O discurso do novo primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, de que o governo vai controlar a imigração no país tem apoio de especialistas, mas há uma série de respostas que a administração pública precisa dar aos estrangeiros que decidiram viver em território luso. “Não queremos um país de portas fechadas, mas também não queremos as portas escancaradas”, afirma.
Hoje, não há uma política clara para essa questão e, pior, o atendimento dado aos imigrantes, que passam de 1 milhão — 10% da população de Portugal —, é aviltante. Há casos de famílias inteiras esperando por uma resposta da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (Aima) há mais de um ano, sem qualquer perspectiva de obtê-la a curto prazo.
“O que vemos, atualmente, em relação à Aima, é um atentado à dignidade humana”, diz o advogado Bruno Gutman, especialista em questões migratórias. Para ele, Portugal atrai pessoas de todo o mundo, por uma série de razões, contudo, não se preparou para dar respostas às demandas. “Tudo para na burocracia e na ineficiência”, acrescenta.
Há razões de sobra para que Portugal lance uma política migratória de qualidade, afirma o também advogado Fábio Pimentel, do escritório Pimentel Aniceto Associados. É um dos três países com a população mais envelhecida da Europa. Portanto, precisa de mão de obra em todos os setores da economia, já que não consegue formar profissionais em número suficiente.
Pimentel destaca que a política migratória deve levar em conta questões econômicas, e é isso que ele espera do governo de Montenegro. O primeiro-ministro já sinalizou que a prioridade será por trabalhadores qualificados, estudantes e famílias. “Porém, é importante ter em mente que, mesmo nos setores em que a mão de obra não é tão qualificada, há escassez de trabalhadores”, diz.
Portanto, a visão do Executivo e dos Legisladores deve ser ampla. “Não se pode pensar em uma política de imigração apenas para doutores. Afinal, quem vai trabalhar no atendimento de bares e restaurantes, quem vai limpar o chão, quem vai trabalhar na construção civil? Hoje, praticamente essas funções são ocupadas por estrangeiros”, ressalta Gutman.
Cidadãos da CPLP
A tendência, afirmam os advogados, é de o novo governo priorizar, na política migratória, os cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em especial, os brasileiros. O motivo é simples: a proximidade da língua. “Portugal tem a sua disposição vários países com a mesma língua e com forte identidade cultural. Isso é um ativo importante a ser explorado”, reforça Gutman.
No entender de Pimentel, dentro das novas regras de imigração a serem definidas pelo governo, uma das possibilidades é de as atuais autorizações de residência emitidas por meio de um acordo de mobilidade com a CPLP serem convertidas para o modelo tradicional, reconhecido pela União Europeia. Do jeito que esses títulos foram desenhados pela administração passada, há questionamentos por parte do bloco europeu, que não reconhece a sua validade fora de Portugal.
A situação é tão grave, que há riscos de 200 mil pessoas com autorização de residência pela CPLP voltarem à ilegalidade, porque não conseguem renovar os títulos. Desse grupo, mais de 170 mil são brasileiros. São vários os relatos de cidadãos que perderam os empregos nas últimas semanas, porque a documentação não foi atualizada. A promessa do governo passado era de que todo o processo de renovação seria automático.
A expectativa é de que Montenegro coloque a questão migratória no topo de suas prioridades, para evitar constrangimentos ao setor produtivo. Os empresários temem ser obrigados a demitir parte do pessoal pela incapacidade do governo de resolver as pendências. Esperava-se que o atendimento aos imigrantes melhorasse com o fim do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e a criação da Aima. Mas o que era ruim ficou pior.
“Ninguém hoje consegue acessar o sistema da Aima. Os problemas não estão apenas nas autorizações de residência pela CPLP. O caos é geral. Um desrespeito com milhares de trabalhadores que pagam todos os seus impostos em Portugal”, diz Gutman. “Até agora, ninguém tem uma explicação clara do porquê da substituição do SEF pela Aima. Foi um erro grande”, complementa Pimentel.
Vale ressaltar que, quando houve o debate sobre a criação da Aima e o fim do SEF na Assembleia da República, o Partido Social Democrata (PSD), liderado por Luís Montenegro, foi contra. Resta saber o que ele fará, como primeiro-ministro, da estrutura ineficiente que só dá dor de cabeça. “Todos esperam uma resposta”, diz Gutman.