ROSANA HESSEL
O governo está fazendo uma série de confusões para evitar ter responsabilidade sobre a demora na liberação dos recursos para os mais pobres e estados e municípios para agirem no combate à crise provocada pela pandemia da Covid-19, causada pelo novo coronavírus. O ministro da Economia, Paulo Guedes, passou defender agora mudança na Constituição para agir com mais rapidez e botou a culpa no Congresso, que já aprovou os recursos emergenciais a toque de caixa. Parece que ele esquece que até o Supremo Tribunal Federal (STF), deu aval para ele agir, flexibilizando a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Enquanto isso, o governo está deixando de socorrer, na velocidade esperada e desejada, os mais pobres e ainda provoca desconfiança sobre o real motivo desse novo discurso. Na avaliação da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU) não há necessidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do chamado “orçamento de guerra” para permitir a emissão de dívida pública para cobrir despesas correntes, como quer o ministro, para cumprir a regra de ouro. O maior problema se isso ocorrer, segundo a AUD-TCU, será o retrocesso no arcabouço para que o governo administre o dinheiro público com responsabilidade.
Pela regra de ouro, o governo não pode emitir títulos para cobrir despesas correntes acima dos gastos com investimentos e capital. Vale lembrar que o presidente Jair Bolsonaro já descumpriu essa norma no no ano passado e teve autorização do Congresso para isso e, inclusive, durante janeiro e junho do ano passado, quando o aval foi concedido, gastou como nunca acima do permitido na regra e não sofreu sanções porque a norma só considera os gastos no fim do ano e, neste ano, o Orçamento já prevê um buraco de mais de R$ 340 bilhões para o cumprimento neste ano. E ele poderá ser maior ainda, pelas estimativas do Tesouro Nacional.
“A Constituição já prevê uma janela para o descumprimento da regra de ouro. Tanto que, no ano passado, mesmo sem calamidade, o governo descumpriu a norma e gastou R$ 185 bilhões a mais, com autorização do Congresso. Ele só precisa pedir autorização novamente e, para isso, não é preciso uma PEC”,resumiu a presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), Lucieni Pereira.
Em Nota Técnica enviada ao TCU e aos parlamentares, a associação criticou a PEC do “orçamento de guerra” e considerou a medida desnecessária no momento atual. “A proposta flexibiliza normas de finanças públicas e institui um regime extraordinário fiscal e de contratações para atender às medidas emergenciais de combate ao coronavírus. Além disso, a proposta restabelece o orçamento monetário que vigeu na década 1970, o que acarreta descrédito do Orçamento Geral da União”, pontuou o documento.
Lucieni contou que os técnicos da entidade analisaram ponto a ponto da proposta da PEC e a conclusão é que não há necessidade da aprovação. Além disso, a votação só vai fazer o Congresso perder tempo precioso em matérias mais urgentes. “O governo não precisa de PEC para gastar mais. Tudo isso dá para resolver por meio de lei complementar. Analisamos item por item do projeto”, destacou.
“Não há necessidade de PEC para nenhum desses pontos. O governo está num jogo de que não pode fazer nada enquanto não tiver PEC. E não precisa de PEC. Basta uma lei complementar ou lei ordinária”, explicou. “A área econômica está dizendo que precisa de emenda constitucional para fazer as coisas e não precisa”, emendou.
A PEC foi apresentada por meio da Minuta de Proposição Legislativa (MIP) 1/2020. Após a aprovação da referida MIP, também na noite de ontem, o texto do “orçamento de guerra” foi efetivamente convertido em Proposta de Emenda à Constituição nº 10, de 2020 (PEC nº 10/2020).
Distorção
A nova PEC, na avaliação de Lucieni, ainda distorce a função do Banco Central, permitindo a compra de “títulos podres” de empresas privadas, em vez de capitalizar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para que ele emprestasse às empresas a juros e condições compatíveis com a crise sanitária mundial. “É preciso tomar muito cuidado com essas propostas que vão na contramão da responsabilidade fiscal”, alertou.
Economistas especializados em contas públicas também não poupam críticas à obsessão de Guedes em tentar mudar a Constituição, assim como regras de responsabilidade fiscal na atual conjuntura, sem necessidade, provocando o chamado “apagão das canetas”.
Lucieni lembrou ainda que o Partido Novo apresentou emenda à PEC nº 10, de 2020, com proposta o confisco temporário de 26% a 50% da remuneração e dos subsídios em período de calamidade pública ou calamidade financeira, medida criticada pela a presidente da entidade. “A proposta de confisco, como a AUD-TCU já comprovou em Nota Técnica, tem fato gerador de empréstimo compulsório que não pode se restringir a servidores públicos”, destacou. “Isso vai provocar um movimento de aposentadorias no serviço público que poderá prejudicar o atendimento de alguns setores à população na atual conjuntura”, alertou. (Colaborou Sarah Teófilo)