Ministros se irritam por ter de responder por mau comportamento de Bolsonaro

Compartilhe

LUIZ CALCAGNO

As atitudes desdenhosas do presidente da República em relação ao novo coronavírus causaram constrangimentos aos ministros. Os executivos, com frequência, são questionados pela imprensa sobre as contradições entre as recomendações técnicas de pastas como a da Saúde e Economia, por exemplo, e as iniciativas de Jair Bolsonaro, que, em isolamento, saiu do Planalto para cumprimentar manifestantes, tratou a crise como “histeria”, afirmou que se tratava de uma “guerra de poder”, e que daria uma “festinha” para comemorar seu aniversário. O desconforto pode ser medido, justamente, pelo grau de irritação do primeiro escalão ao ter que responder perguntas sobre a postura do chefe.

Na noite da última terça, por exemplo, em conversa com a imprensa após uma reunião com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, passou por uma saia justa. Questionado diversas vezes sobre a iniciativa de Bolsonaro em 15 de março, ele se irritou e voltou a carga contra os mensageiros.

Para não falar do chefe, o ministro decidiu criticar os jornalistas por estarem na coletiva de imprensa, trabalhando. “Vocês da imprensa, quando se aglutinam todos aqui, um do lado do outro, falando ele no seu ouvido, quando você está aí na frente, vocês estão muito longe de ter um comportamento que a gente possa falar: esse é o comportamento que a gente quer”, afirmou.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, também se irritou com perguntas relacionadas à postura de Bolsonaro e relação ao Coronavírus. Melhor que Mandetta, que atacou os jornalistas, Moro se recusou a responder às questões feitas por repórteres da Folha de São paulo em uma entrevista exclusiva ao Jornal. O ministro começou a se incomodar quando os profissionais perguntaram sobre as falas de Bolsonaro, de que a pandemia seria uma “fantasia”, uma “histeria” e se isso não foi uma sinalização ruim para a crise. “Senhores, vamos olhar para a frente. Sobre essas questões, as medidas estão sendo tomadas, inclusive pelo presidente Jair Bolsonaro, sob orientação dele. Existe toda uma dinâmica, as providências estão sendo tomadas”, afirmou o ministro.

A equipe insistiu em perguntar que tipo de mensagem o presidente estaria passando para a população e se o ministro teria a mesma atitude de cumprimentar os apoiadores, mesmo em isolamento, em um momento em que o vírus já começava a se espalhar. Moro foi mais direto. “Outra pergunta. Vocês insistem em ficar discutindo essas questões”, disse. Os repórteres explicaram que as atitudes do presidente fazem parte da crise, mas o ministro não aceitou. “Ficam insistindo nessas questões, né, nós temos de olhar para a frente”, insistiu.

Os profissionais perguntaram se os panelaços não tem relação com a crise. “As perguntas são sobre as medidas que nós estamos tomando ou vamos tomar ou é outro assunto?”, questionou Moro. Os jornalistas insistiram na pergunta e o chefe da segurança pública chegou a caminhar até a porta para deixar a entrevista antes do fim. “Vou encerrar a entrevista”, falou. Os jornalistas disseram que voltariam a falar das medidas do Ministério da Justiça e Segurança Pública. “Não, não dá”, insistiu o executivo.

Mesmo com a explicação de que se trata de uma questão política intrínseca à crise, Moro não cedeu. “Foi combinado que eu ia falar sobre as medidas.” “Vamos falar das medidas. O senhor fala que não comenta, mas a gente tem de perguntar. São coisas que estão no contexto das medidas”, explicou a equipe. “O combinado é o combinado. Falei que ia falar sobre as medidas. É a quarta pergunta sobre o negócio do presidente. Eu não vou falar sobre isso agora. Mais uma pergunta sobre isso e eu encerro aqui”, ameaçou o ministro, finalmente voltando para a mesa.

Mesmo assim, para o desespero de quem o cerca, o presidente não para. Com a confirmação da contaminação do 22º membro da comitiva presidencial que foi aos Estados Unidos e em vias de fazer um terceiro teste de Coronavírus, o presidente insistiu que fará a “festinha”. “A festa é amanhã. Eu, minha esposa e filhos. Talvez venha família dela, que mora na Ceilândia. Não vai ter mais de oito pessoas na festa.”

Vicente Nunes