A economia está ruindo, o país entrando em colapso político e o Banco Central falando em aumento de juros? Por mais que a inflação seja um tormento, pouca gente entendeu o recado emitido pelo Comitê de Política Monetária (Copom), ao mostrar divisão entre seus integrantes. Dois deles — Tony Volpon e Sidnei Marques — votaram, na noite de quarta-feira, pelo aumento de 0,5 ponto percentual na taxa básica (Selic). Por maioria, os juros foram mantidos em 14,25% ao ano, mas pode ser que, ao longo de 2016, o BC promova um novo arrocho.
É difícil acreditar nos sinais emitidos pela autoridade monetária. Olhando para a realidade do Brasil, que enfrentará dois anos seguidos de queda do Produto Interno Bruto (PIB), que vive uma confusão fiscal sem precedentes — sequer se sabe a meta deste ano — e que tem um governo com a corda no pescoço, derretendo por causa de um assustador processo de corrupção, não há espaço para aumento de juros. Na verdade, se pudesse fazer alguma coisa, o BC deveria derrubar a Selic.
Vamos aos fatos. A inflação deste ano, que ficará acima de 10%, tem todas as digitais do governo. A maior parcela dos aumentos captados pelos índices que medem o custo de vida vem dos preços administrados, mais precisamente da energia elétrica e dos combustíveis. Durante um bom tempo, a presidente Dilma Rousseff segurou os reajustes da luz e da gasolina para enganar os consumidores, dando-lhes a falsa sensação de bem-estar em troca de votos à reeleição. Passado o período de votação e com o Tesouro Nacional quebrado — depois de subsidiar por um longo período a eletricidade –, ela decidiu repassar a fatura. A energia e os combustíveis são grandes disseminadores de inflação. Quando sobem, levam os demais preços juntos.
O governo também incentivou um movimento preventivo de remarcações. Desconfiados em relação ao real compromisso do Palácio do Planalto de pôr um fim à gastança com o intuito de ajustar as contas públicas, muitos agentes econômicos preferiram embutir nas mercadorias o custo Dilma. Essa mesma desconfiança provocou a alta do dólar, que encareceu todos os insumos e mercadorias importados. O dólar alto bateu, inclusive, na conta de luz, já que a eletricidade produzida pela usina de Itaipu é cotada pela moeda norte-americana.
Boa parte desses desastres provocados pelo governo terá impacto na inflação de 2016. Tanto que os especialistas projetam alta de mais de 7% para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), taxa superior ao teto da meta, de 6,5%, definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Assim como não conseguiu conter a escalada do custo de vida neste ano, o BC não o fará no ano que vem. A razão é uma só: os juros não têm o efeito desejado sobre a inflação contratada pelo país. Ela reúne ingredientes que estão muito além da capacidade do BC de agir: desconfiança, tarifas públicas e falta de ajuste fiscal.
Pressão sobre Dilma
Se realmente vier a subir os juros no ano que vem, o BC estará empurrando o bêbado morro abaixo. A instituição terá que assumir a responsabilidade por uma queda de até 5% no PIB. Estamos diante de uma situação econômica fora da normalidade, quadro que, ressalte-se, teve boa contribuição da autoridade monetária. Durante o primeiro mandato de Dilma, em nenhum momento, o BC entregou a inflação na meta — e tudo indica que isso se repetirá entre 2015 e 2018. A instituição foi cooptada pelo Planalto. Mesmo com a carestia em alta, cortou a taxa de juros, estimulando uma onda de desconfiança. O BC linha-dura só deu às caras depois da reeleição. Mas já era tarde.
Na avaliação de especialistas, ao indicar que pode subir os juros no ano que vem, mesmo com a atividade se contraindo, o BC está tentando reconstruir a credibilidade. Não será fácil. A tendência é de que o time comandado por Alexandre Tombini seja criticado duramente, mais uma vez, por seguir na direção errada. Não custa lembrar que a instituição ainda prevê retração de 1,9% para o PIB de 2015. A nova estimativa será divulgada até o fim de dezembro e ficará acima de 3%. Como, então, justificará alta de juros numa economia em depressão?
Mais que suas projeções, o BC terá de encarar os números do estrago provocado pelo governo — a hora de verdade, como dizem os especialistas. O desemprego no primeiro trimestre do próximo ano encostará nos 10%. Nas contas do mercado, quase 1 milhão de pessoas serão demitidas entre dezembro e março. A pressão sobre a presidente Dilma, cuja popularidade está no chão, será enorme.
O risco de as ruas serem tomadas por manifestações populares é enorme. Nesse contexto, como o BC será capaz de pesar a mão da Selic? Nem os livros textos justificariam tamanha aberração. Tampouco, a necessidade de demonstrações de que a autoridade monetária não está refém da dominância fiscal, quando a política de juros passa a ser um estorvo para as contas públicas e se torna um estímulo a mais à carestia.
Falta de paciência
A inflação vai, sim, cair. Mas bem mais adiante do que prevê o Banco Central. Para que o IPCA caminhe em direção ao centro da meta, de 4,5%, será preciso restabelecer a confiança no governo e pôr em execução um ajuste fiscal consistente. Esse quadro, por enquanto, é uma miragem. A presidente Dilma, que havia ganhado um fôlego ao jogar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, no olho do furacão, voltou ao centro das atenções depois que seu líder no Senado, Delcídio do Amaral, foi preso por tentar obstruir as investigações da Lava-Jato.
Se, mesmo fora da linha de tiro e com a ameaça de impeachment afastada, Dilma não conseguiu avançar em nenhuma medida pró ajuste fiscal, pior será agora com as denúncias de corrupção instaladas no Planalto. O baque para o governo foi tão grande com a prisão de Delcídio, que já não se pode dizer hoje quais dos auxiliares mais próximos da presidente conseguirão virar o ano fora da prisão. O governo está à beira do precipício, e o BC vem falar em alta de juros. Haja paciência.
Brasília, 8h30min