Mercado reage ao Copom com dólar em alta e juros futuros chegando a 12%

Publicado em Economia

ROSANA HESSEL

 

Após o Banco Central anunciar alta de 1,5 ponto percentual na taxa básica da economia (Selic), para 7,75% ao ano, o mercado abriu as negociações desta quinta-feira (28/10), dando sinais de que o Comitê de Política Monetária (Copom) de  que o aperto monetário não foi suficiente e as projeções para os juros futuros não param de subir. O dólar voltou a subir, segundo analistas, porque os riscos fiscais estão aumentando com o adiamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, cuja votação ficou para a próxima semana, algo que não estava precificado. A divisa norte-americana está sendo negociada acima de R$ 5,60. Por volta das 12h30, registrava alta de 1,49%, cotado a R$ 5,62 para a venda.

 

“O mercado não tinha precificado esse novo adiamento da PEC. Achava que o governo conseguiria aprovar, mas a proposta é muito ruim do ponto de vista fiscal”, destacou Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos. Para ele, o Comitê de Política Monetária (Copom) deveria ter dado um choque maior na Selic. “Não considero essa alta de 1,5 ponto um choque monetário. Não vai ser suficiente para acalmar os mercados e reverter a curva de juros, que está subindo e, por isso, o dólar continua subindo”, afirmou.

 

De acordo com Velho, os contratos futuros de juros DI com vencimento em 2023 já subiram para 12% ao ano, pois o mercado percebeu que o governo não vai deixar de aumentar os gastos e desrespeitar o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação — com ou sem a aprovação da PEC. “O adiamento da PEC dos Precatórios é uma derrota do governo porque tira espaço para ampliar o teto dos gastos. E como o presidente Jair Bolsonaro vai adotar esse programa Auxílio Brasil de qualquer forma, é mais gasto fora do atual teto”, afirmou.

 

Ele lembrou que, até o momento, a proposta do Executivo para o Orçamento de 2022, prevê que a despesa com precatórios seria paga integralmente, ou seja, o governo precisa da PEC para aprovar o teto e o parcelamento de parte da despesa dos precatórios sobe o déficit de 2022. O juro do DI de janeiro d 2023 reflete a Selic de dezembro de 2022 está acelerando 70 pontos percentuais, a 12,2%”, acrescentou.

 

O aumento de 0,64% no IGP-M, que mede a inflação do aluguel, bem acima do esperado pelo mercado (0,33%), também é um sinal de preocupação para o mercado, porque mostra que a inflação continuará forte e isso exigirá uma ação mais forte do BC na política monetária, ou seja, nos juros. Pelas estimativas de Velho, para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficar dentro da meta no ano que vem exigirá uma Selic de dois dígitos, o que ajudará a conter o crescimento da economia no ano que vem.

 

Para ele, a ausência de um choque dos juros de, no mínimo, 2,0 pontos percentuais e a certeza de que, mesmo com o adiamento da PEC dos Precatórios, o Executivo vai sancionar o programa do novo Bolsa Família, independentemente do financiamento e da manutenção do teto de gastos, contribuem para essa alta de mais de 1% no dólar hoje.  “A previsão da JF Trust para 2022 do IPCA de 2002 aponta taxa próxima de 6% e Selic de 11,75% no final do aperto monetário, em março”, afirmou.

 

Bolsa foca em balanços

 

Enquanto o dólar voltava a subir com mais força, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) abriu o pregão entre perdas e ganhos, refletindo a frustração de boa parte dos operadores esperava um choque maior nos juros e acima de 1,75 ponto percentual.  Após abrir em queda e registrar uma leve alta em pouco menos de uma hora de pregão, o Índice Bovespa, principal indicador da B3, recuava quase 1%, a 105,5 mil pontos.

 

“Uma parte ficou desapontada, porque a maioria tinha apostado 1,75 ponto percentual de alta. Entenderam que o Copom foi dovish, leniente com a inflação”, explicou Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. Segundo ele, analistas esperavam que o BC desse mais espaço no comunicado para inflação. “Em decisão do Copom, o único que erra é o Banco Central. Acho que nunca vi o mercado no dia seguinte falar que estava errado e entendeu os pontos do Copom”, acrescentou.

 

Por outro lado, na avaliação de Cruz, os balanços corporativos devem ajudar para um resultado positivo da Bolsa hoje. “Os balanços corporativos estão vindo bem. Ambev reportou acima do esperado”, explicou. A companhia registrou lucro líquido de R$ 3,7 bilhões no terceiro trimestre de 2021, dado 57,4% acima do registrado no mesmo período de 2020. As ações da empresa chegaram a subir 10%, mas essa alta não se sustentou e a taxa recuou pouco depois para cerca de 7%.

 

Calote institucionalizado

 

A PEC dos Precatórios, conhecida também como a PEC das Pedaladas, vem ganhando rejeição devido ao enorme risco fiscal que proporciona sob a desculpa esfarrapada do governo de abrir espaço para ampliar o Bolsa Família. O adiamento da votação da proposta, que já era ruim, mas ficou pior com as mudanças feitas pelo relator, ao antecipar uma revisão do indexador de correção do limite para abrir mais espaço para o governo gastar.

 

O adiamento do pagamento da maior parte das dívidas judiciais que vencem no ano que vem, de R$ 89,1 bilhões, pela PEC, e a imposição de um subteto para essa rubrica de quase R$ 40 bilhões é muito grave, de acordo com especialistas em contas públicas. Eles alertam que, além de criar uma dívida impagável — porque o que for adiado vai correr multas e juros em cascata –, criando um efeito em bola de neve, o país ainda decreta uma espécie moratória, institucionalizando o calote na Constituição, o que certamente vai afugentar o investidor quando o governo quiser fazer novas emissões futuras já que o prazo dos títulos da dívida pública estão mais curtos, justamente por conta dessa desconfiança crescente.

 

Um risco que não poderá ser ignorado é que, mesmo com o governo pagando juros mais altos, os agentes podem não querer correr o risco, já que não haverá garantias de que os compromissos serão cumpridos.  Com isso, restará apenas a emissão de moeda e, consequentemente, mais inflação que continuará cada vez mais alta, trazendo de volta o fantasma da década perdida de 1980, quando o país teve que conviver com a hiperinflação.