Plano Marshall virou palavrão entre integrantes do governo

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ROSANA HESSEL

O uso do termo Plano Marshall para qualquer proposta de retomada da crise pós-pandemia da Covid-19 está proibido no governo. A expressão que define o programa de socorro da Europa financiado pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial virou palavrão entre os integrantes da equipe econômica.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, usava esse termo constantemente para dizer que o Brasil gastava um Plano Marshall por ano pagando juros da dívida pública. Integrantes da equipe econômica começaram a desenhar um novo programa de retomada e o chamava de Plano Marshall internamente. Agora, nem querem mencionar essas palavras. Está proibido.

Diante do cenário recessivo para a economia brasileira diante do agravamento do impacto da pandemia provocada pelo novo coronavírus, a Casa Civil deu uma tratorada nos planos da equipe econômica e roubou o protagonismo da pasta chefiada por Guedes. Durante a apresentação do novo programa de retomada, o ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, fez questão de dizer ontem que o Pró-Brasil não tem nada a ver com o Plano Marshall. “Não existe nenhum Plano Marshall”, frisou. Contudo, ele não deu muitos detalhes nem contou qual será o tamanho desse programa que ainda precisa ser melhor definido.

Na avaliação de interlocutores da equipe econômica, o modelo defendido pelo general é um plano mais desenvolvimentista, nos moldes do que foi o New Deal, adotado pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, para os EUA saírem da Grande Depressão no início da década de 1930. Essa linha com aumento do gasto público sem um limite preocupa a equipe econômica e integrantes do mercado.

Agora, meio perdidos, os técnicos liderados por Guedes reconhecem o atropelo e buscam redesenhar a proposta complementar à da Casa Civil,  mas sem abandonar totalmente a iniciativa que tem como um dos pilares colocar um freio no ímpeto de aumento dos gastos públicos.

“Não iremos cometer erros antigos, podem ficar tranquilos. Esse é um governo pró-mercado, o teto dos gastos é nosso pilar macro-fiscal e sua permanência está assegurada. Tão logo a pandemia passe a agenda de reformas retorna”, escreveu o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida.

Analistas do mercado veem nisso, uma guinada na linha econômica do governo e na qual Guedes, que é liberal e ortodoxo, não se encaixa. A contagem regressiva para a sua saída começou novamente entre operadores de mercado, que demonstram inquietação com a destruição de vários pilares do ajuste fiscal que vinha sendo realizado desde o governo Michel Temer, como o teto de gastos, que é visto como o próximo pilar a ruir.

Divisão da pasta

Apesar do conflito evidente dentro do governo, fontes próximas ao ministro descartam qualquer divisão no Ministério da Economia, que reuniu cinco pastas: Fazenda, Previdência, Trabalho, Indústria e Comércio e Planejamento. Para eles, isso só deverá ocorrer se Guedes sair. “Ele não permitiria essa divisão”, disse um integrante do governo. Uma outra fonte acredita que ele não deverá jogar a toalha no meio da crise gerada pela pandemia. “Ele sabe da responsabilidade que assumiu e que não pode sair por divergências internas”, afirmou.

Contudo, integrantes da equipe econômica ficaram incomodadas com o fato de a Casa Civil liderar o projeto de retomada a proibir o uso do termo Plano Marshall.  Para uma fonte próxima ao governo, se o Bolsonaro adotar uma linha muito desenvolvimentista como propõem os militares, Guedes não vai se encaixar nesse novo desenho de governo.

Por conta disso, analistas do mercado consideram uma saída do ministro. Eles acreditam que o presidente Jair Bolsonaro tem se distanciado de Guedes e buscado ouvir mais os assessores mais equivocados em termos ideológicos, como os olavistas, que passaram a atacar a China. E, para piorar, o presidente agora começa um namoro com integrantes polêmicos do Centrão, como o ex-deputado Roberto Jefferson, um dos primeiros políticos presos no escândalo de corrupção na Operação Lava Jato, e que passou a defender o presidente com unhas e dentes.

Se o Bolsonaro recriar o Ministério do Trabalho para agradar o partido de Jefferson, o PTB, o presidente reduzirá a influência de Guedes e a confiança do mercado. Além disso, enterra uma das últimas bandeiras que os apoiadores do presidente mais fanáticos levantam: de que o chefe do Executivo não se aproxima de corruptos. Bom, já dizia o velho ditado: “Diga-me com quem andas”…

Vicente Nunes