ROSANA HESSEL
A piora nas contas públicas devido ao aumento dos gastos do governo no combate aos efeitos da pandemia de covid-19 está criando uma dificuldade para o Tesouro Nacional realizar emissões de títulos de longo prazo. O aumento da desconfiança do mercado sobre a capacidade de conter o avanço do rombo fiscal fez com que o governo fique cada vez mais pendurado no “overnight”, prática comum na época em que o país tinha hiperinflação e credibilidade no chão.
Conforme dados do Banco Central divulgados nesta sexta-feira (31/07), as operações compromissadas somaram R$ 1,385 trilhão em junho, totalizando 19,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse montante foi R$ 433,5 bilhões superior aos R$ 951,5 bilhões registrados em dezembro de 2019, quando essas operações giraram em torno de 13,1% do PIB. Em maio, o total de operações compromissadas somou R$ 1,309 trilhão, ou 18,1% do PIB.
Ao comentar esses dados que chamam a atenção dos riscos crescentes para o governo em administrar uma dívida de curtíssimo prazo, o chefe do Departamento de Estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha, tentou minimizar o assunto. “Os prazos mais curtos das operações compromissadas são ferramentas para o BC administrar a liquidez da economia e conduzir a política monetária”, afirmou Rocha durante a apresentação a jornalistas da nota de estatísticas fiscais da autoridade monetária.
Conforme os dados do BC, praticamente a totalidade das operações compromissadas têm prazo de um dia. No mês de junho, 98,8% delas foram referentes a títulos com vencimento diário, totalizando 7.960 transações.
Já os títulos com prazos acima de um dia somaram R$ 3 bilhões e corresponderam a 19 operações realizadas. No caso daquelas em que não é facultada a livre movimentação do título, as médias foram de R$ 9,2 bilhões e de 40 operações.
Dívida explode
A dívida pública bruta do governo geral passou de 81,9%, em maio, para 85,5% do PIB, em junho, o maior patamar da história, de acordo com Rocha. O volume total de endividamento foi de R$ 6,153 trilhões. Esse dado foi 9,7 pontos percentuais do PIB, acima do registrado em dezembro de 2019, quando a dívida bruta ficou em 75,8% do PIB. Um avanço de R$ 653 bilhões no endividamento público que, segundo o técnico, foi resultado, principalmente, do aumento expressivo do rombo nas contas públicas.
A dívida líquida, descontada as reservas cambiais do governo, também cresceu, passando de 55% do PIB, para 58,1% do PIB, entre maio e junho, totalizando R$ 4,176 bilhões. Segundo Rocha, é o mais alto patamar desde março de 2003, quando somou 58,5% do PIB.
Os dados do Banco Central da dívida líquida interna de curto prazo também são preocupantes. Do total de R$ 5,280 trilhões, praticamente metade, ou seja, R$ 2,560 trilhões, vence em até 12 meses. “Uma dívida pública com prazos muito curtos se torna inadministrável”, alertou o economista Márcio Holland, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-secretário de Política Econômica durante o primeiro mandato do governo Dilma Rousseff.
Um fator que tem evitado que a dívida pública não cresça em ritmo mais acelerado é o fato de a taxa básica de juros, a Selic, estar no menor patamar da história, de 2,25% ao ano. Praticamente metade da dívida está atrelada a esse indicador, de acordo com dados dos analistas. E, pelas contas do BC, cada ponto percentual a menos na Selic, implica em uma economia de R$ 34,2 bilhões anuais na dívida pública bruta.
Em relatório divulgado hoje logo após os dados do BC, o economista e especialista em contas públicas Gabriel Leal de Barros, do BTG Pactual, demonstrou preocupação com a mudança no perfil da dívida pública, com mais da metade dela indexada à Selic. “Observamos aqui que a duração das emissões de títulos da dívida indexada à Selic é cada vez mais curta. Apesar do menor custo de rolagem da dívida no Tesouro, esse ‘novo perfil’ exige maior comprometimento e conformidade com regras fiscais no horizonte relevante da política fiscal, com o risco de transformar o processo de consolidação fiscal do Brasil em um cenário binário”, destacou.
Rombos fiscais recordes
Os dados do BC mostram deficits primários crescentes e recordes pelo quarto mês consecutivo para as contas do setor público consolidado. No acumulado no primeiro semestre, o rombo das contas do setor público consolidado ficou em R$ 402,7 bilhões, um salto de quase 7.000% sobre o dado negativo de R$ 5,7 bilhões no mesmo período do ano anterior. Foi pior resultado da série histórica, iniciada em 2001, segundo o técnico.
Em junho, o resultado negativo de R$ 188,7 bilhões nas contas do setor público consolidado também foi o pior da história. E, só não foi maior porque os governos regionais tiveram superavit primário de R$ 5,8 bilhões, graças aos repasses de R$ 20 bilhões da União para os entes federados. “O auxílio financeiro ajudou o resultado de estados e municípios e evitou um deficit para o setor público ainda maior”, comentou Rocha.
No acumulado em 12 meses, o deficit primário somou R$ 458,8 bilhões, o equivalente a 6,38% do PIB, outro recorde histórico de acordo com dados do BC.
Somando com a conta de juros da dívida, o deficit nominal do país, que é o quanto ele precisa se endividar para cobrir as despesas que extrapolam o que o governo arrecada, já está em R$ 818,6 bilhões no acumulado em 12 meses até junho, o equivalente a 11,38% do PIB.
Nova CPMF
Esse quadro nada animador das contas públicas enquanto o mundo mergulha na maior recessão da história devido à covid-19, explica o desespero do ministro da Economia, Paulo Guedes, em tentar um “atalho” de ajuste fiscal por meio de aumento de imposto, recriando a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). Além de buscar uma saída para o estouro do teto de gastos em 2021, o novo tributo poderá criar espaço fiscal para o novo programa de assistência social que o presidente Jair Bolsonaro quer manter para se reeleger em 2022, chamado de Renda Brasil.
O teto de gastos é uma emenda constitucional aprovada em 2016 que limita o aumento das despesas primárias à inflação do ano anterior acumulada em 12 meses até junho.
Mas não importa se o novo nome dessa nova CPMF será mais palatável, o fato é que aumento de imposto é a forma preguiçosa de ajuste fiscal, porque não ataca o vespeiro das despesas obrigatórias. E os moldes do tributo que o governo quer criar é o mesmo da velha CPMF, ou seja, é cruel e regressivo, pois atinge todos de forma igual e os mais pobres continuarão pagando mais tributo do que os mais ricos proporcionalmente à renda.