“Lula é o chefe da corrupção na Petrobras e deveria estar preso”, diz Roberto Jefferson

Publicado em Economia

» ANA DUBEUX
» DENISE ROTHENBURG
» LEONARDO CAVALCANTI

 

Aos 63 anos, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, não tem mais estômago para os convescotes políticos regados a uísque que fazem parte da cena de Brasília, onde se selam os acordos eleitorais, do tipo que ele fechou com o PT, em 2004, estopim do mensalão. Mais de 90% do órgão foi retirado na cirurgia que fez em 2015, depois do diagnóstico de um câncer que levou também parte do pâncreas, do duodeno, do fígado, três metros de intestino delgado e boa parte do canal biliar. Foi assim, na condição de “mutilado visceral”, que enfrentou um ano e meio de cadeia em Niterói (RJ), de onde saiu em maio de 2015. Foi a experiência mais “pesada” que já teve. “Você é visto como um cara rico”, diz ele, calculando como deve ser a vida dos presos da Lava-Jato em Curitiba, lugar muito frio para se tomar banho gelado.

Para quem precisa enfrentar dieta rigorosa desde 2012, o ex-deputado passou por maus bocados quando dividiu a cela com homicidas. Lá, na estratégia para sobreviver, dividia tudo o que a família levava. “Partilhamos as coisas melhores que vêm na visita. O bom biscoito, o pó de café, tudo é partilhado. Tem que fazer isso, senão você está perdido”, diz ele. Desse período, recorda-se da postura dos evangélicos da Igreja Universal. “Padre, só vi uma vez, na Páscoa.”

Hoje, mesmo pouco afeito aos convescotes que o levaram a 170kg — seu peso nos tempos em que liderava a tropa de choque do ex-presidente Collor —, não reduziu o apetite pela política. No cenário futuro, diz ele, o risco para o governo é a Lava-Jato. “É o mais grave, quem vai atingir? Na área econômica, quando votar o teto de gastos, já vai se ver o desafogo.” Na tarde de quinta, na sede do PTB, em Brasília, Jefferson falou por duas horas com o Correio. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

 

Havia a expectativa de que, com a saída de Dilma, a economia melhorasse. Isso não ocorreu.
Ainda não. Vivemos uma efervescência política, fruto da crise econômica. Dilma saiu em função dessa crise que o PT gerou em 13 anos. O PT fez questão de desmontar os alicerces de políticas fiscal e econômica equilibradas e chegou a um impasse. A previsão para o ano que vem já é de recessão com 4% de PIB negativo. No meu escritório no Rio, onde fico segunda e terça, devo ter 200 currículos de desempregados. Tomo um susto como boas pessoas, assentadas, classe média, não têm lugar para trabalhar.

 

O PT está começando a ensaiar o discurso de que o sistema, para tirar a Dilma, agravou a crise.
O PT se desmoralizou. É mais uma mentira. O PT hoje vive de mentira, não tem jeito, foi apanhado com a mão na cumbuca.

 

O senhor não vê recuperação do PT nem para 2018?
Não vejo, não, nem com o Lula. Ele vai amargar a maior frustração da vida dele, que é ser derrotado em uma eleição para presidente.

 

Mas ele vai disputar?
Sim, o Moro não prende ele.

 

Mas deveria?
Já está na hora, para fechar com chave de ouro a Lava-Jato. O chefe da estrutura toda não vai ser preso? Todo mundo estava na operação Lava-Jato, construída no governo Lula, no governo Dilma, com ele presidente do Brasil. As testemunhas dizem que ele que arquitetava, e ele está solto?

 

E por que ainda não foi preso?
Tem que perguntar isso ao Moro. Ele imprimiu um ritmo virulento às iniciativas que tomou, às prisões que fez, às sentenças que prolatou e ainda não chegou no chefe. Não sei o que é, não quero dizer, mas ele e os procuradores da Lava-Jato não chegaram ao chefe, estão prendendo agentes do crime, membros da quadrilha da Lava-Jato, mas não prenderam o chefe da quadrilha. Por quê?

 

Algum partido escapa?
Claro que escapa. Vi uma lista que está rodando aí, tem partidos que escapam. O PTB não está na Lava-Jato, o meu partido não está porque não deixei entrar.

