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Pós-Copom, Bolsa segue em queda e perde patamar de 100 mil pontos

Publicado em Economia

ROSANA HESSEL

 

Um dia após o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, manter a taxa básica da economia (Selic) em 13,75% ao ano, pela quinta reunião consecutiva, conforme o esperado pelo mercado financeiro em meio às pressões do governo para uma queda forçada nos juros, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3), nesta quinta-feira (23/3) em clima de ressaca das bravas e perdeu o patamar de 100 mil pontos pela primeira vez desde julho de 2022.

 

O Índice Bovespa (IBovespa), principal indicador da B3, registrava queda de 0,47%, para 99.744 pontos, por volta da 12h30. De acordo com dados do TradeMap, esse é menor patamar desde 26 de julho de 2022, quando o IBovespa quando fechou em 99.772. O processo de queda prossegue e, às 14h30, a B3 tinha desabado mais, 1,56%, para 98.661 pontos. Enquanto isso, o dólar voltou a subir, sendo negociado a R$ 5,28, com alta de 0,80%.

 

No comunicado, o Copom resistiu às pressões do governo e foi bastante duro no tom do documento, não deu sinais de quando pretende começar a baixar a Selic. Além disso, reforçou o alerta de sobre a piora do cenário de riscos, tanto no mercado interno quanto externo, para as incertezas em relação à efetividade e o impacto do novo arcabouço fiscal e deixou a porta aberta para uma nova alta dos juros, caso as pressões inflacionárias persistam.

 

Marco Caruso, economista-chefe do Banco Original, não vê muito espaço para uma queda na Selic antes de outubro deste ano. Com projeções mais pessimistas do que as do mercado, ele prevê a taxa básica encerrando o ano em 13%, passando para 11% no ano que vem. “As condições pioraram desde a última reunião e, sem um arcabouço fiscal crível, fica difícil para o Banco Central dar um aceno mais contundente para uma queda da Selic. É preciso respeitar o rito, porque as projeções de inflação para este ano e de 2024, que é para onde o Copom está mirando, pioraram e continuam acima das metas (cujos tetos são de 4,75% e 4,50%, respectivamente)”, ressaltou. “Sem a aprovação do novo marco fiscal, será difícil uma mudança muito grande nessa trajetória. O comunicado é novamente duro, mas pode ser que eles atenuem o discurso na ata, elogiando os esforços do governo, como em fevereiro”, complementou.

 

De acordo com Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, a decisão do Copom, em si, não tinha novidades. “Mas o que o comunicado trouxe os modelos do Banco Central percebendo uma piora do risco inflacionário, sugerindo que, para o BC alcançar a meta de inflação, ele não pode cortar juros. Então, a mensagem é clara: não existe espaço pra cortar juros”, resumiu. Ele lembrou que o balanço de riscos desenhado pelo BC na nota está equilibrado dos dois lado, e, nos riscos de para a alta da inflação, o Copom colocou a política fiscal, que deve continuar desancorando as expectativas. “Esse é um sinal político para o governo, porque o BC não vê ainda a política fiscal ajudando a reduzir as expectativas de inflação do mercado. Então, o Comitê coloca o governo como um dos fatores que pressionam a inflação e juros pra cima”, acrescentou.  Para ele, esse dado político  no texto deixou a mensagem mais dura”.

 

Não à toa, após a decisão de ontem do Copom, integrantes do governo e a presidente do PT, Gleisi Hoffman, partiram para novos ataques ao Banco Central e ao seu presidente, Roberto Campos Neto. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que lamentou a decisão e considerou “muito preocupante” o comunicado do Copom também voltou a ser alvo de fogo amigo de integrantes do governo e do PT. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, disse, hoje, esperar uma ata do Copom, na semana passada, mais “imparcial”.

 

Vale lembrar que o resto do mundo está elevando os juros mesmo em meio a uma nova crise bancária global. Na semana passada, o Banco Central Europeu (BCE) elevou os juros básicos em mais 0,50 ponto percentual em um sinal de que estão bastante preocupados com a inflação, apesar do processo de desaceleração econômica em curso. Ontem, pouco antes da decisão do Copom, o Fomc, comitê de política monetária do Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), decidiu elevar os juros pela 9ª reunião seguida para o intervalo de 4,75% a 5% ao ano, o maior desde 2007. Após o comunicado do Fomc, justificando a alta de 0,25 ponto percentual devido à persistência das pressões inflacionárias, o presidente do Fed, Jerome Powell, não deu sinais de que deverá reduzir os juros neste ano, o que ajudou a derrubar as bolsas norte-americanas, ontem, e fez a B3 inverter o sinal e fechar no vermelho também.

Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), lembrou que, apesar de esperada, a manutenção da Selic no atual patamar deve prejudicar a atividade econômica. “Nós achávamos que o BC deveria baixar os juros, porque, depois de tanta paulada que levaram do governo, agora, iam manter para evitar a interpretação de que estariam fazendo isso por conta da pressão do governo, mesmo reconhecendo, internamente, que a taxa nesse patamar não se justifica. É lamentável essa decisão”, afirmou.  “Não faltam argumentos para a Selic cair. Nada justifica uma taxa de juros de 13,75% ao ano, quando as principais economias trabalham com juros negativos para evitar recessão.

 

Diante da nova turbulência política e as reações negativas do mercado de hoje, André Perfeito, consultor e ex-economista-chefe da Necton Investimentos, dez um alerta sobre os atritos em curso. “Chegamos assim na terceira derivada do problema. Haddad e sua equipe que já estão sendo atacados pelo PT e que estão sob a alça de tiro de parte da oposição terão que fazer mais do que é possível ser feito. O mercado crítica Lula caindo muito facilmente na retórica que ele, Lula, é radical, mas é Lula que ‘fala grosso com o mercado que está dando as salvas guardas para Haddad construir um plano fiscal mais austero”, destacou.

 

Na avaliação de Perfeito, alguém poderia argumentar que um rombo de de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano não é austeridade, “mas poderia se argumentar com igual facilidade que juros nominais neste patamar e em termos reais os maiores entre as principais economias não é também sensato”.