Guerra de interesses

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POR ANTONIO TEMÓTEO

O imbróglio entre governadores e o presidente Michel Temer sobre uma solução para as finanças dos 26 estados e do Distrito Federal ganha mais um capítulo e promete ter um trágico desfecho para o país. O que antes caminhava para ser um pacote de austeridade, com previsão de limitação para crescimento de despesas, corte de cargos comissionados e mudanças nas regras para aposentadorias de servidores, pode se transformar em pizza.

Isso porque cada governador está mais empenhado em defender os próprios interesses e a possibilidade de reeleição em 2018, do que equilibrar o caixa. De um lado estão os do Nordeste, em sua maioria ligados a partidos de esquerda, que defendem que o arrocho nas contas públicas não resolverá os problemas de queda na arrecadação e o aumento da dívida pública. Para eles, o caminho para ajustar as finanças passa pela retomada do crescimento econômico, que impulsionará as receitas e reduzirá os deficits brutais dos últimos anos.

Eles defendem um protocolo de intenções genérico, que não os obrigue a tomar medidas impopulares que lhes custe a reeleição. O documento é capitaneado pelo governador do Piauí, Wellington Dias (PT), e tem a simpatia do chefe do Executivo do Pará, Simão Jatene (PSDB). Os dois, inclusive, estiveram ontem com Temer para defender que os recursos da repatriação fossem pagos sem a necessidade de contrapartidas.

Reservadamente, eles até admitem congelar salários e aumentar as alíquotas de contribuições previdenciárias, mas temem greves, mobilizações e atos violentos como os que ocorreram em Brasília no dia da votação do primeiro turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 55 no Senado.

Outro grupo, formado pelos governadores de Goiás, do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, está com a corda no pescoço, não conseguem sequer honrar o pagamento do salário dos servidores. Os quatro estados têm suplicado pela ajuda do governo federal para acertar, pelo menos, a folha. E, para que isso ocorra, aceitam as imposições do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de fazer o ajuste fiscal.

Na capital federal, o Executivo local usará os recursos do Instituto de Previdência dos Servidores (Iprev) para custear a folha de pagamento. A medida foi adotada em setembro de 2015, mas, agora, em vez de recompor o fundo com imóveis, a equipe de Rodrigo Rolemberg transferirá ações do BRB ao caixa do Iprev. O que não parece claro para os gestores públicos é que decisões paliativas são um erro e que podem implicar rombos futuros aos cofres públicos.

O fiel da balança, o estado de São Paulo está mais preocupado em conseguir que o Tesouro Nacional altere as regras de classificação de sua saúde financeira do que com o ajuste pretendido pela equipe econômica. O sistema criado dá aos etados notas de A a D, que são levadas em conta na hora do governo federal garantir empréstimos aos entes da Federação. Apenas os que possuem nota A e B recebem aval do Tesouro. São Paulo tem nota C-. Dos 26 estados mais o DF, 14 têm nota B, e nenhum, nota A.

Implicações

Como cada governador está mais preocupado com a própria hegemonia política, a chance de o acordo não sair do papel é grande. Mesmo com o impasse, o ministro da Fazenda garantiu que o governo aceitou repartir a multa da repatriação com os estados e os R$ 5 bilhões devem ser repassados até o fim do ano. Conforme ele, ficou acertado, na reunião de ontem, um programa de ajuste fiscal.

Entre as medidas previstas no pacote está um teto para o crescimento dos gastos, indexado à inflação do ano anterior ou ao crescimento da receita líquida. Meirelles destacou que um aumento das alíquotas da contribuição previdenciária estadual também deve estar entre as medidas para reequilibrar as finanças dos estados. O Executivo Federal ainda quer apoio incondicional dos governadores para aprovar a reforma da Previdência no Congresso Nacional.

Wellington Dias e Simão Jatene disseram, entretanto, que os termos da proposta ainda não estão definidos e precisam ser acordados com todos os governadores. Uma coisa é certa. Sem o reequilíbrio das contas públicas, servidores e aposentados ficarão sem salários. Investimentos em saúde, educação e segurança pública serão congelados e a qualidade de vida da população tende a piorar. Com o aumento do desemprego, quem antes tinha condições de arcar com essas despesas dependerá cada vez mais do Estado.

E sem a mudança na mentalidade dos velhos políticos, a chance de a situação piorar é grande. Cortar benesses e mordomias não tem sido uma realidade em nenhuma das esferas. Se o ajuste fiscal não vingar, o país voltará a ter inflação crônica e o endividamento público explodirá. No fim das contas, os brasileiros perderão tudo o que conquistaram em pouco mais de duas décadas de democracia.

Vicente Nunes