CBNFOT020920214959pastore Crédito: Reprodução/ Instituto Nacional de Altos Estudos

Governo sinaliza que ganhar eleições está acima dos problemas econômicos, diz Pastore

Publicado em Economia

ROSANA HESSEL e VICENTE NUNES

Enquanto o clima de tensão toma conta de Brasília e a inflação corrói o poder de compra dos brasileiros, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) dá sinais claros de que está muito mais preocupado em ganhar as eleições do que solucionar os problemas econômicos do país, que está sob ameaça de um novo racionamento, como ocorreu em 2001.

 

“Se eu olho do lado de fora o comportamento do atual governo, eu diria que o objetivo de ganhar a eleição está acima dos outros. Ele tem muito mais interesse em projetos que deem votos do que projetos que resolvam problemas econômicos. Se for desse jeito, eu acho que o risco de ter um furo no teto de gastos em 2022 é muito alto”, afirma o economista e consultor Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e uma das vozes mais equilibradas do ambiente econômico, em entrevista ao Correio Braziliense publicada neste domingo (05/07). Ele alerta para os riscos de retração da economia e do populismo.

 

De acordo com o economista, a economia brasileira continua com dificuldades para crescer e não há grandes avanços na política econômica e fiscal do governo como o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta  transparecer. A inflação persistente e a crise hídrica chegando a um racionamento podem piorar um cenário desanimador e, pelas estimativas de Pastore, o PIB de 2022 ficará bem abaixo do potencial, de 2%. “Eu acredito que nós ainda estamos em uma relação relativamente boa em 2021 perto do que nós vamos enfrentar em 2022”, alerta. O ex-presidente do BC lembra que o mercado começa a prever 1,5% de crescimento no ano que vem, o que “não é nada”, visto que o carregamento estatístico do PIB deste ano será de 1%.“Estamos falando em crescimento de 0,5% no ano que vem”, frisa. Mas se houver racionamento, “evidentemente, haverá queda de PIB”, de acordo com economista, que aposta em novos reajustes na conta de luz ainda neste ano e faz um alerta aos consumidores por conta da crise hídrica. “O preço da energia vai explodir”, destaca.

 

 

“Modo restritivo” 

 

Após os erros de avaliação na intensidade da inflação, Pastore avalia que o Banco Central precisará corrigir a rota e passar para “o modo restritivo” na política monetária. Isso significa uma alta na taxa básica da economia (Selic), atualmente em 5,25%, para níveis em que não há estímulo à economia. Ele prevê a Selic em 8% no fim deste ano e se mantendo nesse patamar até o fim de 2022 para “tentar” conseguir fazer a inflação ficar “dentro da meta” em 2023.

 

Um dos motivos do baixo crescimento do país, acredita, é a falta de uma agenda econômica. Houve, segundo o economista, ineficiência na gestão da política macroeconômica e no controle da pandemia, pelo menos na fase inicial. “Agora, estamos começando a ter efeitos mais duradouros na contenção do contágio sobre o número de mortes. E, justamente num momento no qual não há mais estímulo econômico. Nem estímulo de ordem externa, nem estímulo monetário”, alerta.

 

Riscos fiscal e político

 

O ex-presidente do BC ainda alerta para o risco político e o risco fiscal que não devem sair do radar tão cedo. Para aqueles que comemoram a queda do rombo fiscal neste ano para 1,5% do PIB, ele avisa que a inflação está ajudando a distorcer a realidade e isso não é negacionismo, como o ministro Paulo Guedes costuma alegar. “O que a aritmética diz para um não negacionista como eu é que, pelo menos, mais de 75% do ajuste fiscal deste ano foi gerado por um erro de fundamento que é uma inflação que escapou da meta”, resume.

 

“Essa queda do deficit não é devido à boa gestão do governo. É devido ao erro da política monetária, que permitiu que a inflação chegasse a esse nível”,afirma. Para ele, superavit primário só ocorrerá em 2023 se cumprir o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior.

 

Pastore não poupa críticas à proposta de adiamento no pagamento do “meteoro” de R$ 89,1 bilhões em precatórios (dívidas judiciais), porque tira a credibilidade de qualquer ajuste fiscal. Ele ainda demonstra preocupação com o atual risco institucional, que produziu uma divisão entre os Poderes da República e a sociedade. Para ele, governos que são capazes de produzir esse tipo de “milagre”, não merecem elogios. Aliás, Pastore é categórico ao avaliar o atual governo, que não deixa de ser populista e está mais preocupado em ganhar as eleições do que resolver os problemas econômicos. “É um governo que tem uma escala de prioridades que não faz justiça à sociedade que o elegeu”, pontua.