Governo acelera a reforma trabalhista

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POR PAULO SILVA PINTO

Horas depois de a presidente afastada, Dilma Rousseff, ser transformada em ré no processo de impeachment, na semana passada, já circulavam pelas redes sociais mensagens asseverando que a decisão era sinônimo do fim do 13º salário, das férias de 30 dias e do limite de 44 horas para a jornada de trabalho semanal. Alguns desavisados acharam mesmo que os senadores tinham aprovado um projeto nessa linha, logo depois de decidir a sorte de Dilma.

Quanto a um ponto, não restam dúvidas: a divisão causada pela ideia de reformar as regras trabalhistas se confunde com a clivagem política que tomou conta do país. Defensores do impeachment são, em geral, a favor de mudanças. Partidários da presidente são, como regra, contrários a essa ideia. É um apartamento ainda mais forte do que se vê no caso da reforma da Previdência, algo que muitas pessoas à esquerda do espectro político veem como inevitável.

Que o assunto interessa ao governo interino, não há dúvida. Técnicos da Casa Civil e do Ministério do Trabalho se reúnem dia sim, dia não, no Planalto, para discutir propostas. É possível que no mês que vem algumas regras já estejam maduras o suficiente para serem levadas ao Legislativo. Diferentemente do que acontece com a Previdência, porém, não serão enviadas em bloco. A ideia é aproveitar projetos que já tramitam nas duas casas do Congresso e aprimorá-los para acomodar o que se quer alterar. O tema é considerado essencial para a retomada do crescimento econômico.

No governo, não se fala ainda abertamente sobre os detalhes. Mas se assegura que não há chances de que as transformações atinjam o escopo imaginado — e propagandeado — pelos que hoje estão na oposição. Empresários também dizem que não reivindicam nada nesses termos. “Os direitos trabalhistas, incluindo férias e 13º salário, estão inscritos na Constituição. Só podem ser retirados se ela for alterada”, lembra o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan.

A essência é que sejam permitidas negociações que hoje a Constituição já permite, mas acabam vetadas pela Justiça do Trabalho. “É necessário dar segurança jurídica aos acordos”, afirma, reservadamente, um técnico do governo. O texto constitucional é ambíguo ao determinar que se pode acertar qualquer coisa, desde que não se prejudiquem a saúde e a segurança no trabalho.

Rigidez

Para o governo, é possível aprovar algumas alterações ainda neste ano. Os empresários são menos otimistas. “Nada será resolvido antes das eleições municipais”, diz Furlan. Ele também vê dificuldades para convencer a opinião pública. “Temos de fazer um trabalho intenso para mostrar os benefícios à sociedade.” Ele considera um erro ter falado em “prevalecer o negociado sobre o legislado”, quando, na verdade, o que se defende é um marco legal prevendo negociações.

A lista de acordos que não dão certo devido à rigidez da lei, segundo empresários e governo, é ampla. Inclui casos como o de uma fábrica que decidiu bancar uma linha de ônibus gratuita entre suas instalações e o centro do município, mas teve de voltar atrás depois que viu risco de o tempo que os funcionários passavam no transporte ser contabilizado como hora de trabalho. Ou o do empresário que bancava a faculdade de alguns funcionários e desistiu depois de ser avisado de que teria de recolher encargos trabalhistas sobre o valor. “Pelo sistema atual, não posso sequer premiar os funcionários mais produtivos, pois se considera que isso fere a isonomia”, queixa-se Furlan.

Um exemplo de inflexibilidade citado de forma recorrente é o mínimo de uma hora para o almoço. Para algumas pessoas, seria maior vantagem fazer a refeição em meia hora e sair mais cedo do trabalho. O senador Paulo Paim (PT-RS) vê nessa ideia uma situação emblemática de risco de prejuízo ao trabalhador. “As empresas vão obrigar todo mundo a comer correndo, em 15 minutos. E não é só a alimentação. As pessoas precisarão descansar um pouco, do contrário o risco de acidente realmente vai aumentar”, avisa.

Metalúrgico, ex-presidente do sindicato da categoria em Canoas, região metropolitana de Porto Alegre, o senador é uma das principais referências no Congresso. E vê como reprise o filme da reforma trabalhista. Proposta anterior foi aprovada pela Câmara, quando ele era deputado, no fim do governo de Fernando Henrique Cardoso. Mas, com o governo Lula, empacou no Senado. “Volta e meia eles vêm com essa história de negociar, sobretudo quando a economia vai mal”, nota. Ele diz ser a favor das negociações entre patrões e empregados, mas afirma que isso já é possível com o marco legal que o país tem hoje.

Brasília, 05h01min

Vicente Nunes