26/11/2019 Crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Debate. Desafios para 2020 O Brasil que nos aguarda. Na Foto Felipe Salto, diretor - executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado.

IFI faz alerta sobre inconstitucionalidade de PEC dos precatórios

Publicado em Economia

ROSANA HESSEL

A Instituição Fiscal Independente (IFI) divulgou um relatório, nesta quinta-feira (05/08), alertando para o risco de crime de inconstitucionalidade da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que está sendo elaborada pelo governo federal para adiar o pagamento de precatórios — dívidas judiciais da União.

A medida, defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, tem como objetivo arrumar recursos no Orçamento para custear o novo Bolsa Família e, de quebra, criar um fundo que deverá ser contabilizado fora do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior. Mas vai na contramão dos princípios de austeridade fiscal e é criticada por especialistas e pelo mercado financeiro, porque o governo quer permitir uma espécie de calote da União na Constituição para dívidas que não cabem mais recurso.

As despesas com precatórios e sentenças judiciais derivam de decisões que não podem ser questionadas. Daí o seu caráter mandatório. Desde a aprovação do teto de gastos, em 2016, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 95 (EC 95), os precatórios estão incluídos na regra. Alterações nesse arcabouço para comportar provável aumento expressivo dos precatórios, em 2022, representariam grave risco à institucionalidade das contas públicas”, alertou o relatório assinado pelos diretores da IFI, Felipe Salto e Daniel Couri.

 

Segundo o documento, o teto de gastos sofrerá um “golpe importante”. “Se o parcelamento cogitado avançar, o teto será formalmente preservado, com garantias constitucionais, mas a regra sofrerá um golpe importante. Não serão raros os questionamentos a respeito de novas possibilidades de mudanças para comportar outros eventos que viessem a acometer as contas públicas no futuro”, informou o texto.

 

Os analistas destacaram que, em agosto de 2020, a IFI já havia alertado para os riscos de mudar a contabilização de despesas, a exemplo da migração do Bolsa Família para o auxílio emergencial, saindo do alcance do teto de gastos, da criação de fundo privado por fora do orçamento e do teto, da exclusão das despesas com a capitalização de estatais, dentre outros. “Esses riscos, agora, surgem, novamente, em um contexto de proximidade das eleições gerais”, informou o relatório, acrescentando que alterações no teto de gastos já foram feitas mesmo antes da pandemia.

 

A não contabilização do Bolsa Família dentro do teto, por exemplo, abriu espaço fiscal em 2020 e, novamente, em 2021. Esse espaço só pode ser destinado a gastos sociais, mas não deixa de ser um desvio do teto original, segundo os economistas. “A contabilidade criativa pode ocorrer por dentro das regras do jogo, que acabam sedo alteradas tempestivamente. Essa é a maior preocupação, do ponto de vista dos riscos fiscais, neste momento, derivada do debate sobre o possível parcelamento das despesas com precatórios.”

 

De acordo com os especialistas, está crescendo o risco de descumprimento das regras fiscais com essa PEC, porque  a despesa de precatório segue um rito e as informações transitam pelo Executivo ao longo de todas as etapas dessa liturgia própria. “Se o teto for alterado por esta razão ou os parcelamentos retirarem despesas do teto, inclusive sem corrigir o histórico, desde 2017, entraremos, sem dúvida, num quadro similar ao que se observou no período de 2009 a 2014, marcado por práticas denominadas na literatura de contabilidade criativa”, destacam eles, chamando a atenção para o risco moral que envolve essa alternativa.

 

“Uma decisão, no presente, altera as expectativas dos agentes econômicos, que se adaptam e mudam sua percepção nas próximas rodadas do jogo. O benefício – permitir o cumprimento do teto de gastos e o financiamento de despesas novas – do não pagamento de precatórios (postergação) poderia ser mais do que neutralizado pelo efeito negativo. O aumento do risco, dos juros e do custo médio da dívida rapidamente cobraria o preço”, destacou o relatório. “Em outras palavras, alterações casuísticas no arcabouço fiscal para comportar o aumento expressivo dessa despesa, em 2022, representariam grave risco à institucionalidade das contas públicas”, emendou.

 

De acordo com os especialistas em contas públicas, não se anula a importância do debate sobre o arcabouço fiscal, a harmonização das diferentes regras vigentes, sua eventual atualização e melhoria, a partir das boas práticas internacionais. “O ponto fundamental é que a motivação para alterar as regras fiscais não pode ser conjuntural, sobretudo quando pautada em situações que poderiam ser previstas com antecedência”, acrescentou o texto.

 

No estudo, Salto e Couri destacam a evolução dos precatórios nos últimos 12 anos, chegando a R$ 56,4 bilhões, neste ano, dado 102,2% superior ao de 2009, mostrando que é uma tendência o aumento dessas despesas. Logo, esse aumento de R$ 90 bilhões nas despesas com precatórios que vem sendo noticiado pela imprensa, de acordo com o relatório, poderiam ser melhor mapeadas, se houvesse uma gestão adequada dos riscos fiscais por parte do Ministério da Economia.

 

“A AGU (Advocacia-Geral da União) realiza, por dever de ofício, o acompanhamento pormenorizado das demandas judiciais, prestando informações aos ministérios e órgãos interessados. A gestão do risco fiscal dos precatórios Como se vê, não é propriamente nova a tendência de aumento dessas despesas. O fato atípico seria a alta expressiva, em 2022, conforme informações noticiadas pela imprensa”, pontuaram os diretores da IFI. 

 

De acordo com o documento, o artigo 33 da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2022, analogamente aos anos anteriores, prevê que os tribunais de justiça enviem ao governo os dados sobre as sentenças e precatórios até o dia 15 e junho, mas o o Ministério da Economia deveria ter mapeado esse risco fiscal bem antes dessa data.

 

Há cerca de um mês e meio, pelo menos, o governo já detém as informações dos precatórios efetivamente inscritos para serem pagos em 2022. Como dito, é verdade que o crescimento esperado para 2022 é expressivo, de cerca de R$ 34 bilhões, em relação ao orçamento autorizado para 2021, em termos nominais. No entanto, o arcabouço fiscal não pode estar condicionado a eventos como este, de caráter previsível. Se a União foi derrotada em causas que implicarão pagamentos expressivos, a AGU estava ciente e proveu as informações relevantes.

 

“Para ter claro, a AGU defende a União em todos esses processos. Ela detém as informações relevantes e, dadas as suas atribuições, alerta os setores relevantes do Poder Executivo a esse respeito. A Portaria nº 4011, de 2015, define essas atribuições e os detalhes do processo de prestação de informações, inclusive com as classificações de risco para os processos. O envio dos precatórios pelos tribunais ao Executivo é apenas a etapa final de processos que já são monitorados pelo órgão”, complementou.