 

Mas Gim Argello está preso. Como define a participação dele?
A sua pergunta define minha resposta. A participação é dele, foi ele. Não sei o que ele fez. Não sou juiz, não quero julgá-lo. Como companheiro de partido, como ser humano, nota mil, homem com H e amigo com A. O filho dele esteve aqui comigo e eu tive uma conversa com ele: “Seu pai está nesse problema por ações pessoais dele, eu pediria que ele não levasse o PTB nisso”. Imediatamente ele saiu.

 

Forçou a saída de Gim do PTB?
Chamei o filho dele aqui e ele não se ofendeu, tive muito cuidado ao falar. E ele respondeu: “Eu vou falar com o papai”. Foi e trouxe a carta do Gim. Sou grato ao Gim pelo gesto, torço para que corra tudo bem.

 

Chegou a falar com ele?
Não.

 

Não notou os movimentos de Gim?
O Senado é outra Casa, são semideuses. Na Câmara você sabe o que está acontecendo, no Senado, não sabe, cada senador é uma instituição. A Câmara é mais fácil, são vários, aí você vê, dá crise, vem um grupo e diz: “Fulano está fazendo isso”. Tem mais informação. No Senado, não.

 

E por que deixou o PTB entrar no mensalão?
Não deixei entrar, fiz um acordo eleitoral com o PT. Mensalão, minha bancada não recebeu, não deixei, foi a minha briga dentro daquela estrutura da Câmara.

 

Por que foi cassado e acabou preso, então?
O STF entendeu que aqueles recursos que eu recebi, R$ 4 milhões do acordo de R$ 20 milhões, de financiamento do PTB nas eleições de 2004, eram fruto de repasse de corrupção e que eu teria, como presidente do PTB, de ter o domínio do fato de saber que eram recursos de corrupção.

 

O senhor não sabia?
É claro que não. A gente sabe que houve caixa dois, àquela época não era crime, agora está sendo criminalizado.

 

Mas era crime eleitoral.
Sim, você andava sempre à margem porque as pessoas não davam por dentro, davam por fora. Sempre disse isso, 90% era por fora e 10%, por dentro, para legalizar a campanha. Fizemos um acordo de repasse do PT para o PTB, porque só os grandes partidos têm recursos, os médios e pequenos não têm. Recebi aquele dinheiro, eu e o grupo do PTB que estava comigo, para as eleições de 2004. O STF entendeu, o ministro Joaquim Barbosa, que era crime, porque eu teria que, pelo domínio do fato, entender que aquele dinheiro era fruto de corrupção. Recebi a sentença, cumpri a minha parte, paguei meu preço. Está tudo certo, pronto para outra.

 

O senhor parecia resignado.
E estou resignado, passou. Se perguntar se eu faria, hoje, qualquer acordo com o PT, não faria.

 

Faria acordo com o Temer?
Claro que sim. O Temer, o presidente FHC disse bem, é a ponte para você atravessar o rubicão, esse rio que tem que ser atravessado para a democracia em 2018. E o Temer está sendo crucificado tão rápido, ele tem dois, três meses de governo.

 

Há um discurso de desembarque do PSDB?
Não está acontecendo, se tiver, é uma ação temerária, que não vai ter eco, não vai ser acompanhada, vai se isolar.

 

Tivemos uma manifestação grande, com bombas de gás para tirar estudante da frente do Congresso.
Não é estudante, aquilo é bagunça remunerada. O governo tinha que fotografar esses ônibus que param aqui, que trazem manifestantes, para saber quem paga aquilo, que não é barato. Quem é que lota o hotel de manifestante da CUT, do MST? Quem é que paga avião, ônibus? O governo tem que saber quem são os financiadores. Ali tem um remédio: extrato de seringa, borracha no lombo e bala de borracha na traseira.

 

Esse tipo de discurso não inflama?
Meu discurso não inflama nada, a pergunta foi sobre os manifestantes da Esplanada. Assisti, eu vi, aquilo não é cidadão insatisfeito, é quem não quer um teto para gastar. O cara não quer um teto de despesas, acha que o Estado tem que seguir gastando, emitindo moeda, fazendo inflação, para bancar privilégio. Ali são os defensores dos privilégios estatais, não é a população.

