PCC destrói torres de celular em represália a bloqueio de presídios

Publicado em Economia

SIMONE KAFRUNI

 

Sob o comando do PCC,  bandidos destruíram torres de celular como represália ao bloqueio do sinal em presídios. Os primeiros ataques foram identificados em 2016, mas podem se tornar rotina diante de um projeto de lei aprovado pelo Senado e que tramita na Câmara dos Deputados. A proposta pretende transferir a responsabilidade pelo bloqueio do sinal de celulares em presídios para o setor privado. O Projeto de Lei do Senado (PLS) 32/2018, de autoria do senador Eunício Oliveira (MDB-CE), simplesmente estabelece prazo de seis meses para a instalação de bloqueadores no sistema penitenciário. Mas uma emenda do senador Romero Jucá (MDB/RR) empurra a obrigação para as operadoras de telefonia.

 

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Após a aprovação do projeto no Senado, por unanimidade, a reação das facções criminosas foi imediata. Uma mensagem pichada na calçada em frente à casa do presidente da Casa fez uma ameaça assustadora: “Presídio mudo, Eunício morto”. Os bandidos também não deixaram por menos em 2016, quando, a pedido do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), as empresas de telecomunicações fizeram pequenas modificações na área de cobertura próxima a presídios no Ceará. Na ocasião, a represália não se limitou às pichações: equipamentos foram incendiados, causando prejuízos calculados em R$ 10 milhões.

 

O presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Eduardo Levy, diz que o setor não é contrário ao projeto de lei original, mas lamenta a emenda que transfere uma responsabilidade de governo, como segurança pública, para o setor privado. “Achamos a função fundamental, mas não queremos que seja atribuída a nós porque nossa expertise é oferecer o sinal e não bloqueá-lo”, justifica.

 

Medo das empresas

 

Levy esclarece que existem empresas específicas, com tecnologia capaz de bloquear uma área delimitada, deixar o celular do diretor dos presídios com sinal, por exemplo, e ainda gravar qualquer ligação a pedido da Justiça. “O que as operadoras podem fazer é gerar uma área de sombra, que deixa a vizinhança toda do presídio também sem sinal”, explica. A questão nem sequer é financeira, ressalta Levy. “O exemplo do Ceará mostra que isso pode colocar em risco a integridade das pessoas que trabalham nas operadoras e o patrimônio das empresas”, diz. “Se for para financiar, o governo pode usar os R$ 2,2 bilhões que as empresas vão pagar em março de Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações”, revela.

 

 

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Na justificativa do projeto, o senador Eunício afirma que a mudança “reduz o poder da criminalidade organizada no país, impedindo que os presos continuem a comandar quadrilhas de dentro dos presídios”. O problema, segundo especialistas em segurança pública, é que apenas duas coisas contêm a explosão do sistema prisional brasileiro: as visitas íntimas e o uso de celular. Não à toa, os aparelhos entram com facilidade nas penitenciárias de todo o país.

 

Embora, no Planalto, os rumores deem conta de que a emenda de Jucá será retirada do projeto, a matéria está na Câmara dos Deputados e pode alterar uma resolução da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em vigor desde 2002. Conforme o órgão regulador, o usuário do bloqueador é a “entidade formalmente designada pelo Ministério da Justiça, como responsável pela operação de BSR (equipamentos de bloqueio) em um determinado estabelecimento penitenciário”. “Não existe cadastro na Anatel de empresas autorizadas para isso, tendo em vista que é um tema de segurança pública sob competência do Ministério da Justiça”, afirma a Anatel.

 

 

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Ou seja, na regulamentação atual não há obrigação para que as prestadoras instalem bloqueadores de sinais. “Na realidade, se trata de um tema de segurança pública, de competência do Ministério da Justiça e gestores dos estabelecimentos prisionais, e não das prestadoras de telecomunicações”, reitera a agência. Para o uso de bloqueadores, existe uma série de requisitos, como notificação à Anatel da intenção e coordenação com as prestadoras para evitar interferência indevidas na rede de telecomunicações.

 

Falta entendimento

 

Algumas competências do Ministério da Justiça agora são do Ministério da Segurança Pública, mas ainda não há um entendimento claro sobre quem são “as entidades formalmente designadas” a que se refere a resolução 308 da Anatel de 2002. Em reunião do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Publica (Consesp), os titulares estaduais pediram ao general Carlos Alberto Santos Cruz, secretário nacional do Ministério de Segurança Pública, agilidade nas definições sobre o tema.

 

Porém, segundo o general, a tecnologia de bloqueio de sinal nos presídios ainda precisa ser discutida. “Tem que se debater até se é vantagem bloquear realmente ou fazer de maneira mais seletiva. Há aspectos técnicos também”, diz. Sobre quem financiará os sistemas, o general ressalta que todo o bloqueio envolve manutenção e evolução da tecnologia. “Por isso, ainda precisa ser discutido se o serviço vai ficar com as operadoras”, afirma.

 

Em abril do ano passado, quando o assunto entrou em audiência pública, o gerente de Regulamentação da Anatel, Nilo Pasquali, chegou a recomendar o aluguel dos bloqueadores de sinais de telecomunicações pelas secretarias de segurança pública. O especialista considera que essa opção, em vez da compra e da gestão dos bloqueadores pelo próprio governo, favorece a economia no curto prazo e dá a agilidade necessária para a atualização tecnológica dos equipamentos.

 

Fonte de tensão

 

Para Pasquali, “é necessário que a população local conheça a existência dos bloqueadores para que as prestadoras de telefonia móvel possam melhor tratar as reclamações”. Ele enumera alguns agravantes: a maioria dos presídios no país se encontra em zonas urbanas e as prestadoras de telefonia móvel não possuem conhecimentos técnicos para o bloqueio do sinal, uma vez que o objetivo “é justamente a popularização da telefonia”.

 

Se as operadoras não querem assumir o serviço, existem empresas interessadas. Jeferson Furlan Nazário, proprietário da M. Communications Brasil, explica que vários países, como Colômbia, México, República Tcheca e Israel, operam com um sistema no qual a iniciativa privada fornece ao Estado bloqueadores gratuitamente. “Em contrapartida, oferecem um serviço de telefonia fechado, com informações armazenadas nas secretarias de segurança, com a gravação das ligações, que permite aos presos entrarem em contato com as famílias”, conta.

 

Segundo Nazário, isso impede que a tensão dentro dos presídios aumenta. “Simplesmente colocar bloqueadores pode gerar o caos. O sistema, que utiliza tecnologia israelense, cadastra os presos e os familiares e cobra o mesmo preço de ligação, com cartão de crédito ou débito, e um código seguro”, explica. Assim, quando o preso liga para algum número fora do cadastro, o sistema avisa para quem receber que a ligação é feita do sistema prisional. A companhia de Nazário desenvolve um projeto-piloto no Paraná. “Já passou por todos os órgãos e está em um comitê para avaliação”, diz.

 

Brasília, 19h07min