assegurar a impessoalidade e a imparcialidade nos processos de controle externo, especialmente as representações. A atuação do Procurador Júlio Marcelo de Oliveira, no mencionado processo, deveu-se como medida necessária à concretização desse princípio, em natural e legítimo exercício das competências — e deveres correlatos — a ele atribuídos pela distribuição processual promovida pelo sistema automatizado do próprio TCU, razão pela qual figura inclusive como o representante do MPC na capa do caderno processual, harmonizando-se com a regra acima aludida.
No processo de consolidação da democracia, é saudável que as decisões tomadas pelos agentes públicos sejam submetidas aos sistemas de freios e contrapesos nos moldes previstos na Constituição da República e na legislação infraconstitucional em vigor, sendo legítimas todas as iniciativas voltadas para a observância do sistema.
Por todo o exposto, em aderência ao devido processo legal na esfera do controle externo, que passa pela necessária observância do princípio do procurador natural e pelo sistema de freios e contrapesos, a AMPCON e a ANTC se posicionam em defesa da necessária observância do princípio do procurador natural no âmbito do MPC junto ao TCU, neste e nos demais processos, em conformidade com o regulamento vigente editado pela instituição, assim como apoiam a atuação do Procurador Júlio Marcelo de Oliveira como Procurador natural do feito, no legal e legítimo exercício de suas funções, em desagravo às manifestações que afetam a sua conduta profissional, cujo histórico é de independente e probo exercício funcional.”
Brasília, 14h58min