 

Mas teve panelaço, tem manifestação marcada a favor da Lava-Jato.
Essa é uma pauta política. O panelaço foi por causa desse projeto votado na Câmara, são movimentos distintos. Um é dos apaniguados do PT e dos seus apêndices, PCdoB, PSol, essas coisas que gravitam em torno da esquerda universitária, sem-terra e sindical. Outra coisa é esse movimento da classe média, que bate panela, essa é uma reivindicação ideológica. Olha só, fim de privilégio, fim de mordomia, pelo fim da corrupção, pela moralização, contra a anistia aos crimes de corrupção, caixa dois, praticados em momentos eleitorais. Um, é o interesse absolutamente corporativo, “é minha grana, eu vivo disso”, foi aquela turma que quebrou a Esplanada. Outro é o do panelaço. Esse que tem que se preocupar. O Temer tem que ouvir com muita atenção o movimento. Eu vi até domingo, ele sem gravata, junto com o Rodrigo e o Renan, dando uma entrevista em rede nacional dizendo que ia vetar a anistia se passasse, e não passou, não foi nem tema de deliberação. O Congresso não cometeu esse desatino.

 

O Congresso é distante do cidadão?
Não. As votações foram abertas, as pessoas assumiram o voto. Quem votou teve que ter coragem de enfrentar esse patrulhamento feito pela mídia que hoje está associada ao MP. Não é fácil enfrentar quatro páginas de jornal, com cada voto. Tem que ter absoluta convicção do voto. O projeto de lei das 10 medidas são 10 páginas, já reli aquilo três vezes para entender e ainda não assimilei tudo. O MP aproveitou um momento de fraqueza do Congresso, na véspera da publicação da lista da Odebrecht, da delação de 75 ou 85 diretores, para tentar impor um projeto de empoderamento institucional. O Congresso errou no momento em que quis retribuir estabelecendo na lei medidas que punem o abuso de autoridade. Não era momento nem para um, nem para outro. É fácil pegar uma assinatura contra a corrupção, mas quais são as medidas? O fim do habeas corpus; a inversão do preceito legal de que todos são inocentes até que provem o contrário; a presunção de inocência acaba. Agora todo mundo é presumido culpado, presunção de culpa e não de inocência… As propostas do MP chegaram em um momento ruim, e a proposta da Câmara, também.

 

E a situação de Renan?
É um momento delicado para ele. O Renan é um cara especial porque ele tem nervos de aço. São 12 inquéritos e ele continua caminhando sempre com serenidade.

 

Ter se tornado réu o enfraquece?
Eu não sei se ele se enfraquece, tenho medo de uma decisão, sendo ele réu, de não poder mais presidir a Casa, porque o primeiro vice do Senado é o Jorge Viana, do PT, e ele não vai colocar a PEC para votar. É fundamental o Renan na cadeira.

 

Temer ainda não conseguiu mostrar força na economia, tem baixa popularidade e o cenário não parece positivo. Ele chega em 2018?
Todo risco existe, para todo governo. Você não sabe o que pode vir, mas o risco maior, para mim, hoje, é a Lava-Jato. É o risco mais grave, quem vai atingir? Na área econômica, quando votar o segundo turno do teto de gastos, já vai se ver o desafogo.

 

Quem vai sobreviver à Lava-Jato?
Todos vão passar severas dificuldades, vejo aí PSDB saiu bem dessa eleição nacional. A Lava-Jato está indicando que vai atingir muitos líderes do PSDB, tem que ter calma. Tem que aguardar, o time político é a Lava-Jato, é a delação premiada da Odebrecht, aí define quem são os caras da sucessão presidencial.

 

Vai ter reforma da Previdência?
Vai ter que se fixar uma data, tem que ter idade mínima para aposentadoria. O que o Temer tem que ter é cuidado moral com o governo dele, tem que ter absoluto cuidado para não repetir um outro Geddel no governo dele. Com a crise econômica, as pessoas que estão perdendo não perdoam que alguém se locuplete de corrupção.

 

O ex-ministro Calero abriu um jogo que parecia normal, não?
Ele (Calero) me parece aquele cara lá, o traidor da América, o Snowden. É um quinta coluna terrível, o que o Temer fala na gravação é absolutamente próprio, não tem nada que fira. É uma crise de disse me disse.

 

Temer deveria ter se metido?
O cara é ministro, quis falar com ele. As pessoas se enganam com o Temer, conheço ele de duas presidências na Câmara. Temer é um pacificador, um gestor de crise.

 

Mas não tinha crise ali, era o interesse particular contra o interesse público.
Tinha crise e ele tentou amenizar, deixar a AGU arbitrar, ele não queria perder o ministro. Quem indicou Calero? Vai gravar o presidente? Um ministro? Papel de moleque da pior qualidade, um sujeito desse é tido como herói.

