Juros da ousadia

Publicado em Economia

A determinação clara do presidente Michel Temer é que ninguém fale, oficialmente, sobre a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central marcada para a próxima semana. Mas, nos corredores do Palácio do Planalto, sobretudo na ala política, o assunto está na ordem do dia. Em busca de boas notícias na economia para tentar reverter a baixa popularidade do governo, aumentou — e muito — a tensão para que o time liderado por Ilan Goldfajn surpreenda mais uma vez o mercado e acelere o corte na taxa básica de juros (Selic) para um ponto percentual, de 13% para 12% ao ano.

 

Assessores palacianos reconhecem que Ilan assumiu, publicamente, o discurso de que o ritmo de redução da Selic será de 0,75 ponto por reunião do Copom. Afirmam, porém, que, desde tal declaração, todos os indicadores monitorados pelo BC para definir a taxa básica só melhoraram. No encontro de janeiro do Comitê, o dólar estava cotado a R$ 3,25. Ontem, fechou a R$ 3,09, mas muitos especialistas veem a moeda norte-americana abaixo de R$ 3 nas próximas semanas, diante do grande volume de recursos estrangeiros que está entrando no país.

 

Já as expectativas de inflação cederam, no mesmo período, de 4,80% para 4,47%. Essa queda está se dando, principalmente, pela forte retração dos preços dos alimentos, como mostra a segunda quadrissemana do Índice de Preços ao Consumidor Amplo da Fipe (IPC-Fipe). Enquanto o indicador geral ficou em 0,02%, o grupo alimentação desabou 0,40%. O mesmo comportamento foi observado na segunda prévia do Índice Geral de Preços — Mercado (IGP-M), de apenas 0,02%. No mesmo período de janeiro, a taxa havia sido de 0,76%.

 

Não é só, como ressaltam integrantes do governo. Os preços dos serviços, os quais o BC sempre aponta como os mais resistentes e que mais contaminam a inflação futura, estão nos níveis mais baixos desde 2002 para meses de janeiro: subiram apenas 0,36%. Quando descontados todos os fatores atípicos, resultando no que o BC chama de núcleo, a inflação de serviços acumulada em 12 meses cedeu de 9,40%, em outubro de 2015, para 5,74% em janeiro último. Ou seja, os argumentos da autoridade monetária para ir mais devagar no corte dos juros estão se desmanchando.

 

Visão parcial

 

Dentro do governo, todos reconhecem a capacidade acadêmica dos atuais diretores do BC comandados por Ilan Goldfajn, mas ressaltam que falta uma visão de mercado para equilibrar o jogo. Por isso, ressaltam assessores do Palácio do Planalto, será preciso que os analistas privados ampliem o coro de que o melhor a ser feito neste momento é reduzir a Selic em um ponto, para 12% ano. O BC, segundo os assessores palacianos, não pode carregar a pecha de que está segurando uma retomada mais forte da economia, depois de sete trimestres seguidos de recessão.

 

Mesmo entre técnicos do BC que coletam informações que são repassadas à diretoria da instituição, a visão é de que há espaço de sobra para que a Selic caia de 13% para 12% na próxima semana. Alegam que a recessão foi tão profunda e que há tanta dificuldade para a retomada da atividade que há o risco de a inflação surpreender para baixo, isto é, encerrar o ano aquém dos 4,5% definidos como centro da meta pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Além disso, não há por que esperar pela reunião de abril. Quanto antes o BC agir, mais a economia sentirá os efeitos do custo menor do dinheiro.

 

Técnicos do BC reconhecem que a atual diretoria do banco é muito cautelosa, extremamente preocupada com a reputação. Teme cometer erros na gestão de política monetária como os que minaram a confiança da administração anterior, comandada por Alexandre Tombini. O BC de Ilan, reconhecem os técnicos, prefere errar pelo excesso de conservadorismo, mesmo que isso signifique uma demora maior para um crescimento mais robusto da atividade. “Não se pode esquecer que, em média, o efeito da política monetária demora de seis a nove meses para ser sentido”, destaca um dos técnicos.

 

Custo real

 

Na avaliação do economista Carlos Thadeu Filho, sócio da consultoria MacroAgro, como a inflação está em queda — ele projeta 3,9% para todo o ano —, se o BC cortar a Selic em 0,75 ponto na próxima semana, a taxa real de juros vai aumentar mais, um veneno para a economia. “Não há motivo para o BC frustrar a economia. Uma redução de um ponto percentual agora, para 12%, é perfeitamente normal. Vários economistas de peso dizem isso”, reforça. Uma postura mais cautelosa do BC só interessa aos bancos, que poderão aumentar um pouco mais os lucros, pois são grandes detentores de títulos públicos.

 

A perspectiva de inflação está tão favorável que há analistas falando em um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) entre 0,20% e 0,25% em março. Se isso ocorrer, a taxa acumulada no primeiro trimestre encostará em 1%, o que não se vê há muito tempo. “A economia pede medidas urgentes de estímulos, como um corte maior dos juros. O bom de tudo é que a flexibilização monetária poderá ser feita sem o risco de a inflação voltar a subir. Não há demanda para isso. As famílias estão superendividadas e as empresas estão dispostas a desovar os estoques”, reforça Thadeu.

 

Portanto, está nas mãos do BC explicitar o quanto está confiante no controle da inflação e no compromisso do governo com o equilíbrio fiscal. O mercado financeiro já deu seu voto de apoio. Tanto que o dólar está derretendo e a bolsa de valores bate recordes. Os juros precisam cair mais rápido. O momento é de ousadia.

 

Brasília, 10h28min