ROSANA HESSEL
O projeto de lei complementar que trata do novo arcabouço fiscal — que vai substituir o teto de gastos –, que foi finalmente assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nesta terça-feira (18/4), deixou mais dúvidas do que certezas, pois criou uma série de exceções para despesas à regra, como precatórios, do limite total de gastos, que podem fazer uma série de furos no novo teto.
Apesar de o texto do projeto de lei complementar prever a exclusão de receitas não recorrentes da base de cálculo para as despesas, foram criadas uma série de exceções que estão fazendo economistas fazerem as contas, porque parece que elas não fecham para o cumprimento das metas de resultado primário, mesmo com as bandas de 0,25 ponto percentual para cima ou para baixo, que o governo está propondo, como zerar o rombo fiscal em 2024 e, a partir de 2025, obter um superavit primário de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB).
A lista de exceções é grande e está gerando desconfiança sobre a sustentabilidade do novo limite para as despesas. Além de precatórios (dívidas judiciais que o governo anterior deu um belo calote em parte delas e que estão virando uma bomba fiscal para os próximos anos), entraram na lista de exclusão despesas custeadas com recursos oriundos de transferências dos demais entes federativos para a União destinados à execução direta de obras e serviços de engenharia, despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização de eleições e despesas com aumento de capital de empresas estatais não financeiras e não dependentes.
De acordo com um técnico da Esplanada dos Ministérios, o desenho do novo arcabouço nasce com a ideia de limite frouxo para as despesas. “O importante, num ajuste fiscal, é limitar o gasto, mas criaram 13 exceções, incluindo precatórios do novo teto de gastos. Numa primeira visão, me parece um teto todo furado”, destacou o economista que pediu anonimato. Ele lembrou que, das empresas públicas da União prestadoras de serviços para hospitais universitários federais e das instituições federais de educação, ciência e tecnologia, vinculadas ao Ministério da Educação, estão entre as exceções também.
“Essas exceções não estavam na conta, é sempre há o risco de o governo aumentar gastos por essa brecha. Algumas dessas exceções já estavam na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, e o governo não quis mexer provavelmente”, destacou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Esses gastos são relevantes e não caberiam na regra que o governo pretende e, provavelmente, em nenhuma outra, de fato, se não houvesse esforço para reestruturar os gastos. Vamos ter que acompanhar para ver se, no ano que vem, o governo não está gastando fora da regra por esses escapes. No anúncio em março, ela parecia mais fechada. Agora, está mais aberta do que deveria”, acrescentou.
Contudo, Vale considerou que foi bastante positiva a sinalização do governo, o que não entra como receita que seria usada para estimar o gasto. “Tenho impressão que, para conseguir entregar esse primário ao governo, terá que fazer esforço contínuo de contingenciamento”, afirmou. Para ele, o arcabouço é menos rígido do que o teto de gastos, porque prevê crescimento real (acima da inflação) das despesas. “O governo continuará com dificuldade para gerar receita para cumprir o mínimo do resultado primário. Será um governo que viverá de contingências e, por isso, sofrerá pressão política o tempo todo também”, alertou.
O economista da MB destacou que o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, enviado ao Congresso Nacional na última sexta-feira (14/4), também deixou várias dúvidas sobre a real orientação do governo sobre a política fiscal no ano que vem.
Um economista de banco privado elogiou, contudo, o fato de o governo ter retirado os bancos públicos das exceções à nova regra, pois a Fazenda chegou a cogitar que os bancos públicos federais poderiam receber aportes fora do limite de gastos. “A retirada das exceções dos bancos públicos foi positiva”, afirmou. Segundo ele, o que chamou a atenção foi o limite para o bônus de primário destinado para investimentos. “Não foi definida a regra 1/3 para investimentos e 2/3 para pagamento de dívida. Não existe isso lá. Mas aplicou-se essa regra de no máximo 1/3 para investimentos para o período de 2025 a 2028. Essa escolha pareceu um tanto estranha”, destacou. Para o analista, essa medida não atende à crítica de da presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffman (PR), “pois impõe limite para a atual gestão e metade da próxima e não atende à busca estrutural de destinar melhoras fortes de primário para pagar dívida”. “Achei uma escolha um pouco estranha. Claro que pior teria sido atender plenamente ao pedido da Gleisi de não ter trava nenhuma”, acrescentou.