 

Como não repetir o Geddel?
Tem que ter cuidado, ação rápida nesses casos, ficar atento. Percebeu alguma fumaça, problema de corrupção, tem que agir.

 

Teve corrupção, então?
Tinha interesse pessoal que o povo não perdoa. Como é que um ministro briga para fazer um prédio de interesse pessoal, um empreendimento familiar? O Geddel não surpreende por essas ações, o Temer é que custou a agir.

 

Como Temer deve agir na eleição da Câmara?
Ele não tem que se apavorar, o Rodrigo é um homem que não vai abandonar o governo, nem o Rosso ou o Jovair, não tem nenhum aventureiro ali.

 

O Centrão acabou?
Penso que esse é o último suspiro do Centrão. Isso foi uma criação do Eduardo Cunha. Ele inventou esse negócio para governar acima do partido dele.

 

O que hoje desperta seus instintos mais primitivos?
O amor pela minha mulher, ela bota a mão em mim e meus instintos afloram. Não tenho ressentimentos, ódio de ninguém, vejo com pesar a situação de adversários, já passei um ano e meio preso, não é fácil, torço para que ninguém passe por isso, é muito ruim.

 

O pior momento da sua vida foi a prisão?
Já passei tantos momentos difíceis, aquelas CPIs, aquela Comissão de Ética, o processo, uma quantidade de coisas.

 

Qual o nome mais forte para 2018?
O Alckmin.

 

Ciro Gomes ainda tem chance?
Apoiamos o Ciro, demos o vice, Paulinho da Força. Não vejo chances mais. Vem de um estado pequeno, que é o Ceará.

 

E o Aécio?
O Aécio, com as derrotas que sofreu em Minas, tem dificuldade de se afirmar e de alavancar uma candidatura. Quem penso que está passando ao largo desse negócio todo, essa crise ética, que está indo bem, é o Alckmin.

 

Há suspeitas de que ele seria o “santo” da lista…
Mas não está claro que seja o Geraldo Alckmin.

 

E o Jair Bolsonaro?
Grande nome. Vai ter muito voto, já tem uns 11% de voto.

 

Qual o nome do PTB? O senhor estará inelegível em 2018? Pode sair candidato?
Não tem. Penso que não estarei. Tem uma discussão sobre a supressão do direito político e a pena acessória. O indulto anistia só a pena principal, não anistia a pena acessória? Hoje está tão mudado. Querem mudar a presunção de inocência pela presunção de culpa. A meu ver, posso ser candidato em 2018. Mas não sei se serei. As coisas têm que ter sua oportunidade. Tem o exemplo de Doutor Ulysses, 12 mandatos de deputado, só fiz seis, faltam seis para chegar perto dele. Tenho que pensar bem. Pensar e conversar isso internamente, não quero ser um candidato sem estrutura de apoio.

 

Qual a diferença entre o mensalão e a Lava-jato?
A Lava-jato é muito maior. O mensalão era aquela mesada, era uma consequência da Lava-Jato. O mensalão era a materialização do plano urdido, era o dinheiro que chegava em espécie para garantir a maioria na Câmara. Não tinha a dimensão desse negócio, não imaginava nunca que eram fundos da Odebrecht, da OAS e da Queiroz Galvão, a partir de um esquemão feito na Petrobras.

 

Não, mesmo?
Absolutamente, sabia o que estava me afligindo, estava perdendo deputado para o mensalão. Isso que motivou a falar com o presidente Lula duas vezes: “Presidente, isso vai dar bola na trave, presidente não é possível, as maiorias estão sendo formadas as malas de dinheiro. Nunca vi isso na vida, presidente, sou deputado desde o Figueiredo. Tem isso em câmaras de vereadores, em assembleias legislativas, mas, no Congresso, é a primeira vez que estou vendo”.

 

O que ele disse à época?
Disse que não sabia, que era coisa do José Dirceu. E falo de coração: eu tinha uma visão do Lula diferente, não sei se sou boboca, se sou crédulo, mas achava que o Lula não sabia. Tinha uma impressão diferente do Lula e um respeito por ele. A mim, ele frustrou, hoje dizer que ele tem culpa é mole. Depois de tudo aberto. E nem foi o poder político que fez isso, foi o Judiciário, o pessoal da Lava-Jato e o Moro. E ficou tudo tão claro dizer que o Lula é culpado, agora é mole. Mas, naquela época, não tinha desconfiança. Acreditava que era aquele grupo Genoíno, Delúbio e Zé Dirceu.

