É incrível como um país com tantos problemas, mergulhado em uma recessão pesadíssima e com 14,5 milhões de desempregados, dedique tanta atenção a um depoimento de um réu acusado de corrupção. Mesmo que esse réu seja o ex-presidente Lula, é inaceitável o Estado despender tantos recursos e tempo para garantir o que está previsto em lei: a prestação de contas à Justiça em caso de suspeição.
Milhares de pessoas tiveram a vida afetada, o comércio nas redondezas do Tribunal perdeu faturamento e a polícia que garantiu o esquema de segurança deixou de fazer seu serviço em favor da sociedade que paga todas as suas despesas. Tudo porque Lula decidiu transformar o primeiro encontro cara a cara com o juiz Sérgio Moro, responsável pelas investigações da Lava-Jato, em um palanque político.
Como já era esperado, Lula disse não saber de quase nada do que foi perguntado pelo juiz em relação ao tríplex de Guarujá, que teria sido dado de presente a ele pela empreiteira OAS em troca de contratos assinados com a Petrobras. Nos momentos em que não negou as informações, empurrou as responsabilidades para a mulher dele, Marisa Letícia, que morreu neste ano.
Nas mais de cinco horas de depoimento, Lula não escondeu o desconforto de estar sendo questionado pelo juiz. As respostas monossilábicas contrastaram com o político que subiu no palanque logo depois do encontro com Moro. Diante de militantes, usou e abusou das palavras para reforçar sua inocência. Disse que prestará quantos depoimentos forem necessários, pois nada tem a temer.
Militância
Lula está em plena campanha à Presidência da República. Não há dúvidas de que o político que foi interrogado por Sérgio Moro animou a militância. O petista não respondeu ao juiz, respondeu aos eleitores. E será sempre assim em todos os depoimentos que venha a dar. Os responsáveis pelas investigações da Lava-Jato terão que se municiar de muitas provas para se contraporem ao discurso populista do ex-presidente. Lula fala para o povão. Moro, mesmo tendo procurado ser bem objetivo em seus questionamentos, é prejudicado pelo juridiquês.
O petista sabe, porém, que o poder da decisão está com Moro. É ele quem dará a última palavra no processo que investiga os crimes praticados na Petrobras. O embate de Lula com a Justiça está apenas no começo. A meta dele é arrastar o maior número de pessoas às ruas para mostrar que não está sozinho. Ao contrário dos demais investigados por corrupção, o ex-presidente tem apoio popular para tentar intimidar aqueles que estão lhe imputando os crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro.
Não há dúvidas de que todo esse processo, que só acirra a divisão do país, custará caro. O importante é que a Justiça leve até o fim todo o processo originado da Operação Lava-Jato e realmente puna os responsáveis pela roubalheira que devastou o caixa da Petrobras. Ninguém está acima do bem e do mal. Paixões políticas não podem se sobrepor à lei. Por muito tempo, o Brasil fechou os olhos para a corrupção. Ainda que todos saibam que esse crime hediondo não será extirpado de vez, será um grande avanço botar atrás das grades os responsáveis por tantas irregularidades, sejam eles de direita ou de esquerda.
Brasília, 06h30min