Governo aproveita para mudar regra de ouro na PEC dos precatórios

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ROSANA  HESSEL

O ministro da Economia, Paulo Guedes, grande defensor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios, enviada ao Congresso Nacional para permitir o parcelamento em 10 anos de dívidas judiciais da União e que não cabem mais recurso, acabou imitando “as criaturas do pântano” — denominação dada por ele para os parlamentares — , e incluiu um jabuti na medida com a qual o governo tenta abrir caminho para a gastança eleitoreira em 2022 para desobrigar o cumprimento da regra de ouro.

A regra de ouro, prevista no artigo 167 da Constituição Federal, proíbe o governo de emitir títulos da dívida pública para cobrir despesas correntes, como salários e aposentadorias. Essa norma entrou em evidência quando o governo passou a registrar deficit primário e, em 2019, precisou pedir autorização do Congresso para emitir crédito suplementar e, assim, evitar que o presidente do país cometa o crime de responsabilidade fiscal.

O texto da proposta enviada pelo Executivo ontem modifica justamente o item do artigo que obrigava o Executivo a pedir autorização para o Legislativo por maioria absoluta. A nova redação coloca essa obrigatoriedade como facultativa a emissão da dívida se ela for prevista e autorizada no Orçamento.

Neste ano, o Orçamento prevê R$ 453,7 bilhões de despesas que precisariam de autorização do Legislativo, mas esse montante foi reduzindo ao longo do ano graças aos abatimentos contábeis de dados como o lucro com a valorização cambial das reservas na conta única da União e a antecipação da devolução de R$ 100 bilhões  de aportes do Tesouro feitos no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com isso, a necessidade de emissões de títulos neste ano, está em R$ 160,6 bilhões. No ano passado, se não fosse o orçamento de guerra, o governo precisaria do aval do Congresso para emitir R$ 367 bilhões.

Essa alteração não foi comentada pelos técnicos do Ministério da Economia durante a explicação da PEC dos precatórios nesta terça-feira (10/08). Questionada sobre o porquê dessa mudança, a pasta informou em nota que “a proposta de alteração do referido inciso não tem o condão de afastar o seu cumprimento”.  “Pelo contrário, durante a elaboração e a aprovação do orçamento, caso constatada que não será possível manter a relação neutra ou positiva entre o montante das despesas de capital e as receitas de operação de crédito, a antecipação da autorização na lei orçamentária anual poderá corrigir o processo de apreciação legislativa sobre o orçamento, peça principal para que se avalie eventual insuficiência”, destacou o comunicado, justificando que a medida visa acelerar a liberação dos recursos.

“A necessidade de se submeter a aprovação posterior pelo Congresso Nacional, por maioria absoluta dos votos, de crédito adicional para despesas já apreciadas e aprovadas anteriormente pela Casa Legislativa, quando da tramitação do projeto de lei orçamentária, gera morosidade na disponibilização dos recursos para o financiamento das políticas públicas, não contribuindo para a melhor execução e qualidade do gasto público”, adicionou.

Mais tarde, pasta ainda divulgou uma nova nota, reforçando a questão da agilidade para justificar a mudança. “Pela proposta, essa autorização legislativa também poderá ser dada durante a apreciação da Lei Orçamentária Anual. A perspectiva é antecipar a análise e a autorização pelo Poder Legislativo, que tem condições de avalizar a insuficiência juntamente com a análise do PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual), caso este apresente uma relação negativa entre o montante das despesas de capital e as receitas de operação de crédito”, destacou.

A PEC dos precatórios é uma alternativa para o governo conseguir espaço  no Orçamento para aumentar as despesas, principalmente, como o Auxílio Brasil, programa que deverá substituir o Bolsa Família e previsto na Medida Provisória entregue, ontem, pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Segundo o secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, a aprovação da PEC vai abrir um espaço de R$ 33,5 bilhões no limite do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas pela inflação do ano anterior –, o que garantiria espaço fiscal para incluir o novo Bolsa Família.

A proposta é considerada inconstitucional por especialistas e ainda promove o calote institucionalizado. De acordo com o presidente da Comissão Especial de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Eduardo Gouvêa, a PEC viola, pelo menos, oito artigos da Constituição.

Não à toa, a PEC dos precatórios já está sendo chamada de PEC das pedaladas. “O descalabro fiscal, isto é, a sanha por mudanças contábeis para abrir espaço à farra dos gastos públicos, vai ter resposta. Não é só Selic. O risco será precificado. Os liberais do governo cabularam esta aula? Os juros vão carcomer qualquer espaço derivado de pedaladas”, escreveu nas redes sociais o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal.

Veja a íntegra da resposta enviada pela pasta:

A Regra de Ouro prevista no inc. III do art. 167, da Constituição veda a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta.

A proposta de alteração do referido inciso não tem o condão de afastar o seu cumprimento. Pelo contrário, durante a elaboração e a aprovação do orçamento, caso constatada que não será possível manter a relação neutra ou positiva entre o montante das despesas de capital e as receitas de operação de crédito, a antecipação da autorização na lei orçamentária anual poderá corrigir o processo de apreciação legislativa sobre o orçamento, peça principal para que se avalie eventual insuficiência.

A necessidade de se submeter a aprovação posterior pelo Congresso Nacional, por maioria absoluta dos votos, de crédito adicional para despesas já apreciadas e aprovadas anteriormente pela Casa Legislativa, quando da tramitação do projeto de lei orçamentária, gera morosidade na disponibilização dos recursos para o financiamento das políticas públicas, não contribuindo para a melhor execução e qualidade do gasto público.

Durante a execução do orçamento e caso seja constatada uma insuficiência superior daquelas já aprovadas na lei orçamentária anual, o Poder Executivo poderá propor créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa ao rito de aprovação pelo Congresso Nacional por maioria absoluta, conforme proposto na alínea “b” do dispositivo alterado.

Por exemplo, em 2021, a proposta orçamentária foi aprovada apenas no final do mês de março, sendo sancionado no final de abril, e até aquele momento o Poder Executivo estava impedido de enviar quaisquer créditos suplementares ou especiais, inclusive os que tratam inc. III, do art. 167, da Constituição, gerando transtorno aos ministérios que ficaram impedidos empenhar despesas públicas, inclusive despesas classificadas como obrigatórias, uma vez que as mesmas estavam condicionadas a aprovação dos créditos em questão.

Diante das razões acima apresentadas, constata-se que a alteração do dispositivo visa melhorar a eficiência na gestão orçamentária ao manter a autorização de forma antecipada sob o escrutínio do Parlamento, e não se renunciando ao envio de posterior crédito com finalidade precisa, caso a autorização inicial não tenha sido suficiente. Tal procedimento traz maior segurança jurídica aos envolvidos na execução orçamentária e melhora a gestão dos gastos públicos.

Vicente Nunes