 

O senhor vive de quê?
Da aposentadoria e desse salário de presidente do PTB.

 

Como avalia a crise do Rio?
Você atravessa a ponte Rio-Niterói e vê uns 80 navios parados. Eles só mudam a posição de acordo com a maré. Ali virou um estacionamento de navios sem atividade. Caiu em 40% da arrecadação do estado. Pezão é um cara bacana. Mas não tem jeito, não tem 40% da renda que tinha para pagar salário. É duro ver isso lá, cada hora você ver mais gente na rua assaltando e roubando.

 

O PT terá que tamanho em 2018?
O PT não acabou, nem vai acabar, ele vai se reformular. Tem uma estrutura sólida ideológica. Vem com 30 ou 40 federais.

 

Quem são seus interlocutores ?
Converso com o Benito Gama (presidente do PTB-BA), Aécio Neves (PSDB), Alckmin (PSDB), Pezão (PMDB), Dornelles (PP), com o ministro Ronaldo Nogueira (PTB) e com o Jovair Arantes (PTB).

 

O PTB lançará candidatura no DF?
Devemos ter o Alírio, estamos construindo um grande partido aqui. Ele e o Jafé estão fazendo uma aliança grande, tem duas vagas de Senado. O Alírio tem dito que é candidato a federal, mas percebo que a pressão é maior.

 

Se arrepende de algo?
A única coisa que me arrependo é de não ter assumido claramente a minha postura ideológica. Não sou de esquerda, nunca fui, não tenho a menor identidade com a esquerda. Tenho zero de identidade. Mas cresci inibido pelo movimento universitário intelectual do Brasil, onde quem não fosse a favor da esquerda, era a favor da direita, que era a favor da repressão militar.

 

Teria colado tanto com o PT?
Fui voto vencido no PTB, mas depois fiquei com o PT.

 

Queria apoiar o Serra…
No segundo turno, éramos 33 do PTB. Quando o Ciro perdeu, quem é que vamos apoiar? Falei como o Martinez o nosso presidente: “Não é nossa gente, não dá. Não misture azeite com água”. Perdi de 32 x 1 na executiva que fechou apoio à candidatura do Lula. Infelizmente acabei fazendo esse jogo de aliança na eleição de 2004. Isso me arrependo de ter feito.

 

Arrepende-se do apoio ao Collor?
Não, Collor foi uma luta com convicção. O Collor, ainda lá atrás, se olhar o processo dele, e olhar o processo do mensalão e da Lava-Jato, não é nada, um Fiat Elba?

 

Como será julgado pela história?
Meus eleitores sabem que sou um homem de posição, às vezes divergem da minha posição, mas sabem que vou tomar posição.

 

E a ex-presidente Dilma, acabou?
Se você não falasse dela, ninguém lembraria. Não deixou memória. O Lula, todo mundo torce, ou não torce; ama ou odeia. Mas a Dilma não deixou memória, é uma coisa impressionante.

 

E o Cunha?
Se tivesse me ouvido, estaria em outra situação. Se ele renunciasse no dia do impeachment, teria metade ao Brasil ao lado dele. “Está bem, ele é um vagabundo, bandido, mas é um cara bom.” Do jeito que ele saiu tentando até a última cartada, aquilo foi muito ruim para o Eduardo.

 

O senhor o aconselhou?
Falei: “Sai e tira família daqui, tira a família daqui”.

 

O que ele falou?
Ele ficou ouvindo. Tira a família, você não pode deixar a família participar daquilo. O que é uma prisão de mulher? Ele não pode imaginar o que seja, de um homem, já dá pra ele perceber. Mas ele ainda não está preso na cadeia, ele está preso na cela da PF.

 

Como foi a experiência do senhor?
É pesado. Você é visto como o cara rico.

 

O que significa isso?
Que você tem que ser o cara que compra a bola de futebol, o remédio, você tem que se virar.

 

Durou quanto tempo?
Um ano e meio.

 

Isso ocorre em todos os presídios? Luiz Estevão está arrumando emprego para as mulheres dos presidiários da Papuda.
Pois é. Isso não tem saída, a pressão é monstruosa.

