O Brasil ficou um pouquinho melhor, ontem, diante da decisão do Conselho de Ética da Câmara de aprovar, por 11 votos a nove, parecer favorável à cassação do deputado Eduardo Cunha por quebra de decoro parlamentar ao omitir a existência de contas em seu nome no exterior. Se o resultado fosse outro, certamente os nobres deputados que participaram da votação teriam dado uma banana para a ética e o combate à corrupção. Seria uma afronta ao país.
A batalha para expurgar Cunha da vida pública e, se possível, botá-lo atrás das grades ainda será longa. Quem conhece o peemedebista eleito pelo Rio de Janeiro sabe que ele não se curvará facilmente à decisão da Comissão de Ética. Assim como manobrou para que o processo que se encerrou ontem se arrastasse por oito meses, o prazo mais longo da história, usará todas as armas para tentar anular a punição na Comissão de Constituição e Justiça e no plenário.
Para que Cunha, que está afastado de suas funções desde 5 de maio, seja cassado de vez, seus colegas terão que garantir pelo menos 257 votos. Assim como acompanhou atentamente a votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a população estará atenta ao posicionamento dos parlamentares. Todos sabem que esse, de longe, é o pior Legislativo que o país já teve. Mas se acredita que, frente a tantas provas do envolvimento do peemedebista com corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e falsidade ideológica, o bom senso prevalecerá.
Cunha é, sem dúvida, a figura mais nefasta de que se tem notícia hoje em dia. Ele simboliza tudo de ruim de que o país precisa se livrar. Manipulador, usou, de forma escancarada, o cargo de presidente da Câmara para criar uma rede de proteção que ampliou seu poder. Distribuiu favores e dinheiro a aliados para que pudesse direcioná-los de acordo com seus interesses. Chegou ao ponto de preparar dossiês contra dezenas de deputados, distribuídos ao menor sinal de traição.
Em um país sério, Cunha já estaria preso há muito tempo. O fato de ele circular livremente, agir nas sombras e ostentar poder ao nomear ministros e líderes do governo no Congresso é uma afronta aos cidadãos de bem. Agora, com a Câmara começando a fazer o seu trabalho, é fundamental que o Supremo Tribunal Federal (STF) acelere o passo e acate o pedido de prisão do deputado feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O fato de o ministro Teori Zavascki ter negado o encarceramento do presidente do Senado, Renan Calheiros, do senador Romero Jucá e do ex-presidente José Sarney indica que ele está prestes a acatar o pedido contra Cunha.
Virar a página
O início da queda definitiva de Cunha provocou alvoroço entre investidores, que tentam mapear qual o real poder de estrago que ele pode fazer no governo interino de Michel Temer caso saia atirando. Há, entre os analistas, quem acredite que o estrago a ser feito pelo deputado pode superar o impacto de possíveis desdobramentos da Operação Lava-Jato. O peemedebista tem muitos parlamentares nas mãos. Se realmente perder o mandato, não se intimidará em levar para o buraco gente graúda com ele, alguns hoje em cargos estratégicos na Esplanada dos Ministérios.
“O risco Cunha não está totalmente precificado pelo mercado”, afirma um executivo de um grande banco. “Sabemos que ele pode detonar uma bomba com consequências dramáticas. Mas tendemos a acreditar que há um certo exagero quando se fala do poder do deputado”, acrescenta. Na avaliação do executivo, são de 99% as chances de Temer ser efetivado no governo assim que o Senado aprovar o impeachment definitivo de Dilma Rousseff. “Agora, essa margem cai um pouco quando se olha para até o fim de 2018. Há muitos riscos no meio do caminho”, emenda.
A tendência, acreditam os especialistas, é de que, com a pressão popular aumentando, a Câmara acelere o processo de cassação de Cunha. Os partidos devem se unir em torno dessa posição, para que o Senado se sinta mais confortável a fim de apear Dilma de vez da Presidência da República. “O país precisa virar a página rapidamente. Tirar Cunha do circuito e dar a Temer um mandato definitivo são decisões fundamentais. Só assim, a economia terá condições de retomar o fôlego”, reconhece um integrante da equipe comandada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Alento de esperança
Para Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do Banco Central e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), as incertezas políticas agravam a recessão, que é dramática. Sem terem a certeza de que Temer continuará no comando do país, as empresas não vão investir. Não havendo a ampliação dos negócios, não há como reverter o desemprego e a queda da renda. Não há confiança para nada. “A recessão é hoje o maior problema do país do ponto de vista econômico. Não é mais a inflação, que continua alta, mas cairá sistematicamente nos próximos meses”, diz.
Thadeu ressalta que, com a insegurança política se dissipando, o governo terá condições de aprovar medidas importantes no Congresso para o ajuste fiscal. A mais aguardada delas, a que limita o aumento dos gastos à inflação do ano anterior, só deverá ser votada depois do impeachment de Dilma. Havia a expectativa de que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema fosse votada até julho. Mas terá que aguardar. Enquanto isso, o exército de 11,4 milhões de desempregados continuará aumentando, destruindo sonhos de muitas famílias. Neste Brasil sombrio, a possível cassação de Cunha será um alento de esperança por dias melhores.
Brasília, 07h01min