Um grupo de assessores do presidente Michel Temer já está preparado para o discurso a ser apresentado pelo Banco Central, caso o Comitê de Política Monetária (Copom) opte pelo conservadorismo e corte a taxa básica de juros (Selic) em 0,5 ponto percentual e não em 0,75 ponto como deseja o Palácio do Planalto. Segundo essa ala do governo, será tudo culpa de Donald Trump. Como não se sabe em qual direção seguirá a política econômica do novo presidente dos Estados Unidos, o BC tenderá a justificar que o melhor é se precaver do que ter de corrigir rumos mais à frente. A decisão do Copom será tomada amanhã, nove dias antes da posse de Trump.
A grande preocupação do BC é que o futuro presidente da maior economia do planeta ponha em prática o discurso tresloucado que entoou durante a campanha. Há o risco de os EUA instituírem uma pesada carga de impostos sobre produtos importados da China. Essa postura protecionista, se levada à frente, abriria uma guerra comercial entre os dois países, com consequências terríveis mundo afora, em especial para o Brasil. Prejudicada, a China, que é o nosso maior parceiro comercial, reduzirias as compras de mercadorias brasileiras. O resultado seria uma forte arrancada do dólar, que pressionaria a inflação. Hoje, depois de anos de tormento, o custo de vida está em queda.
No Palácio do Planalto, há dúvidas se essa preocupação do BC é justificável. Primeiro, porque é preciso separar campanha política do exercício real da Presidência da República. No máximo, acreditam assessores de Temer, Trump deve aumentar tributos sobre alguns produtos chineses para dar uma resposta ao eleitorado, mas nada que abra uma crise com os asiáticos. Segundo, há propostas de Trump bem favoráveis para o Brasil, pois, pelo menos num primeiro momento, podem levar a um crescimento maior da economia norte-americana: cortes de impostos e desregulamentação. Então, argumentam os palacianos, é preciso que o BC pese tudo antes de tomar uma decisão tão importante.
“As preocupações do BC são legítimas, mas é preciso não exagerar”, diz um dos assessores de Temer. “O Brasil está em uma recessão fortíssima, o desemprego é assustador. Uma queda mais acentuada dos juros agora daria novo ânimo ao empresariado”, acrescenta. Para ele, há que se considerar que, em relação às últimas duas reuniões do Copom, quando a Selic caiu 0,25 ponto percentual, um corte de 0,5 ponto, para 13,25% ao ano, será uma avanço. “Mas a conjuntura pede um pouco mais de ousadia. A economia, que todos acreditávamos que reagiria, continua agonizando”, frisa.
Cobrança
Na opinião de Ivo Chermont, economista-chefe da gestora de recursos Quantitas, há uma cobrança exacerbada sobre o Banco Central. Ele crê que a autoridade monetária está seguindo à risca um roteiro muito bem estruturado, que tem permitido a queda dos juros sem que a inflação volte a se assanhar. “Nos últimos 10 anos, sempre que o BC cortava juros, as expectativas de inflação subiam. Agora, vemos exatamente o contrário”, afirma.
Pelos cálculos de Chermont, no dia em que foi anunciada a vitória de Donald Trump — 9 de novembro de 2016 —, as taxas dos contratos de juros com vencimento em janeiro de 2018 fecharam em 12,60% ao ano. Ontem, haviam cedido para 11,35%. Mesmo assim, as estimativas para a inflação deste ano continuaram baixando, atingindo 4,8%, e as projeções para 2018, 2019 e 2020 permanecem ancoradas em 4,5%, o centro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
“Isso é o que chamamos de credibilidade. Os agentes econômicos acreditam que o único compromisso do BC é o de manter a inflação na meta”, destaca o economista. Portanto, para ele, são injustas as críticas de que o Banco Central está demorando demais para reduzir a Selic. No entender de Chermont, talvez se a instituição tivesse acelerado o passo lá atrás não estaríamos vendo agora uma avenida tão ampla para consecutivos cortes da Selic. “Acredito que os juros encerrarão este ano em 9,75%. O BC baixará a Selic em 0,5 ponto amanhã e fará dois cortes consecutivos, em fevereiro e em abril, de 0,75 ponto cada”, diz.
PIB zerado
Apesar do contínuo processo de queda dos juros, Chermont não vislumbra uma recuperação rápida da economia. A previsão dele é que o Produto Interno Bruto (PIB) encerre este ano com variação zero. Serão registrados pequenos avanços trimestrais, mas não suficientes para zerar o carregamento estatístico de 2016, quando houve retração próxima de 3,5% — o dado oficial só será divulgado em março, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Aos poucos, as pessoas sentirão um alívio, com a recessão sendo deixada para trás”, frisa.
Para um governo que tem pressa, será necessário muito sangue-frio. Enquanto a economia não engrenar de novo, a cobrança sobre Michel Temer será pesada. Boa parte dos agentes econômicos ainda tem dado voto de confiança ao governo. Mas eles precisam ver uma luz no fim do túnel. Os números divulgados até agora mostram a atividade em frangalhos. A indústria e o varejo não param de encolher. Nesse quadro de catástrofe, há uma notícia muito boa: a inflação está em queda. Vamos ver até que ponto isso comove o Banco Central.
Brasília, 06h50min