POR ROSANA HESSEL
A renegociação das dívidas dos estados sequer foi aprovada pelo Congresso e os governadores já estão passando o pires novamente em Brasília. As romarias têm tomado parte das agendas do presidente interino, Michel Temer, e do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Mesmo com todos os argumentos apresentados, de que não há sequer dinheiro para a compra de comida e para o pagamento de despesas básicas, os governadores não vêm conseguindo sensibilizar os interlocutores. O risco de calote, portanto, aumentou.
Nas palavras do governador de Goiás, Marconi Perillo, a situação é dramática. Ele diz que 11 estados estão prestes a quebrar. Para o Palácio do Planalto e a Fazenda, porém, tudo não passa de retórica. A prioridade, dizem Temer e Meirelles, é aprovar a renegociação das dívidas, que dará alívio de R$ 50 bilhões ao caixa de todas as unidades da federação. Os dois afirmam ainda que já passou da hora de os governadores adotarem a responsabilidade fiscal. O país não comporta mais gastos exagerados, principalmente com pessoal.
O projeto de renegociação das dívidas está parado na Câmara. Ainda depende da votação de quatro destaques para pular para o Senado. Na visão do governo, esse projeto é prioritário e precisa avançar rapidamente logo após a efetivação do impeachment definitivo de Dilma Rousseff. “Quando setembro chegar, a bomba dos estados vai estourar. Dilma pode sair, mas o problema continuará. A situação é muito ruim e parece que o Congresso não está consciente do tamanho do problema. O governo terá que ser muito firme para controlar a crise que está por vir”, alerta a economista Selene Nunes, doutoranda da Universidade de Brasília (UnB), que participou da elaboração da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O problema, acrescenta Selene, está no descompasso entre as receitas, que têm caído por causa da recessão, e as despesas, que não param de crescer. “O maior problema dos estados são as despesas que aumentam o endividamento. O refinanciamento de débitos não resolverá o problema, só induzirá a mais desajuste. É como apagar fogo com gasolina”, resume.
Descalabro
Para Raul Velloso, especialista em contas públicas, a renegociação da dívida dos estados, em alguns casos, não será suficiente para tapar todo o buraco. “Os governadores não têm como fazer os ajustes a curto prazo, porque o grosso das despesas é com pessoal e o que os estados arrecadam mal dá para cobrir esses gastos”, assinala. Segundo ele, os estados estão atravessando uma situação caótica e o rombo que se vê hoje acabará sendo repassado para a União.
“É difícil dizer como esse problema será resolvido. Cada estado será um caso diferente”, frisa Velloso. Que enfatiza: “Essa situação dramática é resultado da combinação de duas coisas: da queda brutal da arrecadação, que é conjuntural, com uma política equivocada que produziu aumentos excessivos nos salários e no quadro de pessoal. Isso se transformou em um problema estrutural, que não se resolverá tão cedo”.
Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, vai além: “É impossível pensar numa solução com os gastos de pessoal comendo mais de 50% das receitas líquidas dos estados”. Ela ressalta que as despesas dos estados com as folhas de salários e encargos cresceram 7,9% ao ano em termos reais entre 2009 e 2015. “O risco de os estados deixarem de pagar os funcionários existe, apesar de a economia apresentar sinais de melhora nesse segundo semestre. Será preciso um crescimento extraordinário para salvar a lavoura”, frisa.
Na opinião de Marcel Caparoz, economista da RC Consultores, o desarranjo das contas dos estados tende a se acentuar até 2017. “Há uma percepção do problema, mas não vemos os estados se mexendo para apresentar leis mais rígidas que as atuais a fim de melhorar o quadro fiscal. Vemos que os gastos com pessoal continuam acima do previsto em lei e os aumentos concedidos no passado, mesmo no meio da crise, dificultam uma reversão”, lamenta. Ele diz que, das 27 unidades da federação, o Rio de Janeiro é o que apresenta o quadro de maior descalabro.
Distrito Federal
As queixas estão disseminadas. A preocupação diária do secretário de Fazenda do Distrito Federal, João Fleury, é como pagar a conta do dia seguinte. “Quando rodamos a folha de pessoal, consigo dormir tranquilo. Mas, no outro dia, já começo a ficar nervoso com a do próximo mês”, confessa.
Fleury reconhece que o quadro atual é resultado de uma política equivocada de governos anteriores que inflou as despesas com pessoal quando a receita crescia acima da inflação. Agora, com a queda na arrecadação, está cada vez mais difícil fechar as contas, mesmo evitando ao máximo conceder aumentos salariais, apesar das pressões do funcionalismo. “Mesmo se eu não fizer nada, a folha tem crescimento vegetativo de 3,5% ao ano só com os benefícios previstos. São R$ 800 milhões que precisam ser cobertos a cada ano enquanto a receita tributária não cresce no mesmo ritmo”, lamenta.
Brasília, 00h01min