POR PAULO SILVA PINTO E HENRICK MENEZES
Proporcionar uma existência mais longa aos cidadãos é um dos principais indicadores de desenvolvimento de um país. Não basta, porém, viver muito. As pessoas querem ter qualidade de vida. E, para isso, é preciso que a economia cresça, garantindo mais recursos para o consumo e serviços públicos melhores. O envelhecimento da população ao mesmo tempo ajuda e atrapalha esse processo.
Uma grande vantagem foi descoberta recentemente: à medida em que as pessoas percebem que seus pais e avós estão vivendo durante mais tempo, elas se dão conta de que precisam poupar mais, para garantir uma vida tranquila depois de parar de trabalhar. E a vantagem aparece para todos, porque, com maior volume de poupança, há maior disponibilidade de recursos e os juros caem. Foi assim em vários países pesquisados. No Brasil, que não faz parte da amostra, a poupança caiu, e os juros continuam nas alturas.
É o que mostra um trabalho, publicado pelo Federal Reserve Bank de São Francisco, de autoria de três economistas: Fernanda Nechio, da própria instituição, Andrea Ferrero, professor da Universidade de Oxford (Reino Unido) e Carlos Viana de Carvalho, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), indicado para a diretoria de Política Econômica do Banco Central (BC) — a nomeação ainda depende de aprovação do Senado.
Com a crise global, os bancos centrais de muitos países baixaram as taxas básicas de juros, que se tornaram, em muitos casos, negativas em termos reais, pois quem compra os títulos do governo deve se contentar com remuneração abaixo da inflação. Os economistas mostraram que, embora o objetivo de impulsionar a economia explique parte da queda dos juros, grande parte da política monetária é consequência da demografia. Em 17 países desenvolvidos estudados, a taxa média real de juros caiu de 5,6% ao ano em 1990 para -0,7% em 2013. Dessa queda de 6,3 pontos, 24% são resultado do envelhecimento da população.
No Brasil, é difícil olhar para um período tão grande e que inclua a década de 1990, quando a inflação atingia milhares de pontos percentuais por ano. O fato é que a expectativa de vida aumentou de lá para cá e a poupança baixou, não só porque as pessoas guardam menos dinheiro, mas porque o deficit do governo consome uma parcela maior dos recursos do país. E os juros subiram, sobretudo quando se observa o período recente, desde que a presidente Dilma Rousseff chegou ao poder. A taxa de juros brasileira é recorde mundial.
Procurado, Carvalho disse que não poderia comentar o trabalho enquanto aguarda a análise pelo Senado da indicação de seu nome para o BC. “Focamos em países desenvolvidos, onde a transição demográfica está mais avançada”, afirma a brasileira Fernanda Nechio, do Fed de São Francisco.
Paradoxo
Para a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, a relação entre envelhecimento e elevação da poupança é um mecanismo conhecido, que se torna mais claro no trabalho dos três economistas. “Isso ocorre enquanto a expectativa de vida está subindo. Depois, quando a população se estabiliza com um grande número de idosos, a poupança cai, porque essas pessoas tendem a guardar menos dinheiro”, diz.
Zeina acredita que o paradoxo brasileiro, em que, mesmo vivendo mais, as pessoas poupam menos, se deve ao fato de termos uma ampla rede de proteção social bancada pelo Estado. “As pessoas acham que não precisam se preocupar, já que o governo vai prover o que precisam”. A analista de recursos humanos Carla Feitosa, 37 anos, bem que gostaria de poupar, mas o salário mal dá para sustentar ela e as duas filhas. “Com as contas cada vez mais caras, raramente eu tenho um dinheiro sobrando”, diz.
A baixa renda explica uma parte do problema, já que, quanto menor o salário, maior a proporção de recursos que são direcionados para necessidades básicas, como alimentação. Mas vários economistas apontam para o fato de que, em outros países, sobretudo os asiáticos, mesmo as pessoas que ganham pouco dão um jeito de guardar um pouquinho todo mês para gastos futuros. “Elas fazem isso porque sabem que terão maior dificuldade de contar com o Estado”, explica Zeina.
Muitas vezes há frustração com o rendimento quando se chega à aposentadoria, mas aí já é tarde. O agricultor Geraldo Almeida, 67, enfrentou muita burocracia para receber o benefício. “Passei por dificuldades financeiras, foi aí que vi que deveria ter poupado lá atrás”, conta.
Previdência na berlinda
A economista-chefe da XP investimentos, Zeina Latif, explica que a baixa poupança é uma das explicações das altas taxas de juros No Brasil, entre outras. Mas a Previdência, que desestimula as pessoas a guardarem dinheiro, também prejudica o custo dos empréstimos, pois é responsável pela maior parte do deficit público do país, um dos principais fatores da carestia brasileira. Para segurar os preços, o Banco Central se vê obrigado a promover o aperto na política monetária e a subir os juros, o que, por sua vez, desestimula a atividade econômica.
“O Brasil é um país jovem, mas tem gastos previdenciários de país velho”, diz Fernanda Nechio, do Fed de São Francisco, uma das autoras do estudo sobre a evolução da poupança com as tendências demográficas em 17 países. O economista José Eustáquio Diniz, professor da Escola Nacional de Ciência Estatística (ENCE), destaca que esse era o momento de a Previdência custar menos, não mais. A razão disso, segundo o professor, é que o país está em pleno bônus demográfico, o que é provocado pela transição demográfica.
Curva
A taxa de natalidade caiu bruscamente no Brasil. Assim, há um grande número de jovens no mercado de trabalho, que têm menos crianças e idosos para sustentar. O bônus é uma curva que sobe e desce, e agora está no auge. A partir de 2030, a situação começa a piorar, pois o mesmo contingente de trabalhadores terá de sustentar um número de idosos cada vez maior. “Se a Previdência já está assim hoje, com um grande deficit, imagine como vai estar no futuro!”, exclama Diniz.
Ele explica que o país está perdendo o bônus demográfico porque o desemprego é alto. Assim, há muitos jovens disponíveis para trabalhar, mas poucas oportunidades para eles. “Isso é consequência dos investimentos de má qualidade que foram realizados nos últimos anos, sobretudo por estatais, nas quais houve muita corrupção”, explica.
A implantação de uma idade mínima para a aposentadoria, em estudo pelo governo, poderá mudar a percepção dos brasileiros sobre o futuro. O professor de Educação Física Matias Mendes, 29 anos, guarda dinheiro e procura usar as economias só para emergências. “Acredito que a velhice é para descansar e curtir, não para ter dores de cabeça. Sempre aplico todos os meses 20% do que ganho. Fazer isso me deixa mais tranquilo, além de servir como um fundo para cobrir possíveis eventualidades”, relata.
Brasília, 05h30min