NÃO ME ENGANE, QUE EU NÃO GOSTO

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É legítimo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, imprimir um tom otimista em seu discurso. Faz parte da liturgia do cargo. Mas encampar a propaganda enganosa que é característica do PT já é demais. Mesmo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrando forte aceleração da inflação em novembro — o IPCA-15 cravou alta de 10,28% em 12 meses, a maior taxa desde 2003 —, o chefe da equipe econômica disse, sem constrangimento, que a carestia está em queda. Para um técnico tão conceituado quanto Levy, seria melhor se ele tivesse ficado calado. Se continuar difundindo o modelo “me engana, que eu gosto”, tão presente no discurso petista, corre o risco de entrar para o time de ministros que se tornaram motivo de piada. Que o diga o antecessor dele, Guido Mantega.

A inflação, asseguram especialistas, continuará elevada até pelo menos o fim do primeiro semestre de 2016. Com o resultado do IPCA-15 de novembro, de 0,85%, muitos economistas revisaram, para cima, as projeções deste mês e do ano. Nos cálculos de Elson Teles, do Itaú Unibanco, em vez de 0,70%, o IPCA fechado de novembro será de 0,90%. Para dezembro, a estimativa preliminar está em 0,85%. Já a taxa anual ficará em 10,4% ante os 10,1% previstos anteriormente. Na visão de Teles, a disseminação de reajustes ganhou força. Em outubro, de cada 100 produtos e serviços pesquisados pelo IBGE, 68,8% apontaram aumento. Agora, o chamado índice de difusão saltou para 71%.
O recrudescimento da inflação está se dando mesmo com o aprofundamento da recessão. Esperava-se que, com queda tão acentuada do Produto Interno Bruto (PIB), os preços recuassem já no fim deste ano. Esse, inclusive, era o cenário traçado pelo Banco Central, que prometia entregar a carestia no centro da meta, de 4,5%, até o fim de 2016. Mas tudo está jogando contra, especialmente o governo. Para dar a sensação de que a situação estava sob controle e garantir a reeleição, a presidente Dilma Rousseff segurou, o quanto pode, os preços administrados, mais precisamente os da energia elétrica e dos combustíveis. Tão logo as urnas confirmaram o segundo mandato, a verdade deu as caras. As contas de luz passaram a subir numa velocidade impressionante e os aumentos da gasolina e do diesel se tornaram mais frequentes.

Esses reajustes se espalharam por toda a economia e se somaram à alta do dólar e à dos alimentos. Agora, acima de 10%, qualquer movimento fora da curva poderá empurrar o IPCA para 11% facilmente. Inflação de dois dígitos no Brasil é um grande problema, devido à forte indexação da economia. Os contratos corrigidos por índice tão elevado vão contaminar o custo de vida futuro. Por isso, a cada semana, pioram as estimativas para os próximos anos. Se os economistas estiverem certos, nem em 2018 a inflação estará no centro da meta. Ou seja, nos oito anos de mandato de Dilma não se verá o BC cumprir a missão que lhe foi entregue. Para 2016, o consenso aponta para carestia de 7%, acima do limite de tolerância (6,5%).

Violência nas periferias

O quadro inflacionário se torna mais dramático diante do estrago que a recessão está fazendo no mercado de trabalho. André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, afirma que o desemprego, que atingiu 7,9% em outubro, chegará a 10% no ano que vem, retornando aos níveis de 2006 — um retrocesso de uma década. Somente nos últimos 12 meses, a renda média real dos trabalhadores caiu 7%. Isso quer dizer que, além das demissões em massa, quem ainda consegue uma vaga está sendo obrigado a aceitar salários menores. O resultado disso será mais retração econômica.

O que mais perturba especialistas é o estrago social que está se desenhando no país. Recessão, inflação alta e desemprego tendem a elevar a pobreza, por mais resistente que seja a rede de proteção criada nos últimos anos. Nas periferias das grandes cidades, já se vê um contingente maior de homens adultos desocupados. Muitos sequer têm dinheiro para pagar as passagens de ônibus que lhes permitiriam procurar trabalho. Os recursos do seguro-desemprego, que vinha segurando as despesas emergenciais, já acabaram. Restará, nesse ambiente de insatisfação, o aumento da violência.

O IBGE mostra que, em relação a outubro do ano passado, a taxa de desocupação em Salvador passou de 8,5% para 12,8%; em São Paulo, quase dobrou, saltando de 4,4% para 8,1%; em Recife, foi de 6,7% para 9,8%; em Belo Horizonte, de 3,5% para 6,6%; no Rio de Janeiro, de 3,8% para 6,0%; e, em Porto Alegre, de 4,6% para 6,8%. Para André Perfeito, o aumento do desemprego faz parte do ajuste que Levy e o Banco Central buscam para derrubar a inflação. Resta saber, segundo ele, se a sociedade aguentará calada esse arrocho.

Presente de grego

A ordem, dentro do governo, é para monitorar as tensões sociais que possam despontar país afora devido ao descontentamento com a economia. Dilma já deixou claro a interlocutores a preocupação com o risco de a nova classe média, a mais beneficiada pelo longo período de crescimento econômico, sair às ruas e encampar as pressões pelo impeachment. A presidente sabe que, neste momento, não tem nada a oferecer para aplacar as mazelas que estão destruindo o poder de compra das famílias e inibindo os investimentos produtivos.

A alternativa será apresentar paliativos, como o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), sancionado ontem. Lançado em julho, o projeto trouxe pouquíssimo alento. As demissões se acentuaram, a economia afundou na recessão e a desconfiança em relação ao governo só cresceu, por causa, sobretudo, da crise política que travou o país.

Dilma, Levy e companhia poderão até recorrer à retórica para tentar segurar os ânimos. Mas, com o bolso dos trabalhadores tão estragado às vésperas do Natal, a missão será quase impossível. Em vez da esperança de dias melhores, o que a petista está entregando para a população é um grande presente de grego.

Brasília, 08h30min

Vicente Nunes