O triste lado bom da recessão

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POR VERA BATISTA

 

Pela primeira vez desde 1986, quando foi criado o seguro obrigatório para acidentes de trânsito, o montante de indenizações pagas registrou, em 2015, retração de 15% em relação ao ano anterior. A queda revela um efeito colateral positivo de algo nefasto: a recessão. Muitos brasileiros deixaram de dirigir veículos próprios, principalmente os de duas rodas, que se destacam no número de batidas. As motos representam 22% da frota nacional e 89% das indenizações.

 

Os dados são da Seguradora Líder, administradora de um consórcio de 78 empresas e responsável pelo seguro, cujo nome oficial é Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT). A queda maior foi nas indenizações em caso de morte: 19%. As resultantes de despesas médicas recuaram 18%. As ocasionadas por invalidez permanente se reduziram em 13%. “Um dos fatores que contribuíram para essa mudança foi a crise econômica e a consequente redução no crescimento da frota de veículos, principalmente motocicletas”, afirma Ricardo Xavier, diretor-presidente da Líder.

 

Outro fator, ele ressalta, é o fato de que, desde 2009, a companhia intensificou as campanhas para evitar acidentes. Mesmo com a queda nas indenizações, o total ainda é assustador: foram 652.349 em 2015 e 763.365 em 2014. Os números incluem também acidentes de períodos anteriores, pois o prazo é de até três anos para requerer o direito.

 

Os acidentes ocorrem com mais frequência ao anoitecer: entre 17h e 19h59 concentram-se 23% do total (veja quadro ao lado). Entre as regiões, o Nordeste lidera, com 33%. A modernidade trouxe mudanças radicais para áreas rurais e pequenos municípios, com a substituição de cavalos e jegues por motos. Hábitos de segurança ainda não foram incorporados. Condutores colocam a família na garupa, sem proteção. Até a tentativa de reduzir a violência atrapalha. Em São Sebastião (AL), em 2007, o juiz Jairo Xavier Costa proibiu o uso de capacetes dentro dos limites da cidade e conseguiu reduzir a zero os roubos e assassinatos. A medida contraria o Código de Trânsito Brasileiro, que detemina a ausência do equipamento como infração grave.

 

Pressa

 

Segundo Dorival Alves de Souza, presidente do Sindicato dos Corretores, Empresas Corretoras de Seguros, Capitalização e Previdência Privada do Distrito Federal (Sincor-DF), em Brasília, as motos também lideram o número de acidentes, ainda que em uma proporção menor do que no quadro nacional: 70% dos sinistros. “A maior parte das vítimas são jovens, com baixo poder aquisitivo”, conta. Muitos dos riscos devem-se à irresponsabilidade de clientes, empresários e profissionais que trabalham com entrega. Com prazos apertados, os motoboys burlam regras de trânsito.

 

O DPVAT é cobrado em todo o país. Do total arrecadado, 45% vão para Sistema Único de Saúde (SUS), 5% para o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e 1,8% para a Receita Federal, na forma de tributos. Conforme dados da Líder, as empresas ficam com 2% da receita, que em 2015 foi R$ 8,6 bilhões.

 

O vendedor Fábio Dantas, 24 anos, capotou de carro no viaduto de Samambaia, em direção a Taguatinga, na madrugada de 28 de dezembro de 2014. “Estava indo a uma festa. Tomei um copo de energético com vodka”, confessa. Ele sofreu arranhões, mas a amiga que estava no banco do carona, sem o cinto de segurança, fraturou a coluna. “Não vi nada. Quando acordei, estava na delegacia”, disse Fábio. Ele só soube do DPVAT porque uma enfermeira, no Hospital Regional de Taguatinga (HRT), lhe avisou que teria direito ao pagamento.

 

Sem intermediário

 

O seguro obrigatório é pago a todas as vítimas de acidentes de trânsito, independentemente da culpa dos envolvidos. A vítima ou o beneficiário deve ir ao ponto de atendimento autorizado (Sincor, Correios ou seguradoras) mais próximo, apresentar a documentação necessária e dar entrada no pedido de indenização. Os valores são de até R$ 13,5 mil, no caso de morte, e os reembolsos de procedimentos médicos estão em torno de R$ 2,7 mil. O pagamento é liberado em até 30 dias.

 

Fraudes na mira de CPI

 

As indenizações do seguro Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT) chamam a atenção dos criminosos. A Polícia Federal (PF) investiga golpistas que se passam por despachantes, aproveitando o momento de fragilidade de quem está no hospital acompanhando um parente acidentado, ou no Instituto Médico Legal (IML). Prometem cuidar dos trâmites e acabam embolsando o dinheiro.

 

Em 2014, as fraudes chegavam a R$ 1 bilhão por ano, na estimativa da PF, o equivalente a 25% do valor das indenizações. Por conta disso, foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o tema. Em 28 de junho, houve a primeira reunião e o relator, Wellington Roberto (PR-PB), apresentou o plano de trabalho. Amanhã, será ouvido Ricardo Xavier, da Seguradora Líder. Na quinta-feira, a previsão é de depoimento de um representante da Superintendência de Seguro Privado (Susep). A CPI pretende ouvir representantes dos ministérios das Cidades e da Saúde, ainda sem data marcada.

 

Brasília, 05h30min