GUERRA FRATRICIDA

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Crítico feroz da presidente Dilma Rousseff, por causa dos erros cometidos na economia nos últimos quatro anos, o mercado financeiro, em larga escala, se solidarizou com a petista ontem, depois de o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, anunciar seu rompimento com o governo. O que mais se ouviu nas mesas de operação de bancos e corretoras foi que, entre o parlamentar e a presidente, a opção é pela chefe do Executivo. E a razão é uma só: Dilma pode ter todos os defeitos, mas é uma pessoa ética, não rouba.

Na avaliação de analistas e investidores, Dilma está fazendo o que poucos governantes de países emergentes, sobretudo os da América Latina, teriam coragem: deixar que uma investigação tão profunda, como a da Operação Lava-Jato, seja conduzida com liberdade. Em nenhum momento houve interferência da presidente no trabalho da Polícia Federal, nas ações do Supremo Tribunal Federal (STF) e nos processos conduzidos pelo juiz Sérgio Moro, mesmo com as denúncias de corrupção chegando perto do Palácio do Planalto e do ex-presidente Lula, o criador da petista.

Dilma só está fazendo o que deve ser feito e o que se espera de governantes comprometidos com a verdade e a ética. Mas é impossível imaginar que uma investigação que está destruindo os dois principais partidos do país, o PT e o PMDB, que atingiu em cheio o presidente da Câmara dos Deputados, acusado de receber propina de US$ 5 milhões de empreiteiras que operavam com a Petrobras, e que está a um passo de engolfar o presidente do Senado, Renan Calheiros, fosse adiante, por exemplo, no México, onde a corrupção é endêmica.

A forma como a Lava-Jato está sendo conduzida mereceu, recentemente, elogios de técnicos da agência de risco Standard & Poor’s (S&P). Para eles, é impressionante que, num país emergente, onde as instituições costumam agir para manter o status quo e proteger os poderosos que se alimentam da máquina pública, a população esteja vendo empresários, políticos e servidores de carreira indo para a cadeia. É uma demonstração de força que será levada em conta na hora de a S&P decidir se tira ou não o selo de bom pagador do país (investment grade).

Recessão

Os analistas reconhecem, porém, que Dilma enfrentará uma guerra sem trégua dos presidentes da Câmara e do Senado. Enquanto eles tiverem instrumentos para inviabilizar o mandato da petista, vão fazê-lo sem dó nem piedade. Com isso, quem pagará a maior parte da fatura será a população, pois a recessão, que pode tirar 2% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, se profundará.

O lado mais cruel da retração da economia já escancarou as garras. O desemprego disparou. Pelos cálculos do Ministério do Trabalho, somente em junho foram fechadas 112 mil vagas com carteira assinada. Sem salários, as famílias cortarão o consumo. A demanda fraca derrubará a produção. A indústria, por sinal, está puxando as demissões. São cinco meses seguidos de queda no emprego, mostra o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ontem, apesar do apoio a Dilma, os investidores preferiram se precaver, sobretudo porque não sabem qual o tamanho do apoio popular que a presidente terá para enfrentar os algozes do Congresso. O medo é de que o país pare de vez, que projetos importantes para o ajuste fiscal sejam detonados. Sem a arrumação da casa, não há como a economia voltar a crescer no ano que vem, talvez nem em 2017.

Tudo de ruim que o país está vivendo na economia é culpa dos erros cometidos por Dilma nos quatro primeiros anos de mandato. A teimosia da presidente em destruir os pilares da economia — metas de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal —, a opção por se cercar de uma equipe despreparada e a corrupção desenfreada de seu partido, o PT, fizeram com que ela amargasse hoje apenas 9% de aprovação.

Mas não se pode esquecer que Cunha e Renan são o que há de pior da política do país. Acreditavam que, em meio às denúncias de corrupção, teriam o acobertamento comum aos poderosos. Estão vendo que os tempos de impunidade chegaram ao fim. Mas antes de acertarem as contas com a Justiça, podem inviabilizar o país.

De mal a pior

» Técnicos do governo que acompanham o dia a dia da economia não veem um sinal de inflexão na atividade. Ela só faz afundar.

Queda dos juros

» Nos corredores do Banco Central, a preocupação, agora, é saber quando a instituição poderá voltar a cortar juros. O quadro econômico é dramático.

Embate no funcionalismo

» Bastou o governo voltar a discutir reajustes de salários com os servidores para que a guerra de classes se disseminasse no serviço público. É um tiroteio sem fim de críticas e acusações.

Perfil do portuário

» O país tem hoje 50 mil trabalhadores portuários. Desse contingente, 39% têm ensino fundamental e médio incompleto. A ampla maioria, 78%, está acima de 40 anos e muitos podem enfrentar dificuldades quando se aposentarem.

Brasília, 00h10min