 

E se não fizer?
Não sei. Não cheguei a esse impasse. Tem de partilhar. O bom biscoito, o pó de café, partilha, tem que fazer isso. Se não, você está perdido. Remédio, o cara está com infecção, o sistema penitenciário não tem pra dar, e o que você tem que fazer? Pegar sua mulher para dar o dinheiro lá fora pra mulher do cara, para ela trazer o remédio para ele na próxima visita. É isso que funciona. Toda hora é remédio, antibiótico, insulina, tem preso diabético.

 

Fazia isso o tempo todo?
O tempo todo.

 

E dividia a cela com quantas pessoas?
Quatro pessoas. Mas a vida é no coletivo, refeição, banho de sol.

 

Conseguia dormir?
Sim, dormia. No início, não, mas depois você se acostuma.

 

E a rotina?
Pela manhã você levanta, toma banho. Vai no banheiro e limpa. E tem a contagem, na troca de plantão, às 7h. Aquela fila, o plantonista que chegou pega a lista daquela galeria, e começa a chamar pelo nome. Fulano de tal, presente. A partir disso você sai para tomar café. Todos de mãos para trás, sem algemas. É da mesma forma que se vê na Lava-jato, que é uma postura de segurança do guarda e do preso. Tem que ser a mão para trás e a cabeça baixa. Não pode olhar no olho do guarda, para não invadir a mente do guarda e conquistar a confiança dele.

 

O que mais chamava a atenção?
Tinha uma impressão ruim da Igreja Universal, mudei a minha cabeça no presídio. Todo o sábado tinha culto, era o culto com mais gente. Domingo, culto da Assembleia, sábado, da Universal. A Assembleia tinha menos gente. Eles pregam a resignação, reconhecimento do erro, o arrependimento, o perdão com Deus e com a sociedade. Assisti a vários cultos. Ao fim do culto, eles punham a toalha na mesa, e era cachorro-quente, guaraná, bolo de fubá, Coca-Cola e fazia aquela ceia e a união de todos. Aquilo lá era cheio, e só vi um padre na igreja, somente na Páscoa. Há outra coisa também: o PSol domina a prisão. Os piores são os caras que o PSol protege, os que colocam fogo, põem celular para dentro, que arrumam encrenca com guarda. Na rua são os black blocks. E os guardas do presídio temem o PSol. Tanto que os caras colocam o celular dentro do presídio, eles tomam, mas não dão um cascudo, porque sabem que vai virar um inferno a vida deles. Porque, se eles gritarem, o PSol processa e o cara (guarda) não quer problema, ganha R$ 5 mil de salário. Eles picham o muro da cadeia quando saem. E a doutrina lá dentro é o seguinte: eles estão ali, porque a sociedade é desigual.

 

Estava preso com quem?
Na minha cela tinha homicida, estelionatário. Tem de conversar.

 

Lia livros?
Muito, aproveitei pra ler bastante. E me acostumei com banho frio. Fico pensando, na cadeia lá no Rio, a essa época, a água ficava 19º/20º graus. Imagina Curitiba, como o cara toma banho frio lá? Com aquela água gelada, como aguentar um banho frio naquela água gelada? É de doer o couro.

 

Como Sérgio Cabral deve estar se virando?
Uma situação horrorosa.

 

Já imaginava que fosse tudo isso?
Ele (Cabral) nunca foi recatado. Um homem tem que ter recato. Aqueles abusos, passeios de helicóptero, dançar na boca da garrafa, com turbante de guardanapo.

 

E a prisão do Garotinho?
Um absurdo. O crime eleitoral dele é ineficaz, passou de 10 mil para 30 mil o Chequinho Cidadão. Qual foi a eficácia disso? Não está claro que houve um critério de corrupção eleitoral. Se fizermos isso nessa extensão, esse Bolsa Família é uma corrupção eleitoral desgraçada. Todo mundo sabia que ele estava com problema de coração. Achei um desastre. E se ele morre? Colocá-lo em Bangu III, ele foi secretário de segurança, mandou prender um monte de gente, não podia pôr o Garotinho lá. Como que ele dorme, bebe água, come?

 

O senhor tinha essa preocupação?
No início, sim. Depois relaxei.

 

Os presos conheciam o senhor, o apoiavam?
Todos conheciam. Tinha gente que era do lado de lá, os petistas, que não gostavam, mas eu tinha meus fãs, evidentemente.

 

Brasília, 06h50min