Livre de denúncia, Temer se apega com tudo à economia

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Com a segunda denúncia contra o presidente Michel Temer arquivada pela Câmara, todo o esforço do governo será dedicado à economia. Mesmo ciente de que a recuperação será modesta, dada à falta de investimentos produtivos, o Palácio do Planalto acredita que, com a nova redução da taxa básica de juros (Selic), de 8,25% para 7,50% ao ano, será possível colher bons dividendos ao longo dos próximos meses. Há dúvidas, porém, se o apoio dado ontem ao peemedebista pela Câmara dos Deputados se traduzirá em votos a fator da reforma da Previdência, pela qual tanto os agentes financeiros anseiam.

O governo está com o discurso pronto, reforçado pelo comunicado do Banco Central liberado após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). O time comandado por Ilan Goldfajn indicou que, não havendo nenhuma mudança radical no atual cenário, será possível levar os juros básicos para 7% no início de dezembro próximo e para 6,75% em janeiro, taxa que deverá ser mantida por todo o ano de 2018, apesar do esperado estresse trazido pelas eleições presidenciais.

A perspectiva de Temer é de que a estabilidade indicada pelo BC convença parcela do Produto Interno Bruto (PIB) a desengavetar alguns projetos que evitem frustrações mais à frente em relação ao crescimento. O consumo das famílias, como se sabe, deu uma inesperada ajuda para a retomada da atividade, mas não será suficiente para manter um voo em alta escala. O que estamos vendo — e deve ser mantido — é um rasante impulsionado por recursos extras que foram liberados pelo governo por meio das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e, agora, do PIS e do Pasep.

Esses recursos vieram justamente num momento em que o mercado de trabalho dava seus primeiros suspiros e a inflação desabava. Foi uma combinação feliz que permitiu a Temer reforçar o processo de convencer deputados a manterem seu mandato. Além de toda a barganha comandada pelo Planalto, pesou a perspectiva de recuperação da economia depois de dois anos de recessão. O presidente, nas negociações com parlamentares, tentou mostrar que todos os que se mantiverem a seu lado ganharão com a atividade mais forte. Isso, garante ele, terá peso na hora de os eleitores depositarem seus votos nas urnas em outubro do ano que vem.

Pedras no caminho

Chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes diz que a retomada da economia é real e que a queda dos juros terá papel crucial para sustentar a demanda. Ele destaca que os quatro pilares que sustentam o consumo das famílias estão sendo reforçados, ainda que gradualmente. A inflação acumulada em 12 meses está rodando na casa dos 3%. A confiança voltou a subir, estando no nível mais elevado desde março último. O mercado de trabalho está saindo do atoleiro e, há seis meses consecutivos, o país cria empregos formais. Com a taxa Selic caminhando para o menor nível da história, espera-se que o crédito volte a jorrar.

“Não há dúvidas de que a retomada está acontecendo. E o comércio está se beneficiando. Nos nove primeiros meses do ano, acumulou alta de 1,9%. Nossa previsão é de que o varejo encerre o ano com alta de 2,8%. Isso quer dizer que os próximos meses serão melhores”, afirma Bentes. Para que esse quadro se confirme, é preciso, porém, que os bancos realmente repassem para a clientela os cortes nos juros promovidos pelo BC. “Dos quatro pilares que sustentam o consumo das famílias, o crédito é o que está mais atrasado. Sem financiamentos mais baratos, não há como manter a demanda. Os bancos não têm mais discurso para manter os juros aos consumidores tão altos. A inadimplência está em queda”, ressalta.

Bentes assinala que três ramos estão puxando o comércio: vestuário, com alta acumulada de mais de 7%; móveis e eletrodomésticos, com incremento superior a 8%; e materiais de construção, que cresceu 5%. Daqui por diante, será possível ver uma recuperação mais forte das vendas de super e hipermercados. Ninguém, contudo, está esperando uma explosão do consumo. Muito pelo contrário, afirma o economista. No entender dele, para que a demanda das famílias se sustente, será preciso que os investimentos produtivos aumentem. Sem a ampliação da oferta de mercadorias, há o risco de, mais à frente, os preços voltarem a subir, corroendo o poder de compra dos trabalhadores. “O ajuste virá no meio da inflação mais alta”, avisa.

Perigo dos extremos

Na avaliação do economista da CNC, independentemente das boas notícias na economia, é preciso que a política dê a sua contribuição para que o país engate um crescimento sustentado. Se as incertezas se dissiparem, os investimentos voltarão com força e o BC não terá com o que se preocupar. Esse é o mundo dos sonhos.

Mas cautela sempre é bom. Temer saiu fortalecido da votação de ontem na Câmara, entretanto, criou-se no mercado um certo incômodo com a saúde dele. Diante da ida repentina do presidente para o hospital, todos se perguntam se ele terá condições de terminar o mandato. Pode haver exagero nesse questionamento, mas nunca é demais acender o sinal de alerta.

Não é só. A um ano das eleições, o quadro é totalmente incerto. Os dois líderes das pesquisas de intenção de votos — Lula e Jair Bolsonaro — assustam o capital. Com discursos extremistas, incentivam a retração dos investimentos produtivos. A travessia, portanto, será tumultuada.

Vamos ver como o governo conseguirá manejar o barco. Temer queimou muita munição para barrar as duas denúncias contra ele. Agora, para impor sua agenda, que inclui o leilão de áreas do pré-sal nesta sexta-feira, terá que duelar com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, pela agenda econômica. Essa briga pelo protagonismo pode acabar mal.

Brasília, 06h52min

Vicente Nunes