Investidores estão inseguros

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SIMONE KAFRUNI

 

Com a exceção dos terminais de passageiros, nenhum arrendamento de áreas privadas em portos deve ser leiloado este ano. Os certames para quatro terminais de uso privado (TUPs) previstos no Pará, estratégicos para aumentar a competitividade das exportações do país, sobretudo do agronegócio, foram postergados. Para os especialistas, os leilões foram adiados por falta de interessados.

 

Conforme a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o governo decidiu aguardar a consolidação de alternativas logísticas de escoamento pelo Arco Norte, no Pará. “Nesse período, a modelagem dos editais poderá ser reavaliada com o objetivo de tornar a concessão mais atrativa e adequada à demanda”, afirma em nota. Consultado pelo ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil, Maurício Quintella, sobre a participação no certame, o setor mostrou interesse nas áreas oferecidas, mas alegou não ser este momento oportuno, devido às perdas no setor agrícola e ao quadro econômico ainda instável.

 

O único leilão realmente levado a cabo, realizado em 24 de maio, foi o do terminal marítimo de passageiros do Porto de Salvador, no qual o governo conseguiu R$ 8,5 milhões de outorga pelo arrendamento do local por 25 anos. O consórcio formado pelas empresas Socicam Terminais Rodoviários e Representações e ABA Infraestrutura e Logística foi o vencedor. A empresa pagará à Companhia Docas do Estado da Bahia (Codeba), administradora do Porto de Salvador, um valor mensal de arrendamento que, na soma de 25 anos, equivale a R$ 34,5 milhões.

 

Integrantes do governo admitem a falta de interessados. E a justificam, em parte, porque os investidores estão esperando pelas mudanças nas regras prometidas pelo presidente interino, Michel Temer. Também há cautela porque ainda não se sabe direito quem vai assinar os contratos, se o governo de transição ou o da presidente afastada, Dilma Rousseff. Portanto, nada deve se efetivar até a votação definitiva do Senado sobre o impeachment. Por conta disso, um dos primeiros movimentos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), criado para agilizar os investimentos em infraestrutura, foi no sentido contrário. A ideia é esticar o prazo entre o edital e o leilão para 90 dias. Hoje é de 45 dias.

 

Para os investidores estrangeiros, no entanto, o compasso de espera decorre da expectativa de um ambiente de negócios mais propício no país. Na opinião de Fernando Marcondes, especialista em infraestrutura do escritório L.O.Baptista-SVMFA, apesar da mudança de governo, os ânimos ainda não melhoraram. “Estive em uma reunião entre empresas potenciais brasileiras e de outros países da América Latina e, de outro lado, americanos, canadenses, potenciais fornecedores. A percepção geral que eles têm, apesar de o Brasil ser o maior mercado, é que o país não é o primeiro da fila”, diz.

 

Marcondes lamenta ter verificado que, embora a demanda por infraestrutura seja muito maior no Brasil, os investidores alegam que o ambiente de negócios é muito melhor no Uruguai, Peru, Chile e Colômbia. “Eles dizem que ainda é cedo para investir na Argentina e o que Brasil é carta fora do baralho por conta do altíssimo risco”, destaca. O especialista explica que o PPI ainda é novidade para os investidores estrangeiros. “Ainda é preciso melhorar muito o ambiente de negócios no Brasil”, afirma.

 

Um grave problema que atrapalha a competitividade dos portos, e consequentemente, a atratividade do setor para investidores, é a manutenção dos calados (a profundidade dos canais de navegação). Os processos de dragagem são muito demorados no país e, às vezes, desperdiçados porque custam a ser finalizados e ocorre novo assoreamento. Em portos de nível internacional, explicam os especialistas, a dragagem é um procedimento contínuo. No Brasil, a demora nas licitações, impede a continuidade das obras. Sem calado, os navios acabam saindo com espaço vazios nos porões porque a falta de dragagem impede a carga plena.

 

No Rio de Janeiro, a dragagem do porto começou quinta-feira passada. As máquinas do Consórcio Van Oord/Boskalis, contratado para os serviços pela Secretaria de Portos do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, vão ampliar o canal de acesso, a bacia de evolução e o acesso aos berços de acostagem. Os investimentos totais desde a primeira fase, de elaboração dos projetos, são de cerca de R$ 210 milhões e a previsão é de que as obras irão até novembro.

 

A primeira fase da dragagem foi iniciada em dezembro de 2014. Ao longo de 2015, foram gastos R$ 5,1 milhões no desenvolvimento dos projetos e medidas necessárias para o licenciamento ambiental da obra. Em dezembro de 2015 foi emitida ordem de serviço para mobilização do equipamento de dragagem e execução das obras. E em abril deste ano, saiu a ordem para o início dos serviços de dragagem, uma obra que precisa ser autorizada pela Marinha do Brasil.

 

Com a dragagem, o porto poderá receber navios de maior capacidade. As embarcações de carga geral poderão transportar o equivalente a até 8 mil contêineres de 6 metros de comprimento (8 mil TEUs). Atualmente, aportam embarcações com capacidade para transportar até 4,5 mil TEUs.

 

Burocracia prejudica

 

A demora no licenciamento ambiental, as mudanças regulatórias, a burocracia e, no caso dos terminais privados, o intervencionismo do governo e da agência reguladora são entraves para a expansão de investimentos no setor portuário. A política de modicidade tarifária imposta pelos governos petistas também inibiu o apetite do capital privado por concessões e arrendamentos.

 

Enquanto o governo conseguiu fazer apenas uma licitação no Porto de Santos e teve que cancelar os leilões marcados para este ano, o número de Terminais de Uso Privado (TUPs) passou de 134 para 180, com o novo marco regulatório. O presidente da Associação de Terminais Portuários Privados (ATP), Murillo Corrêa Barbosa, explica que a Lei nº 12.815/2013 ajudou a expansão e, em breve, serão 240 terminais, pois 60 estão em análise. “Mas é preciso muito mais para impulsionar o setor”, sustenta.

 

Barbosa afirma que a entidade foi criada para defender interesses específicos. “Não podemos ter a mesma regulação como quer a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). Os portos públicos podem fazer reequilíbrio econômico-financeiro enquanto o investidor privado assume todo o risco”, argumenta. Ele detalha que, antes, a outorga dos TUPs saía em 60 dias, agora está demorando um ano, sendo que o licenciamento ambiental, em média, leva mais dois anos. “O governo tem que abrir espaço para o mercado se regular pela livre concorrência e não criar mais entraves”, pondera.

 

A ATP já apresentou uma pauta de reivindicações ao Ministério dos Transportes, que agora responde também pela secretaria de Portos, na qual questiona a cobrança da cessão onerosa do espelho d’água (pagamento pelo uso da água), a exigência de garantias e as contrapartidas socioambientais. “Existe uma diferenciação entre permissão, concessão e autorização. Os TUPs não prestam serviço público, portanto não cabe serem regulados. Não faz sentido exigir garantias de um projeto que se der errado o prejuízo é todo do investidor”, defende Barbosa.

 

Brasília, 01h10min